Leitura Obrigatória By Pedro Serra / Share 0 Tweet Nos anos 60, um grupo de jornalistas e escritores americanos começou a quebrar as regras do jornalismo tradicional, buscando nos romances a inspiração para criar textos que envolviam o leitor. Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer, Hunter S.Thompson e Truman Capote eram alguns dos nomes por trás deste Novo Jornalismo, ou Jornalismo Literário, e dos romances de não-ficção. Se você não aguenta mais os textos de hoje em dia, mecanicamente escritos com base nos manuais de redação, aqui vão algumas dicas de leitura. Para quem não sabe, esta minha coluna aqui n´O Pensador Selvagem funciona da seguinte maneira: uma semana eu reclamo do jornalismo que está por aí (ok, nem sempre reclamo, eu também sei elogiar às vezes) e na outra eu falo sobre os livros interessantes que tenho lido. Então, como no último artigo não fiz nada além de criticar coleguinhas, neste vou falar de dois livros que apenas os enaltecem. O único porém aí é que a maioria destes jornalistas estão mortos ou na casa dos seus 70 anos. Falo aqui de nomes como Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer, Hunter S.Thompson e do escritor Truman Capote, que nos anos 60 iniciaram um movimento que viria a mudar as bases sobre as quais estava estabelecido o jornalismo de então. A idéia era sair da pirâmide invertida e das regras impostas pelos veículos de comunicação e ousar, pegando emprestadas técnicas geralmente usadas pelos romancistas. Nascia aí o jornalismo literário, os romances de não-ficção e o movimento chamado New Journalism. Uma variação deste novo gênero veio na forma do jornalismo Gonzo, criado por Hunter S.Thompson, onde o jornalista passa a fazer parte da história. Em seu livro The New Journalism (Picador, 1977. 430 págs. – há versões mais recentes, mas a que eu tenho é essa, antiguinha, que comprei em um sebo), Tom Wolfe faz um breve histórico do movimento, do começo difícil, com críticas da comunidade literária, à aclamação do gênero, quando os jornalistas e escritores passaram a receber prêmios, como o Pulitzer, e a vender mais livros que o pessoal da ficção. As críticas a que Tom Wolfe se refere em seu livro vinham, em sua grande maioria, pela forma como o texto era escrito, fora do padrão normal, com reticências, exclamações e afins, e também pelos escritores descreverem cenas e diálogos que não haviam presenciado, ou até mesmo pensamentos de seus personagens. Para o pessoal da velha guarda, o new journalism não passava de uma “forma bastarda de jornalismo”, ou ainda um “para-jornalismo”. Uma dessas críticas veio do repórter Haynes Johnson, do Washington Post. “Quando Tom Wolfe e as pessoas que se intitulam elas próprias de Novos Jornalistas inventam as personagens e nos dizem o que as pessoas pensam porque falaram com muitas delas, bem, eles estão fazendo o papel de Deus… Ninguém pode inventar citações e personagens e dizer que isso é jornalismo. É uma coisa diferente e deveria ser catalogada diferentemente”, disse Johnson em uma entrevista a H. Eugene Goodwin para seu trabalho intitulado Procura-se, Ética no Jornalismo (Editorial Nórdica, 1993. 445 págs). Para Wolfe “o motivo do pessoal dos jornais ter ficado com raiva não era mistério. Eles tinham mais aversão a qualquer coisa com o rótulo de ´novo´ do que maquinistas de trem. A idéia de grande inovação de um editor de jornal era o quebra-cabeças de palavras.” Quem viu o filme Capote, que mostra o processo de criação de um dos marcos desta geração, o livro A Sangue Frio (Cia.das Letras, 2003. 440 páginas), notou que Truman Capote dedicou anos de sua vida à pesquisa para o livro. Assim, o criador do termo “romance de não-ficção” pôde descrever todas as cenas e entrar na mente dos personagens, fazendo mais do que um relato jornalístico, factual. E é exatamente isso que Wolfe nos ensina em seu livro, quando cita as características deste gênero literário. Construção cena a cena – em vez de se basear em relados de terceiros, Wolfe considera necessário para o jornalista testemunhar eventos em primeira mão, e recriá-los para o leitor. Diálogos – Ao inserir um diálogo como ele aconteceu, ao invés de usar o discurso indireto, o jornalista deixa de apenas descrever os fatos e passa a realmente estabelecer um personagem, ao mesmo tempo em que envolve o leitor. Terceira pessoa – O jornalista deve dar ao leitor o sentimento real dos eventos e pessoas envolvidas, em vez de simplesmente reportar os fatos. Para isso, deve tratar o protagonista como o personagem de um romance, perguntando qual a sua motivação? O que ele está pensando? Por que ele fez isso? Detalhes – Tão importante quanto os personagens e os eventos, são os arredores, especificamente investigar do que as pessoas se cercam. Wolfe descreve estes itens como as ferramentas para uma “autópsia social”, para que possamos enxergas as pessoas como elas se vêem. Norman Mailer, jornalista ícone desta geração que faleceu este ano, rebateu as críticas quanto a ficar entre a ficção e a não-ficção da seguinte forma: “ficção é uma tentativa de artisticamente resumir as experiências humanas que podem acontecer em algum momento. Ao mesmo tempo em que a não-ficção é uma tentativa de incluir o que você considera ser todos os elementos essenciais em uma história, e no curso de incluí-los, fixando-se em uma prosa banal, você está destruindo a realidade da história. Então, como eu digo, desde o princípio me parecia sem sentido separar os dois. Mesmo querendo escrever não-ficção, você está escrevendo ficção.” Ou seja, um jornal vai lá, coloca um monte de fatos que ele escolheu, que foram enviados por uma assessoria de imprensa, que ele conseguiu através do telefone, com uma fonte oficial cheia de interesses no assunto… e escreve com aquele textinho medíocre na tal pirâmide invertida e você, na verdade, fica sem saber o que aconteceu realmente. Mas aí vem um cara que pesquisa tudo, entra na mente das pessoas envolvidas, passa um tempo de sua vida vivendo o ambiente onde os fatos se desenrolaram e escreve um relato com diálogos, pensamentos e descrição de cenas, sendo que algumas podem até não ter sido bem daquela maneira, mas o relato dá uma visão geral de como a coisa realmente aconteceu, além de ser um texto muito mais gostoso de se ler. Para entender melhor isso, Wolfe nos brinda com extratos de livros e matérias escritos pelos melhores deste movimento, sempre com um texto de introdução do próprio Wolfe falando um pouco sobre o autor e sobre o que iremos ler. São 12 páginas de A Sangue Frio, de Truman Capote; 17 páginas da hilariante visita de Hunter S.Thompson ao Kentucky Derby; 16 páginas do livro de Tom Wolfe, Eletric Kool-aid Acid Test – com suas onomatopéias, reticências, exclamações – falando sobre jovens experimentando com drogas e com um estilo de vida livre; Há também mais um excelente texto de Hunter S.Thompson sobre os Hells Angels, um de Garry Wills sobre o funeral de Martin Luther King, um do inglês Nicolas Thomalin sobre o Vietnam, o excelente Paper Lions, de George Plimpton, sobre um time de futebol americano e muitos outros. Cada um dos textos que eu li me deu vontade de comprar o livro. Enquanto a proposta de Wolfe é mais baseada no texto, a de Marc Weingarten foca nos autores. Seu livro The Gang That Wouldn´t Write Straight (Three Rivers Press, 2005. 325 págs) é um relato da ascensão e queda do gênero, hoje restrito a poucas publicações e aos livros. O autor traça as origens do new journalism desde os trabalhos de Charles Dickens e George Orwell, passando pelos artigos de Lillian Ross para a revista New Yorker nos anos 50, o livro de Capote, até chegarmos à venda da revista New York, um dos ícones do movimento, para o magnata da mídia Rupert Murdoch. Weingarten oferece uma visão dos métodos pouco convencionais de Tom Wolfe, em suas pesquisas para escrever o Eletric Kool-Aid Acid Test, Hunter S.Thompson, em sua amizade com os Hells Angels e suas matérias movidas a peiote, e Norman Mailer, com suas bebedeiras, brigas e prisões. O autor, porém, deixa de lado algumas das figuras menos populares porém não menos importantes do movimento. Gay Talese, considerado um dos pais do new journalism, recebe pouca atenção, assim como Didion e outros. O artigo de Talese Frank Sinatra Has a Cold considerado pela revista Esquire a melhor história já publicada, sobre como o jornalista não conseguiu fazer a matéria, não recebe nem uma menção honrosa no livro. Mesmo assim, o trabalho de Weingarten é uma leitura obrigatória e para os estudantes de jornalismo de hoje, acostumados a textos mecanicamente escritos com base nos manuais de redação, estudar sobre Wolfe, Talese, Mailer, Thompson e seus companheiros de New Jornalism pode ser uma grande descoberta. Para saber mais: Oito livros para entender o Novo Jornalismo O Jornalismo Gonzo no Brasil Quando a literatura invade o jornalismo Artigo I Artigo II Entrevista com Gay Talese Para a Folha Para o JB O Novo Jornalismo tupiniquim O livro de Tom Wolfe pode ser difícil de achar. Para dicas de onde comprar livros, leia o meu post Comprando livros: O Guia Completo, no meu blog Na Média.