Num mês em que as homenagens nipofílicas proliferam em virtude do centenário da migração japonesa no Brasil, nada mais apropriado do que curvar-se a uma das melhores séries da cultura japonesa, abrangendo quadrinhos e cinema: a saga de Sasori – a Escorpião.
Chega os anos 70 trazendo a segunda geração do Pinku Eiga, quando o sexploitation saiu das produtoras independentes e foi dar um longo passeio com as grandes produtoras de cinema do Japão, mais especificamente com a mítica Tōei Kabushiki-gaisha (Toei Company para nós ocidentais) que nos deu as cultuadas séries Terrifying Girls’ High School e Sukeban, ambas comandadas por Norifumi Suzuki e estreladas pelas musas Reiko Ike e Miki Sugimoto. Nesta mesma década também nasce uma nova série dos quadrinhos denominada Sasori (Escorpião) criada pelo mangaka Toru Shinohara, que já estava nessa estrada há uma década e tinha obtido razoável sucesso, mas nada comparável com o que se tornaria ao ter sua trágica heroína Nami Matsushima transposta para as telas de cinema na pele da musa maior Meiko Kaji com a ajuda da Toei e do então novato diretor Shunya Ito.
Foi também nos anos 70 que proliferou o subgênero do exploitation conhecido como WIP (Women in Prison) e de que a série Sasori é marco fundamental do gênero, não apenas para o Japão, mas para o cinema mundial. Os fundamentos do WIP incluem protagonistas de grande força que normalmente são abusadas física e moralmente por homens, suas locações são a maior parte do tempo numa prisão feminina, além dos fatídicos toques de lesbianismo e vingança.
A série Sasori foi levada às telas por dez vezes, mas é comumente lembrada apenas pelos filmes protagonizados por Meiko Kaji, dos quais apenas os três primeiros foram dirigidos por Shunya Ito, deixando o quarto nas mãos do não menos competente Yasuharu Hasebe que já havia nos deleitado com alguns exemplares da série Stray Cat Rock, também estrelada por Kaji.
A verdade é que não seria exagero dizer que essa pequena tetralogia poderia estar ao lado de qualquer das grandes séries fílmicas da história da sétima arte:
Female Prisoner #701: Scorpion (Joshuu 701-gô: Sasori, 1972): Logo em seu primeiro filme Shunia Ito deixa claro quem mais o influenciará na carreira, o mestre do cinema japonês Suzuki Seijun. A estética de Seijun é gloriosamente roubada por Ito em seus ângulos de beleza extrema, deixando visível que aquilo é mais do que uma bela fotografia e sim uma silenciosa poesia em movimento. Quanto à nossa heroína Matsu Sasori, tem-se início a sua saga, onde uma virginal Sasori se apaixona por um policial que a engana e que faz ir para a fatídica prisão onde sofrerá as mais profundas violências, remoendo o ódio que culminará em uma bela e sangrenta vingança.
Female Convict Scorpion Jailhouse 41 (Joshuu sasori: Dai-41 zakkyo-bô, 1972): Muitas vezes colocado como o melhor filme da série, Jailhouse 41 é o que mais se difere dos demais, tanto pela sua abordagem estética que mostra o amadurecimento de Ito como cineasta quanto ao conteúdo místico e sombrio, apelando para elementos quase surreais e com grande influência do mestre Kenji Mizoguchi e mais ainda de Suzuki Seijun. Matsu está novamente em uma prisão, mais madura e conseqüentemente mais selvagem e forte, até o momento em que foge com outras prisioneiras dando início a uma jornada pessoal de cada uma delas envolta a muita filosofia e culpa visualizada através de grande simbolismo.
Female Prisoner Scorpion: Beast Stable (Joshuu sasori: Kemono-beya, 1973): Outra obra prima de Ito, ainda esteticamente imbatível, mas a sua abordagem da heroína se aprofunda e chega quase a um patamar de estudo sociológico. Aqui, Matsu está tentando ter uma vida normal, com um emprego normal e viver uma vida normal, mas presenciar a injustiça contra mulheres ao seu redor a faz voltar à sua natureza selvagem.
Female Prisoner Scorpion: #701’s Grudge Song (Joshuu sasori: 701-gô urami-bushi, 1973): Último filme de Meiko Kaji como Matsu, agora o filme divide o título com a música tema da série Urami Bushi, um dos maiores sucessos da careira de cantora Enka de Kaji. Apesar da grande direção de Hasebe, é inferior aos filmes anteriores de Ito. Aqui Matsu novamente encontra o amor e de novo é traída, desenrolando uma nova e dolorosa saga de vingança.