Música Desconcertante By Bruno Yukio / Share 0 Tweet Tudo na vida cumpre um propósito. E qual seria a função da música? Qual é o parafuso correspondente à arte musical nas engrenagens do maquinário maluco que é a nossa realidade? Para quê serve a arte? Você já parou para pensar nisso? Vamos tornar as coisas um pouco mais simples. Vamos reformular a pergunta a partir do principal assunto desta coluna: para quê serve a música? Quando eu faço esta pergunta para as pessoas (geralmente com a intenção de ensinar alunos ou de esculachar chatos), recebo dois tipos de resposta: 1) “música serve para divertir” e 2) “música serve para expressar os sentimentos”. Veja bem: a música de fato cumpre estas duas funções. Mas estas são funções secundárias; se música se resumisse a apenas estas duas colocações, teríamos um cenário cultural ainda mais sombrio e desqualifiicado do que o que temos hoje. Isto é igual a você contratar um arquiteto para projetar a sua casa: ele vai conceber o projeto e vai colocá-lo no papel. Quando você diz que a música serve para expressar sentimentos ou divertir, é a mesma coisa que dizer que a função do arquiteto é fazer desenhos no papel. A música enquanto arte é concebida de certas formas que transcendem o processo auditivo. É preciso muito raciocínio para conceber música que seja também uma obra de arte. Algumas pessoas associam atividades de raciocínio a resultados frios e sem sentimentos. Ó cacete, isto é um mito que precisa ser embrulhado e jogado privada abaixo. Ouça uma peça do Bach. É comum ver pessoas comentarem como a música de Bach é bonita e emocionante. Tudo bem, eu concordo, Bach pode ser emocionante. Mas Bach também era absolutamente racional quando escrevia suas peças. O contraponto em Bach é extremamente calculado, e de repente isto resulta em uma música que as pessoas consideram emocionante. Mas o que traz valor à esta música não é apenas o fato de ser emocionante, é o fato de ser solidamente construída. Ora, mas porque estou enchendo o seu saco falando essas coisas? Simples: você pode se deparar com verdadeiras obras de arte ao longo de sua vida e julgar tudo um lixo. Você pode escutar uma peça que no futuro será analisada como uma das grandes obras do século e falar que é ruim. Só porque… soa feio. Sim, a arte pode ser “feia”. E o feio pode ser bonito. E o bonito pode ser feio. Porque o que você acha bonito é o que você aprendeu que é considerado bonito. Mas muitas vezes esse bonito é artisticamente feio, é brega. Muitas vezes o que é feio na verdade só é estranho. E o estranho pode ficar bonito, freqüentemente é questão de você se acostumar. Ou às vezes o bonito é bonito, o feio é feio e ambos são arte de altíssima qualidade. Aí vem a pergunta que não quer calar: “mas se o feio pode ser bonito e o bonito pode ser feio, como vou poder dizer se uma música é boa ou ruim?” Santa pretensão! Porque esse desejo de associar o gosto a tudo o que é bom? Porque o desejo de dar sempre um parecer? Você quer ser refinado? Quer ser chique? Quer ser uma “referência” no assunto e escrever artigos para a revista Veja? Você pode ser tudo isso e continuar não entendendo nada de música ou de arte; basta ter dinheiro, bons contatos e manter a pose. Muitas pessoas “cultas” não entendem nem de arte, nem de nada. As colunas sobre arte dos jornais e revistas são na maior parte das vezes vitrines de mediocridade, chafarizes de verborragia produzidos para afastar as pessoas da arte. Essas pessoas “cultas” querem tornar a arte um luxo, um símbolo de status para as elites. Esqueça isso. Se seu desejo é compreender música de forma sincera, eu te digo o seguinte: para julgar se uma composição é “boa” ou “ruim”, é necessário um aparato intelectual. É necessário que você estude não só a técnica da música, mas também a sua linguagem e sintaxe. É preciso que você consiga analisar uma partitura. Resumindo: é necessário estudar música profundamente. Freqüentemente, as obras musicais apresentam aspectos que podem ser considerados positivos ou negativos. Isto depende de quem analisa a música. Procure por obras onde os aspectos positivos são apontados de forma unânime por artistas, acadêmicos, críticos e especialistas com boa formação teórica. Lembre-se também que a unanimidade pode errar. Nunca acredite nas coisas por completo, escute os argumentos e reflita sobre eles. Um bom jeito de você escolher o que escutar é ler artigos sobre música e ouvir opiniões de pessoas que conhecem e estudam música. Claro que se você estudar música também, isso não fará mal algum. Quanto mais você se dedicar a entender as coisas que você gosta, melhor será o seu julgamento. Mas não pense que um dia você saberá tudo sobre música ou arte. Isto é uma ilusão. Isto nunca vai acontecer. Suspeite sempre de quem dá uma de “enciclopédia ambulante”. Muitas vezes estas pessoas passam informações erradas ou imprecisas. Parte do que elas falam pode corresponder a informações verdadeiras, porém nunca aceite uma informação sem confirmar tudo por si próprio através de pesquisas. Para você confiar no que estou dizendo, vou deixar bem claro: eu não sei tudo. Eu não sei tudo !! (Note que eu não respondi para quê serve música. Deixo isso pro próximo artigo, para criar suspense, que nem novelinha. Mas vá pensando aí. Para quê serve música?) Eu não sei tudo.