Milton Ribeiro By Milton Ribeiro / Share 0 Tweet Dois poemas dedicados ao grande compositor. O primeiro de Anna Akhmátova, o segundo de Fernando Monteiro. O primeiro, de Anna Akhmátova: Música Para Dmitri Shostakovich Algo de miraculoso arde nela, e fronteiras ela molda aos nossos olhos. É a única que continua a me falar, depois que todos os outros ficaram com medo de se aproximar. Depois que o último amigo tiver desviado o olhar, ela ainda estará comigo no meu túmulo, como se fosse o canto do primeiro trovão, ou como se todas as flores tivessem começado a falar. 2. O segundo, de Fernando Monteiro: Litania nos cem anos de Shostakovich Para M.R. e B.R. O torso de beleza afastando-se Como se afasta um afogado Das margens da praia Também recuada para trás De onde o Mediterrâneo Vinha beijar os pés das sílfides, Debaixo do sol silencioso. Abandonados pelas crianças, Os brinquedos da marina Zunem de calor no metal Aquecido como as águas. O planeta está mais quente E mais enlouquecido Entre os pios nublados Do pássaro escondido Em árvores molhadas Da chuva ácida que se filtra De um céu de tempestade. Aviões caíram nesta manhã, Levando passageiros Para o fundo de uma laguna E o nenhum lugar da selva Remota que irá retomar Seu espaço sobre azulejos Encardidos e embalagens Não-degradáveis Num mundo que prefere o desastre. Tudo o prenuncia, de certa forma, E nada está perdoado Nem foi esquecido Com todas as coisas que já foram E com aquelas que ainda serão Ou que apenas dormem na tarde À espera dos anos sem emoção. Os humanos repousam No sono da sombra de toldos Estalando na Veneza insalubre Deste lado do Atlântico De exímios nadadores que não viram as crianças Se afogando. Sim, eu prefiro estar Por apanhar um resfriado Antes da peste No limite da cerca-viva De mato e detritos do lixo Avançando até o antigo gradil De gladíolos brancos. É minha a opção de não manter A saúde, fumar e perder esperança Na vigilância sem objeto, Exposto ao vento da tarde, Ao siroco da mente Igualmente desistindo Das perguntas a ninguém Muito depois de Pã Anunciado como morto Antes da morte dos mares. Então, não importa molhar Os sapatos da espuma de solfejos Rumorejando as queixas do Adriático Como outrora o mar dos gregos Deixava leve gosto de salgado Entre os artelhos limpos De náiades banhando-se Nos oceanos mitológicos Que hoje são de plástico Cor de chumbo. Leia mais em: Milton Ribeiro » Música