Negociando com os Mortos – parte 4 e última

Esta é a última parte da série de artigos sobre o livro “Negociando com os Mortos”, da escritora canadense Margaret Atwood. Quando me propus a criá-la, pensei numa forma de divulgar este livro que tanto gosto, assim como discutir alguns clichês e outras questões do ato de escrever que nunca são esquecidas. Escrever é sempre estar em dúvida, e talvez dessa dúvida tiremos alguma compreensão. Escrever é buscar a luz, procurar por um friso que ilumine o que está escuro, como comentei na terceira parte.

Para concluir essa sequência, não com chave de ouro, mas apenas com um clique da maçaneta, afinal não penso que o assunto possa ser encerrado enquanto houver um escritor com autoindagações e leitores interessados em seu processo criativo, dou uma pincelada geral sobre “Negociando com os Mortos.”

Capa de Negociando com os MortosA obra surgiu de um ciclo de seis conferências dadas por Atwoood na Universidade de Cambridge em 2000. Chamadas de Conferências de Empson, nome diretamente alusivo a William Empson, estudante da mesma universidade que escreveu em 1930, aos 23 anos de idade, o ensaio crítico “Sete Tipos de Ambiguidade” e que fora expulso ao encontrarem anticoncepcionais em seu quarto, os capítulos são quase transcrições destas, dadas para um público composto de acadêmicos, estudantes, escritores, leitores curiosos e leigos. “Escrever é, em si, sempre penoso”, explica Margaret logo na introdução, “mas escrever sobre nossos escritos é sem dúvida pior, em termos de futilidade.” Todo escritor consciente de seu ofício sabe que esta metafísica do ato de escrever pode muitas vezes, senão sempre, ser cansativa, parecer mastigada, um assunto circular e sem saída. Mas também é um exercício de análise, sobretudo para quem ainda se descobre como artista, ou para quem já se descobriu e quer repensar sua condição como tal. É fútil escrever sobre o escrever? Então nos permitimos a futilidade quando Clarice Lispector, Virginia Woolf, Edward Morgan Forster, Roland Barthes, Milan Kundera, Philip Roth, Umberto Eco, entre dezenas de outros, já tentaram desmembrar a escrita mostrando o criador a partir de sua criatura ou como produto dela, metaforicamente ou não, emocionalmente ou literariamente.

No prólogo, a autora faz um rápido esboço dos capítulos:

O primeiro capítulo é o mais autobiográfico e indica também a extensão das minhas referências: essas duas coisas estão ligadas, uma vez que os escritores tendem a adotar seus enunciados no início de suas vidas de leitura e escrita. O segundo capítulo aborda a dupla consciência do leitor pós-romântico: presumo que ainda estejamos vivendo à sombra projetada pelo Romantismo ou em fragmentos dessa sombra. O terceiro capítulo aborda os conflitos entre os deuses da arte e do comércio que todo escritor que se considera artista continua a sentir. O quarto examina o escritor como ilusionista, artífice e participante do poder político e social. O quinto pesquisa o eterno triângulo: escritor, livro e leitor. E o sexto e último fala da jornada narrativa e dos seus caminhos sombrios e tortuosos.
Em suma, o livro enfrenta alguns conflitos que têm ocupado muitos escritores, tanto os que conheci neste plano terreno, como dizem na Califórnia, quanto os que conheci apenas por intermédio de sua obra. Muita escrita ocorre entre uma rocha e um lugar duro, e aqui temos algumas rochas e alguns lugares duros.

Um livro para ser lido e relido, pensado e discutido. Enquanto houver escrita, haverá loucura. E vice-versa.

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Alex Sens