Uma lição de Jornalismo

A jornalista Adriana Rodrigues utiliza a obra Hiroshima, do jornalista John Hersey como suporte para do debate acerca dos direitos humanos e sua relação com o jornalismo. Adriana mostra como uma boa narrativa pode potencializar a própria defesa dos direitos fudamentais do homem. Segundo ela, “um jornalismo que tratou de relatar uma história de forma magistral em que a humanidade extrapolou todos os limites da razão, e que o mundo tem infinitas razões para nunca esquecê-la”.

A bomba atômica que atingira mais de 100 mil de imediato na cidade japonesa de Hiroshima durante a Segunda Guerra Mundial, que vitimou pessoas inocentes, nos aterroriza até hoje. A cidade japonesa até então desconhecida, foi palco de uma das maiores atrocidades da história e manchou a alma da humanidade. O imaginário coletivo não deixa cair no esquecimento esta história tão brutal, deprimente, colocando na berlinda os limites humanos. E deve ser justamente por isso que não se deve esquecer esta página na história: o sentimento de revolta e compaixão, entrelaçados, nos provoca.

Para aqueles que desejam fazer uma leitura humanizada, descritiva, numa linguagem fácil e ao mesmo tempo leve, Hiroshima, do jornalista John Hersey, é um belo livro, apesar de tratar de uma história dolorosa, não deve ser lido sem reflexão. É um livro extremamente oportuno para a contribuição literária e jornalística do século XX.

Um ano depois da bomba cair em Hiroshima, Hersey sacava seu bloco e caneta, e foi até `a cidade, a princípio para fazer uma reportagem. Repórter habilidoso, usou o seu talento – e pouco tempo- , pegou emprestado as técnicas do jornalismo literário e foi remontando o massacre a partir de relatos de seis sobreviventes daquele dia fatídico, numa linguagem humanizadora e ao mesmo tempo impactante.

Em Hiroshima, obra que inaugura um novo estilo de fazer jornalismo literário, o autor ignora os clichês, pieguices, sensacionalismo, fugiu do simplismo e das normas engessadas do jornalismo e vai tecendo sua narrativa original, se comparando a magnitude do evento. A matéria-prima para sua grande reportagem não exigia do jornalista esforços dantescos. A habilidade, percepção, boa formação cultural e moral, fizeram desta reportagem a melhor do século XX, apesar de não se tratar de furo algum. A vida do reverendo Kiyoshi Tanimoto, o padre Kleisorge, a viúva Hatsuyo Nakamura, a Sra. Toshiko Sasaki, o Dr. Masakazu Fujji e o Dr. Terufumi Sasaki (sem parentesco com sra. Sasaki) se cruzaram no dia da explosão. Hersey capta com muita precisão as angústias, o desespero, a dor das pessoas atingidas pela bomba. Perfilar a vida desses seis sobreviventes é o grande guia do livro e talvez é onde está o grande mérito da narrativa. Puro e realista, a obra rica em detalhes e entrevistas exaustivas, chega a ser impactante.

Ler Hiroshima é ter a sensação de que o mundo nunca ouvira a palavra paz. É impressionante como o jornalista vai descrevendo minuciosamente o efeito que a bomba atômica causa nas pessoas, as feridas virulentas, rostos esfacelados, jogadas a um inferno insano de dor. A falta de sentimentalismo que Hersey vai norteando o livro lhe confere um grau de realismo notório, beirando a um sentimento de depressão avassalador. Depois de ler um festival de carnificina, a mais sangrenta história do mundo – três dias depois da bomba cair em Hiroshima – o leitor fica sabendo que uma outra bomba foi lançada agora em outra cidade japonesa, Nagasaki. Com um “detalhe”: com o poder mais potente, a capacidade de gerar mais desgraça é bem superior, e que certamente vidas humanas foram dizimadas, ou seja, mais sangue, mais dor, angústias, mais carnificina. O efeito é devastador. A narração é firme e forte do início ao fim.

Difícil é ler, vivenciar tais relatos sem se emocionar, já que Hersey permite que o leitor respire a atmosfera das ambiências dos relatos sem perder o fio condutor da narrativa. O impacto é imediato e, ao mesmo tempo em que não há opiniões deslocadas, a narrativa possui uma capacidade de prender os olhos e querer ler mais e mais, conseguindo causar desajuste. Os fatos falam por si, e mostram que a reconstituição deste massacre está mais atual do que nunca. Não foi por acaso que esta reportagem – até então – foi publicada numa edição inteira da revista The New Yorker e escolhida como a melhor reportagem do século XX.

Depois de quarenta anos, os sobreviventes tentam reconstruir suas vidas e recuperar sua dignidade. Hersey volta à cidade, em 1986, e encontra agora quatro dos seis sobreviventes da bomba atômica vivos que o leitor acompanhou intimamente e finaliza o livro com o capítulo Depois da Catástrofe . O que fizeram, como reagiram após a bomba, seu uso ético, se casaram ou amaram, como a sra. Sasaki, depois de saber que ficara com a perna aleijada, com depressão e abandonada pelo noivo, decidiu que nunca mais iria amar alguém: preferiu seguir o caminho da espiritualidade, tornado-se freira. Hiroshima está para o jornalismo assim como a bíblia está para os católicos, o alcorão para os mulçumanos. Muitas são as histórias que entrelaçam e vão dando o tom do livro. De fato, uma obra-prima para o jornalismo literário e uma lição de jornalismo ético, preciso, profundo, diferente do convencional, despido de maquiagem. Original. Um jornalismo que tratou de relatar uma história de forma magistral em que a humanidade extrapolou todos os limites da razão, e que o mundo tem infinitas razões para nunca esquecê-la.

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Adriana Rodrigues