Música Mais By Marlon Marques Da Silva / Share 0 Tweet Crítica é observação stricto sensu. Além disso, crítica é opinião, mas é acima de tudo, bom senso. Entretanto, o que falta para muitos críticos é dar subsídios didáticos aos leitores. No sentido de informá-los de que não existe verdade absoluta, de que tudo é relativo e que a crítica serve para apurar o olhar do expectador, ouvinte ou leitor. É através dessa depuração dos sentidos que o sujeito irá com seus próprios meios julgar o objeto de apreciação. E é sobre esse relativismo das coisas que vou falar aqui nesse artigo. Dentro do mundo jornalístico, certas publicações tornaram-se referências de credibilidade e parâmetro. Então é muito comum a confiança dos leitores em certos veículos, tomando-os como verdades absolutas e incontestáveis. Talvez seja daí que jargões como, “deu no New York Times” surgiram, ou seja, se a notícia saiu nesse jornal pode confiar. A revista Showbizz em 1995 publicou uma matéria intitulada: “Os piores discos do mundo”. Em todas as épocas essa revista sempre foi a nossa grande fonte de informação e crítica de rock e de toda música pop. Muito por conta da qualidade dos críticos da revista, criou-se um certo “deu na Showbizz”, dando uma aura de incontestabilidade das idéias da revista. No prólogo escrito por Celso Pucci, constam os critérios de escolha da lista, sendo um deles: “um daqueles discos que dão raiva”.[1] Dia desses ao ler um artigo de Kid Vinil, o mesmo fez referência a essa matéria da Showbizz, do qual fez parte do júri. Por conta dessa lembrança, resolvi reler a matéria e reavaliar com o distanciamento do tempo os discos ali citados. Dentre os 25 selecionados, em décimo terceiro estava “Rain Dogs” de Tom Waits. Logo minha memória lembrou-me que esse mesmo disco estava incluído no livro 1001 discos para ouvir antes de morrer organizado por Robert Dimery. Como um mesmo disco pode ser considerado indispensável por uns e dispensável para outros? Fiquei pensando nisso e resolvi ouvir melhor o disco para ver qual seria minha opinião sobre. De antemão (como eu não me recordava do disco) eu não podia considerá-lo bom pela opinião do livro e nem ruim pela opinião da revista [ponto de atenção], eu precisava avaliar. É claro que entra aí questões de gosto, peculiaridades e expectativas não cumpridas, a dizer, frustração, entre outras coisas. Tow Waits é sempre uma audição difícil. Seu som eu diria, é impopular. Não é um artista comentado pela grande mídia, não se vê ninguém com camisetas escrito seu nome e com fotos de seus álbuns, suas músicas não tocam nas rádios. Tom Waits faz parte de uma família de grandes compositores, o depredando.blogspot, o coloca junto de Neil Young, Leonard Cohen e Nick Cave, e nada é mais acertado [entre outros]. Sua música é altamente sofisticada, e “Rain Dogs” prova isso. A ambigüidade das opiniões se dá por dois motivos muitas vezes, ou pela não-compreensão ou pela não-apreciação do tipo de música. Em “Rain Dogs”, Tom Waits dialoga tanto com a literatura de Bukowski, pela marginalidade, quanto com o universo de Kurt Weill e Brecht, do qual interpreta algumas canções. Ouvindo o disco, a impressão que se tem é de uma volta aos anos 20, numa atmosfera de filme noir. Instrumentalmente, não há o que achar defeito, tanto que a matéria da Showbizz não toca nesse assunto, apenas chama o disco de esnobe: “dá para imaginar um alto executivo chegando em casa, servindo-se de um scotch doze anos e colocando um Mini-Disc de Rain Dogs em seu aparelho de última linha”.[2] Não entendi a relação entre esnobismo, sofisticação e alta burguesia? Como se essa classe ouvisse Waits, que faz um som urbano, cheio de metais lamentosos, onde prostitutas sujas e cortiços de quinta categoria desfilam num mundo evocando Oliver Twist [esqueça aqui o século em questão]. A faixa de número onze, “Midtown”, dá essa pista. É um jazz quase épico, porém diferente e muito agradável, que na verdade dá a tona do disco como um todo. Sofisticação sim, mas honesta. Waits canta, rouca e gravemente, e se sai bem muitas vezes, principalmente em “Clap Hands” e “Big Black Mariah”, essa um blues pomposo. O disco é ambíguo também, pois se divide em momentos ensolarados como “Blind Love” e chuvosos como “Downtown Train”. “Rain Dogs” é definitivamente um disco para quem têm gosto apurado – muito diferente de ser esnobe ou de qualquer relação de classes [o Marxismo não entra aqui]. “É uma coleção de músicas sobre a vida nas margens mais extremas da sociedade”, diz Will Fulford-Jones em resenha do disco para o livro 1001 discos[3]. Isso se choca diretamente com a visão da revista brasileira, pois como uma música pode ser burguesa, se retrata um submundo que os burgueses querem se ver longe? Isso deve ser por conta dos metais e do piano, sendo essa uma visão um tanto simplória da música. Jazz é visto como esnobe porque as pessoas não entendem a música, e mesmo não sendo músico é possível entender, desde quê se esforce e se informe, mas principalmente ouça jazz, sinta a música. É essa a minha recomendação em relação a “Rain Dogs”, ouça o disco. A impopularidade de Tom Waits, e em específico a antipatia da revista por “Rain Dogs”, se dá pela sua pluralidade. Gostamos sempre das mesmas coisas, e quando as bandas mudam a fórmula, o público reclama pois sempre espera o mesmo. “Rain Dogs” é plural: “músicas com percussões barulhentas, buzinas, pianos de bar, guitarras irrequietas, acordeões, órgãos e banjos”.[4] Quando se adiciona no purismo rock n´roll instrumentos de fora desse universo, público e crítica esbravejam e dizem que isso não é rock. Veja o caso do Pogues, quem fala deles hoje? Agora veremos algumas opiniões acerca do disco. “Maravilhoso, melancólico e profundo, um dos mais belos trabalhos de Tom Waits, um trabalho que vale a pena escutar”, disse o closedownmusic.wordpress.com. O freshfishfilet.blogspot.com diz: “A maioria das músicas desse álbum é genial, mas vou ter que destacar uma em especial, que é uma de minhas preferidas de todos os tempos: Tango till they´re sore”. Depois dessas opiniões resta apenas o consolo da audição, o mesmo consolo do abraço debochado da capa do disco. Para não ficarmos estancados em conceitos fechados como “certo” e “errado”, digo então que a seleção da Showbizz é no mínimo equivocada ao incluir “Rain Dogs”, um álbum ótimo, de bom gosto e presente em “praticamente todas as listas publicadas pela imprensa com os melhores discos dos anos 80”.[5] ________________________________________ [1] PUCCI, Celso. Os piores discos do mundo. Showbizz. São Paulo, n. 6, p. 33, junho. 1995. [2] PUCCI, Celso. Ibidem. p. 34. [3] FULFORD-JONES, Will. Tom Waits – Rain Dogs. In: DIMERY, Robert. 1001 Discos para ouvir antes de morrer. Rio de Janeiro: Sextante, 2007. p. 540. [4] Idem. [5] FULLFORD-JONES, Will. Ibidem. p. 540. [Photograph by Anders Petersen]