O nome dela era Escorpião

Num mês em que as homenagens nipofílicas proliferam em virtude do centenário da migração japonesa no Brasil, nada mais apropriado do que curvar-se a uma das melhores séries da cultura japonesa, abrangendo quadrinhos e cinema: a saga de Sasori – a Escorpião.

Tudo começou na primeira leva do movimento chamado Pinku Eiga, conhecido no ocidente como gênero sexploitation, que proliferou no Japão dos anos 60 através de pequenas produtoras com filmes de baixo orçamento que usavam e abusavam da nudez como parte essencial de sua estética e tendo nos diretores Hiroshi Mukai, Kinya Ogawa, Shinya Yamamoto e Koji Wakamatsu como mestres do gênero.
Chega os anos 70 trazendo a segunda geração do Pinku Eiga, quando o sexploitation saiu das produtoras independentes e foi dar um longo passeio com as grandes produtoras de cinema do Japão, mais especificamente com a mítica Tōei Kabushiki-gaisha (Toei Company para nós ocidentais) que nos deu as cultuadas séries Terrifying Girls’ High School e Sukeban, ambas comandadas por Norifumi Suzuki e estreladas pelas musas Reiko Ike e Miki Sugimoto. Nesta mesma década também nasce uma nova série dos quadrinhos denominada Sasori (Escorpião) criada pelo mangaka Toru Shinohara, que já estava nessa estrada há uma década e tinha obtido razoável sucesso, mas nada comparável com o que se tornaria ao ter sua trágica heroína Nami Matsushima transposta para as telas de cinema na pele da musa maior Meiko Kaji com a ajuda da Toei e do então novato diretor Shunya Ito.
Foi também nos anos 70 que proliferou o subgênero do exploitation conhecido como WIP (Women in Prison) e de que a série Sasori é marco fundamental do gênero, não apenas para o Japão, mas para o cinema mundial. Os fundamentos do WIP incluem protagonistas de grande força que normalmente são abusadas física e moralmente por homens, suas locações são a maior parte do tempo numa prisão feminina, além dos fatídicos toques de lesbianismo e vingança.
A série Sasori foi levada às telas por dez vezes, mas é comumente lembrada apenas pelos filmes protagonizados por Meiko Kaji, dos quais apenas os três primeiros foram dirigidos por Shunya Ito, deixando o quarto nas mãos do não menos competente Yasuharu Hasebe que já havia nos deleitado com alguns exemplares da série Stray Cat Rock, também estrelada por Kaji.
A verdade é que não seria exagero dizer que essa pequena tetralogia poderia estar ao lado de qualquer das grandes séries fílmicas da história da sétima arte:

Female Prisoner #701: Scorpion (Joshuu 701-gô: Sasori, 1972): Logo em seu primeiro filme Shunia Ito deixa claro quem mais o influenciará na carreira, o mestre do cinema japonês Suzuki Seijun. A estética de Seijun é gloriosamente roubada por Ito em seus ângulos de beleza extrema, deixando visível que aquilo é mais do que uma bela fotografia e sim uma silenciosa poesia em movimento. Quanto à nossa heroína Matsu Sasori, tem-se início a sua saga, onde uma virginal Sasori se apaixona por um policial que a engana e que faz ir para a fatídica prisão onde sofrerá as mais profundas violências, remoendo o ódio que culminará em uma bela e sangrenta vingança.

Female Convict Scorpion Jailhouse 41 (Joshuu sasori: Dai-41 zakkyo-bô, 1972):
Muitas vezes colocado como o melhor filme da série, Jailhouse 41 é o que mais se difere dos demais, tanto pela sua abordagem estética que mostra o amadurecimento de Ito como cineasta quanto ao conteúdo místico e sombrio, apelando para elementos quase surreais e com grande influência do mestre Kenji Mizoguchi e mais ainda de Suzuki Seijun. Matsu está novamente em uma prisão, mais madura e conseqüentemente mais selvagem e forte, até o momento em que foge com outras prisioneiras dando início a uma jornada pessoal de cada uma delas envolta a muita filosofia e culpa visualizada através de grande simbolismo.

Female Prisoner Scorpion: Beast Stable (Joshuu sasori: Kemono-beya, 1973): Outra obra prima de Ito, ainda esteticamente imbatível, mas a sua abordagem da heroína se aprofunda e chega quase a um patamar de estudo sociológico. Aqui, Matsu está tentando ter uma vida normal, com um emprego normal e viver uma vida normal, mas presenciar a injustiça contra mulheres ao seu redor a faz voltar à sua natureza selvagem.

Female Prisoner Scorpion: #701’s Grudge Song (Joshuu sasori: 701-gô urami-bushi, 1973): Último filme de Meiko Kaji como Matsu, agora o filme divide o título com a música tema da série Urami Bushi, um dos maiores sucessos da careira de cantora Enka de Kaji. Apesar da grande direção de Hasebe, é inferior aos filmes anteriores de Ito. Aqui Matsu novamente encontra o amor e de novo é traída, desenrolando uma nova e dolorosa saga de vingança.

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Adriana Scarpin