Daniel Daibem e a didática da música.

 alt

 

A música se ouve, mas não necessariamente se entende. Há quem possa me indagar a respeito de que não é necessário entender a música para apreciá-la. Pode ser – é como comida, não precisamos entender os processos químicos ou nutricionais dos alimentos para comê-los e saboreá-los, mas todo up grade é sempre bem vindo. Ainda nesse exemplo dos alimentos, reparem bem – todas as embalagens agora trazem as informações dos ingredientes dos produtos, gorduras, sais, vitaminas, etc., entretanto, é uma linguagem que só profissionais dessa área entendem. A primeira pergunta, pra quê serve uma informação se não é compreendida a quem ela se destina? Portanto é necessário “didática”. É preciso fazer com que o outro entenda – e para tal, é necessário transformar o incompreensível e compreensível, tornando clara a mensagem por trás dos códigos de linguagem. Outro desafio, é não cair no reducionismo conceitual, ou seja, não esvaziar o sentido pela linguagem mais simples – isso sim requer grande capacidade. Exemplo, como explicar para um aluno de 8 anos de idade a teoria da relatividade de Einstein, de forma a não perder conteúdo e nem manter a dificuldade para alguém dessa idade? Segunda pergunta, a música é que complicada ou somos nós que a complicamos? Isso discutimos depois. Há quem faça música sem nenhum conhecimento teórico ou passagem por uma escola de música – como Lamartine Babo, entretanto, fazer música – seja erudita ou popular, é um processo que exige ao menos um conhecimento básico das notas musicais e de harmonia. Existe uma escala, com notas com nomes, cada uma delas têm suas funções e sons específicos – imagina para um leigo, como será que ele observa uma partitura? Uma partitura na frente de Chopin faz todo sentido – mas e na frente de um homem comum, o que ele entende? O mundo é dividido entre aqueles que entendem e ensinam e aqueles que não entendem e aprendem – e essa relação nem sempre se dá de forma adequada, justamente porque quem ensina, não leva em consideração as limitações e dificuldades daquele que aprende. Terceira pergunta, eu preciso entender a música? Olha, não necessariamente, mas acredito eu que após conhecer alguns elementos que a constitui e alguns porquês de certas coisas, nossa audição e percepção, e conseqüente apreciação da mesma muda radicalmente. Kant disse que existem duas fontes de conhecimento, a sensibilidade e o entendimento. Através da primeira os objetos nos são dados e através da segunda são pensados. Essa junção, nos ajuda a elucidar as coisas antes obscuras ou pouco claras. Apuramos nosso paladar depois que descobrimos distinguir temperos. Aprender as diferenças entre vinhos, faz com que entendamos justamente qual o vinho que mais nos agrada. Música é como a vida na terra – existem organismos unicelulares, muito simples e mais fáceis de entender seu funcionamento, e existem seres pluricelulares, muito complexos e portanto muito mais difíceis de serem entendidos.

alt

 

Como a maioria das pessoas não gosta de pensar e tende a preferir modelos prontos – o Jazz, a música erudita, o rock progressivo, entre outros estilos, tornam-se chatos. Não é que sejam chatos, é porque não são compreendidos. Entre os profissionais de mídia musical, talvez quem melhor faça essa intermediação e funcione como um verdadeiro professor – embora ele negue tal papel, é Daniel Daibem. Daibem é guitarrista e comandou um programa chamado “Sala dos professores” na antiga rádio Eldorado. O programa tinha uma proposta de explicar o funcionamento da música de uma forma simples e acessível a qualquer um. A primeira grande lição de Daibem, é mostrar que a música é como um esporte e como um idioma. Ele faz uma analogia como futebol: gostamos de futebol porque entendemos as regras – entretanto quanto vemos futebol americano não gostamos, porque não sabemos as regras. Com música é igual – as vezes a música nos soa estranha (e aí dizemos ruim) porque é um idioma que não conhecemos, que não sabemos as regras. Daibem explica o improviso. “No Brasil a palavra improviso têm uma conotação de fazer as coisas de qualquer jeito. Aí as pessoas acham que improviso na música é assim: o cara toca o tema – pá padá padupá padapadupá (Garota de Ipanema), improviso: guigodigoguidogoguigodideó (uma expressão qualquer). Esse ‘guigodigoguidogoguigodideó’ se você botar no lento ali pra ouvir, é uma coleção de palavras, é o vocabulário do músico. E eu procuro mostrar isso pras pessoas”. Realmente, se ninguém vier e te falar que nisso há algum sentido, vamos continuar achando que não há. É preciso que alguém nos mostre, desmistifique as coisas, nos dê o caminho. E Daibem faz isso muito bem. Ele me mostrou que é possível ouvir a música de forma compartimentada. Como assim? Treinar o ouvido para se concentrar em um instrumento de cada vez. Aí você percebe a conversa. Sim, os instrumentos conversam entre si – e a música nada mais é do que uma grande reunião. Mas uma conversa ordenada – e o improviso é também ordenado. Aí é que entra a harmonia, que se compreendida de forma simples, nada mais é (reducionismo, sic) do que todos os falantes da conversa se comunicando no mesmo idioma. Aí todos se entendem e então a comunicação se torna possível. Aí depois que você entender o que cada um ali está falando pro outro, é simples, você junta tudo e têm uma música. Isso faz sentido. Enquanto escrevo estou ouvindo “One For Daddy-O”, faixa 4 do disco “Somethin´Else” de Cannonball Adderley. Nessa música fica muito claro que o fio condutor é a chamada “cozinha” (Baixo – Sam Jones e Bateria – Art Blakey). Daibem explica que o pratinho da bateria sempre fica ali – de fato, e o baixo acompanhando. Eles formam uma cama onde Cannonball no seu Sax Alto ora pergunta e ora responde ao Trompete de Miles Davis. Básico, perguntas nunca são iguais as respostas – então é óbvio que o som que um fará pro outro será diferente, porém não sem sentido. Quando você ouve de qualquer jeito, você não percebe as sutilezas.

alt

 

Eu sempre digo, “As pessoas são todas iguais, exceto nos detalhes”, como música é assim também, são os detalhes que fazem a diferença. Quando se ouve apressado, você nem nota o quão diferentes são os timbres de um Sax Alto e de um Trompete e não consegue apontar na música quando é um e quando é outro. O trabalho de Daibem é como o de um físico de partículas ou um físico quântico – enquanto os físicos clássicos se ocupam da grande matéria, esses se ocupam da estrutura ínfima. Essa arqueologia facilita o processo de entendimento, entretanto é a forma como Daibem explica que faz com que entendamos. Esse método “Daibemniano” não se aplica só ao Jazz não – experimente-o no rock ou no samba que fará o mesmo efeito. Aliás, ele explica que o Samba e o Jazz são idiomas muito parecidos e com a mesma origem (África), ele brinca: “os navios só foram pros lugares diferentes” – ou seja, a mesma forma como se compreende uma, se compreende a outra. E se entendendo ao menos um pouco os dois, se chega a Bossa Nova – que é uma fusão dos dois gêneros. Frank Zappa também fundiu Jazz com Rock – e é possível entendê-lo através desse processo. É básico – se toda música é uma conversa entre instrumentos e toda música é tocada com instrumentos, então se entendendo as partes se compreende o todo. Daibem dá a dica: ao invés de começar ouvindo elucubrações avançadíssimas de um John Coltrane ou de um Charlie Parker, começa do começo (sic) – Big Bands como a de Count Basie ou trios de jazz. Se for no rock, os primórdios, antes de partir em viagens mais ousadas com Pink Floyd ou King Crimson. Lembre-se a vida evoluiu de organismos simples. Acredito que após entender melhor a música a apreciação da mesma também melhorará, e isso vale para tudo. Aos interessados, clique no site: www.territorioeldorado.limao.com.br – e vá ao link programas, lá clique em “sala dos professores” e confira as maravilhosas aulas do professor Daniel Daibem.

 

 

 

 

 

 

About the author

Marlon Marques Da Silva

Humano, falho, cético e apenas tentando... Sou tio, fã de Engenheiros do Hawaii, torço pro Santos F.C. e não me iludo com políticos e religiosos e qualquer discurso de salvação. Estudei História, Filosofia, Arte, Política, Teologia e mais um monte de coisas. Tenho minha opinião e embora possa mudar, costumo ser aguerrido (muito) sobre ela e geralmente costumo ir na contra-mão da doxa.