Música Mais By Marlon Marques Da Silva / Share 0 Tweet Há algum tempo atrás Katy Perry criticou Lady Gaga pelo uso que essa faz da religião para obter sucesso em sua carreira musical. Katy disse que tais mundos não se misturam. Mas em tempos em que até o papa grava canções de natal – é nítido que religião e música se misturam sim. Não se estendendo, mas louvores e cânticos permeiam culturas religiosas desde a antiguidade, sem contar os mantras hindus e budistas, os salmos hebraicos e o canto gregoriano. Porém há uma grande diferença entre essa produção musical religiosa e a de hoje – a ideia comercial. Veja como não é para pensar: caso houvesse na Idade Média mercado consumidor e dinheiro como hoje – dada a pressão e a influência da religião na vida das pessoas, a Igreja teria se tornado muito mais rica do que foi com a venda de indulgências. O fenômeno dos padres cantores e o boom evangélico, arrebatam (literalmente) um fatia de mercado muitíssimo considerável. Mas o Gospel sempre foi um estilo musical marginal. Marginal no sentido de nunca ter arrebanhado as massas – nem nos Estados Unidos e nem em outros lugares (vide Brasil), logo, os cantores gospel ficam limitados a um nicho de mercado muito específico. Katy Perry nasceu Katy Elizabeth Hudson, filha de pastores evangélicos (e apocalípticos), tradicionais. Logo Katy foi criada num meio muito rígido, onde não podia ter contato com as coisas mundanas, porém desde cedo já tinha propensão para o mundo artístico. Cantava no coro da igreja desde criança, mas o contato que tinha com o mundo “exterior” (pouco) a seduzia também. Algumas igrejas não conseguiram compreender a mudança dos tempos, dos valores e das mentalidades – principalmente das novas gerações. No momento que a igreja se mantinha a mesma, seu corpo (os membros), principalmente os jovens, começaram a se desinteressar. O mundo tornou-se muito mais atrativo, com muito mais possibilidades, e isso funcionou com um canto de sereia para esvaziar os bancos das igrejas. Katy Perry é fruto desse processo de renovação de mentalidade e estagnação das igrejas. Após gravar um disco gospel em 2001 ainda como Katy Hudson sem sucesso, viu que a saída era secular. Os muitos anos de repressão e culpa, modelaram a estrela pop sexy do momento. Katy hoje tornou-se milionária graças a canções sobre sexo, baladas e comportamento desregrado – tudo o contrário do que sua religião a ensinou. Mas embora Katy não cante temas religiosos, ela continua vinculada a igreja. Não posso afirmar, mas será que ela não contribui com doações e dízimos a sua congregação? Na onda da “teologia da prosperidade” – o enriquecimento via trabalho (Ética protestante e o espírito do capitalismo) não é mau visto, pelo contrário. Katy saiu do sagrado para profano. Katy Perry têm sua posição muito clara de não misturar as coisas, mas indiretamente, o componente religioso ajuda a substanciar sua carreira. Disse Katy: “quando você coloca sexo e espiritualidade na mesma garrafa e mistura, coisas ruins acontecem. Sim, eu disse que beijei uma garota, mas não que fiz isso enquanto me masturbava com um crucifixo”. Mas é óbvio que gera nas pessoas curiosidade o fato de uma garota criada na igreja tradicional, cantar suas desventuras sexuais e usar modelitos sensuais. Katy vende muito por sua beleza, por seu talento pop, mas também vende por essa combinação explosiva entre sexo e religião. Madonna emulou a virgem Maria e ganhou o mundo (e o ódio católico), e voltou aos holofotes por estudar num centro de Cabala. Lady Gaga chocou o mundo com seu belo vídeo para Alejandro, e é claro que é muito mais marketing do que convicção (religiosa ou anti-religiosa). E quando o sagrado atrai mais do que o profano? Talvez o caso mais extremo de todos é o de Cat Stevens, que renunciou a sua carreira de sucesso para se converter ao Islã, mudando seu nome para Yusuf Islam. Até o Bob Dylan gravou discos gospel (“Slow Train Coming” 1979, “Saved” 1980 e “Shot of Love” 1981). Mas é interessante o que aconteceu com Roberto Carlos. As forças do tempo também agiram sobre o “rei” – porém de uma forma diferente. Roberto Carlos era um rebelde. O grande expoente da Jovem Guarda, cantava músicas que exaltavam um estilo de vida irresponsável, regado a mulheres e carrões. Guardadas as devidas proporções, Roberto Carlos causava a mesma histeria nas jovens da época que Elvis Presley e os Beatles. Não havia nenhum ligação entre ele a igreja, inclusive o primeiro grande contato que tiveram fora por causa de uma canção. A igreja não gostou de “Quero que vá tudo pro inferno”, por motivos óbvios. Na canção, Roberto Carlos subestima o céu dizendo: “de que vale o céu azul, e o sol sempre a brilhar, se você não vêm e eu estou a te esperar”, ou seja, sem a amada o céu não vale nada e até ele que vá para o inferno. A igreja então pediu retratações, e aí começa a parceria entre Roberto e a religião: “eu te darei o céu me bem, e o meu amor também”. Antes desse processo se concretizar, Roberto passou pela soul music de Tim Maia nos anos 70, por canções românticas na virada das décadas e por canções de caminhoneiro nos anos 80, e embora canções como “Jesus Cristo” e “Todos estão surdos” datem dos anos setenta, é a partir da segunda metade dos anos oitenta que ele passa a ser ligado (pelo público e crítica) a religião. E veja o processo se concretizando – as mulheres que eram jovens e rebeldes nos anos 60, continuaram sendo seu público nos anos 90, só que agora senhoras de cinqüenta e sessenta anos e altamente religiosas. Devido ao declínio natural a que todo artista passa, Roberto Carlos passou a perder público secular, se mantendo com o público religioso e mais velho (que apreciam tanto suas canções religiosas quanto românticas, muitas delas bregas). Roberto Carlos saiu do profano para o sagrado. Foi até abençoado pelo papa João Paulo II em 1997. Da mesma forma que apontei em Lady Gaga, muito dessa migração de Roberto Carlos e Katy Perry se deu por motivos outros que não por convicção exclusiva. É claro que Katy mantém sua crença e Roberto se converteu verdadeiramente, mas daí atribuir apenas a isso suas migrações é até ingênuo de nossa parte. O mercado os atraiu. Tanto o mercado profano quanto o mercado sagrado. Ambos perderam espaço em seus mercados originais e viram na troca de dimensão uma saída para suas carreiras. É claro, Roberto Carlos já tinha uma carreira consolidada há décadas, e Katy estava começando, mas o “up” é inegável em ambos os casos. Porém Katy Perry irá passar pelo mesmo processo de declínio ao qual passou Roberto Carlos e muitos (se não todos) outros artistas. E se me permitem fazer uma aposta, quando isso acontecer, Perry voltará às origens e voltará também a ser Hudson, gravando música gospel ancorada a seu antigo nome e fama. É uma aposta arriscada, mas é possível, já que sempre alerto aqui sobre a letalidade da competição da indústria fonográfica. Já o Roberto Carlos sempre recorre a sua vida profana – com coletâneas ou regravações de sucessos antigos, exceto a famigerada “Quero que vá tudo pro inferno”, que há anos ele não canta, por razões óbvias. A religião sendo um elemento importante na vida das pessoas, é claro que será usada para fins comerciais e mercadológicos, afinal, o capitalismo já dura 9 séculos justamente por sua capacidade de entender mudanças, captar tendências e atender anseios – goste dele ou não, mas isso é inegável.