Audição, percepção e erro.

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Recentemente li uma entrevista de Dan Ariely – professor da Duke University e do M.I.T, onde ele dizia que não podemos confiar em nosso cérebro. E eu pude comprovar isso! Eu estava no ônibus com a minha namorada, e ela estava me mostrando algumas músicas em seu celular. Era como um teste – ela colocava a música e pedia para eu adivinhar quem estava cantando. Ouvindo apenas através de um fone de ouvido, eu precisava de atenção redobrada para identificar as vozes. Algumas vozes eu identificava na hora – quanto mais familiar, mas rápida a identificação. É necessário também levar em consideração as mudanças de timbre de um artista a medida em que fica mais velho – isso também ajuda a confundir. Autistas savant têm a capacidade de memorizar instantaneamente qualquer informação e lembrá-las para sempre. Nós – sem essa condição – não temos essa capacidade, mas nossa memória armazena informações de acordo com o impacto do objeto ou com a repetição a que é exposta. De tanto ouvir um artista ou banda, é comum identificarmos o “feeling” de um baterista, ou o toque de um guitarrista mesmo em uma música nova (que nunca ouvimos) ou tocando em outro grupo. Isso se dá pela repetição – de tanto ouvir, aquelas características ficam gravadas na memória. Partindo desse princípio de aprendizado por repetição – como em Skinner, só sob o efeito de drogas (lícitas ou ilícitas) é que se pode explicar o fato de Vanusa errar a letra de uma música de seu próprio repertório – ainda mais sendo uma música que nunca saiu deste, e que ela canta há mais de 30 anos. Sobre o impacto é necessário salientar que há o negativo e o positivo, e em ambos os casos a memória é afetada. Assim que ouvi a canção “Burn It Blue” na trilha sonora do filme “Frida”, logo reconheci a voz que cantava em dueto com Caetano Veloso. Era a mexicana Lila Downs – que havia me impressionado anos antes – após audição de seu disco de estréia “La Sandunga”. Embora não tivesse a ouvido tanto a ponto de fixá-la em minha mente por repetição, a experiência fora tão marcante que assim que a ouvi, disse logo que era ela. Voltando ao ônibus e ao teste com minha namorada – com apenas um fone no ouvido esquerdo, ela colocou uma música e me perguntou: – Com quem o Leoni está cantando? Parei um instante, me concentrei e senti a voz. Naqueles poucos segundos vasculhei minha memória em busca dessa informação. Eu disse: – Luiz Melodia. Ela sorriu, balançou com a cabeça negativamente e disse: – Léo Jaime. Era a música “Fotografia” ao vivo – como eu não a conhecia, não pude acertar. Porém eu fui traído por minha memória. Mas pelo menos naqueles segundos de audição, o som que eu ouvi de Léo Jaime era muito parecido com Luiz Melodia – uma voz rouca, um pouco anasalada, num tom baixo.

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 Eu confesso que ouvi muito pouco o trabalho de Léo Jaime – assim como o de Luiz Melodia – mas ouvi ambos o suficiente para conhecê-los. E o mais incrível é que assim que soube que era o Léo Jaime todo o repertório de informação sobre ele veio à tona. Lembrei de canções de sua carreira solo, de seus sucessos e limpidamente sua voz tornou-se viva em minha mente. Foi como um “gatilho” disparado – assim que ouvi o nome do artista a mente logo o identificou. Como eu disse, o mais estranho é como após obter a informação as coisas ficaram claras. O mesmo timbre, o mesmo som, ouvindo apenas por um dos fones – ou seja, nas mesmas condições de antes da informação – mas agora claro. A voz de Léo Jaime estava o tempo todo em minha mente, apenas num lugar onde por meus próprios esforços em não consegui encontrar naquele momento. Precisei de um estimulo para compreender. Ouvindo apenas no escuro – o som ao penetrar meus tímpanos e através de impulsos nervosos chegar ao meu cérebro, abriu no meu arquivo a pasta errada. Ao invés de abrir a pasta “Léo Jaime”, abriu a pasta “Luiz Melodia” – porque por minhas próprias condições eu não pude lembrar, precisei da informação externa – para aí então abrir a pasta certa. A cada novo artista ouvido, a cada novo livro lido ou filme visto, etc., cria-se uma pasta no cérebro com as informações retidas – e será o impacto ou a repetição que vai determinar a medida da lembrança dessas informações. O cérebro é uma máquina tão fascinante que em micro-segundos corrige nossa percepção – transformando o errado em certo. Mas de fato, não confie cegamente em seu cérebro – tenha sempre a mão numa apresentação ou palestra uma cola, pois nunca se sabe quando ele irá falhar, mas uma coisa é certa – como disse o professor Dan Ariely, nunca confie 100% em seu cérebro.


 

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About the author

Marlon Marques Da Silva

Humano, falho, cético e apenas tentando... Sou tio, fã de Engenheiros do Hawaii, torço pro Santos F.C. e não me iludo com políticos e religiosos e qualquer discurso de salvação. Estudei História, Filosofia, Arte, Política, Teologia e mais um monte de coisas. Tenho minha opinião e embora possa mudar, costumo ser aguerrido (muito) sobre ela e geralmente costumo ir na contra-mão da doxa.