GLS e outras letras By Jess Leroy / Share 0 Tweet Tudo que eles querem é carinho, atenção, um dono pra chamar de seu. Como os últimos românticos, eles desejam o amor, seja de que forma for. Forma, inclusive, é o que define quem poderá amá-los. Quem a aceita, foge da regra. E ser fora-da-lei sempre foi condição para quem vive às margens da civilização. Conheça o trágico, belo e invisível existir desses seres. Muitos dizem que eles são bem espertos e astutos. Já que vivem nas ruas, sofrem uma seleção natural, onde só os mais resistentes conseguem sobreviver. Dizem que não há estatísticas para comprovar essa tese, mas raramente se vê um deles indo visitar o doutor. Eles, que são chamados de SRD, ou "sem raça definida", perambulam pelas vielas e viadutos, sem donos ou mais cuidados. Se são espertos? Ah, sim, precisam ser. Aprendem quem dá as ordens rapidamente, sabem quem pode mais. Quando estão em uma avenida, ficam próximos da faixa dos pedestres e atravessam com cuidado. A precaução aumenta ou diminui, depende de quem dá atenção a eles e da intuição. Essa é fundamental para que eles possam sobreviver. Para eles, essa palavra que carrega a sina de tentar viver sobre a vida que lhes foi dada é a primeira que aprendem. Perdigueiros ou de cruza, eles têm muitos nomes, pelo menos, dois. Esses seres de raça mista são mesmo especiais, não existem dois iguais, nem mesmo parecidos. Muitos dizem que eles tentam imitar o pedigree de outras raças, mas nada é o que parece, até mesmo entre aqueles que se consideram normais. Muitos têm receio de olhar para eles. Não que eles precisem tanto assim de atenção. Eles a chamam naturalmente. Sempre foi assim. Basta um desfilar pelas vias, alguém sempre não vai se conter e acabar mexendo com eles. A questão é que eles dão medo e fascínio a quem os atreve encarar. Quem olha para eles, geralmente se acompanhados, os acham desprezíveis. Porém, sozinhos, eles mudam de idéia. Passam até a desejar, ainda que por algumas horas. A personalidade que eles imprimem, por serem de rua, por estarem ali, mostrando-se, choca e atrai. Eles podem ser leais e afetuosos como os "normais", ou preguiçosos, agressivos, talvez tímidos. Eles são iguais a todos os outros, mas como existem exuberantes, parecem que são mais perigosos. Causam pensamentos desconhecidos, estranhos demais para quem vive em uma sociedade que procura normalizar tudo. Uns poucos conseguem o status de "cult", de venerados pelos mais politicamente instruídos. Os chamados "descolados" adoram sua imagem e muitas vezes querem se debruçar sobre a paisagem que eles mostram. Os bem pobres, que em geral são de onde eles mais nascem, não têm tanta consideração assim por esses conterrâneos esquivos. Ainda há um caráter sagrado e medieval, mesmo nas famílias das sociedades modernas. O estigma e o preconceito fecham as portas, e eles não entram nem quando elas estão abertas; muito menos nas igrejas. Lugar, aliás, que não reconhece a existência de tais aberrações, a não ser como doença. Mas os olhares dos outros o sublimam: o travesti. Aquele que é duplo, que é dois, que é "transgênero". Eles “desnormalizam” o que é considerado desejável. Ali se quer o homem ou se quer a mulher? Quem o quer, quem o deseja e quem o aceita? Aceitar não é o suficiente, ele mostra a dura face do que é verdade. Normal e humano são incompatíveis, inaceitáveis. Os travestis ainda são os vira-latas dos héteros. E até mesmo entre os gays, nem adianta abanar muito o rabinho.