Música Mais By Marlon Marques Da Silva / Share 0 Tweet O “gosto” é, foi e sempre será um tema espinhoso e um terreno muito pantanoso e escorregadio. É fácil cair no senso comum, fazer generalizações, dar opinião, apontar preferências, mas admitamos, é um tema fascinante e convidativo. Eu acabei meu artigo “Som, Ruído e Música” – publicado aqui em 19.10.2010, dizendo: “Gosto não se discute, porém numa arqueologia do gosto, concluo que se respeita o do outro, porém se admite que há gostos inferiores e gostos superiores”, ou seja, esse trecho admite uma hierarquia do gosto. Mas é estranho tudo isso. Uma vez que há muita subjetividade envolvida nesses processos – por exemplo, se “gosto” está relacionado com prazer, sempre iremos esbarrar na questão de algo te da mais ou menos prazer – mas só que isso é para você e não necessariamente em todos os casos. É o mesmo reducionismo que eu critico na psicologia. Não podemos relacionar que todos os filhos de pais separados serão homicidas – é mais correto dizer que há incidência em muitos casos, mas nunca em todos e essa não pode ser uma padronização. Então o gosto é subjetivo, depende da experiência de cada um, isso a julgar meramente pela sensação. Analisando música de um ponto de vista mais funcionalista, e enquadrando-a num aspecto mais amplo, talvez possamos usar critérios de relevância, assim como se apurarmos pelas questões especificamente técnicas. Só que somos humanos. Dificilmente iremos racionalizar na hora de nos referirmos ao gosto do outro. Essa condição humana – a que chamamos egocentrismo, irá fazer com que coloquemos nosso gosto sempre na frente do gosto do outro, aliás, a denominação o “outro” já soa extremamente impessoal. Até no meio crítico vejo considerações no mínimo imprudentes, como chamar o gosto do outro de “duvidoso”. Aliás, qual é a dúvida? Eu especulo que a dúvida seja no sentido de imaginar como alguém pode gostar “daquilo”. E convenhamos, esse “daquilo” também é bem pejorativo. É claro, assumir um gosto necessita de personalidade, pois quando se está ligado a um grupo, se deve ouvir o que o grupo ouve – mesmo que você goste de outras coisas, não soa bem perante o grupo admitir isso. A primeira vista não combina ter no Ipod um Job for a cowboy e um Elton John – mas numa segunda vista eu pergunto, e daí? Não admitir isso é o mesmo que não admitir que há tipos de música para ocasiões e momentos distintos. Sei lá, como eu também analiso a coisa pelo seu viés mercadológico – para o Job for a cowboy não interessa muito se alguém só curte o som deles ou se ouve Roxette também, o que no fundo todos querem é vender – seja o disco, seja o show (e obviamente faturar). Sou a favor de que se ouça um pouco de tudo, principalmente se lhe agradar. Em última instância quem decide é você – e o critério quem decide também é você, aí voltamos a estaca zero, na minha opinião eu ganho mais ouvindo uma ópera do Verdi do que ouvindo um bonde de funk – mas nada impede alguém de ouvir, afinal, isso faz parte da dimensão pessoal de cada um. Informalmente conversando com algumas pessoas, as fiz admitir certos gostos que o “senso comum” ridiculariza. Se dividirmos a sociedade, teremos sempre a “minoria” e a “maioria” – então, se surgir uma banda ou uma música se tornar hit, é comum que ou caia no gosto da maioria ou ao menos poucos gostem, mas dificilmente haverá ignorância. O senso comum (a maioria) impõe regras, jeitos, modos, gostos – logo, quando não se caminha na direção da maioria, você se marginaliza, e automaticamente seu gosto torna-se duvidoso. Como não nos despimos de nossos preconceitos e egocentrismo, se você é alguém que ouve Miles Davis, certamente irá estranhar uma música com um verso: “no hospital, na sala de cirurgia, pela vidraça eu via, você sofrendo a sorrir” (Amado Batista). Isso para o ouvinte de jazz soa duvidoso. Para alguém que ouve brega (não todos) o jazz não faz sentido algum, ou para pagodeiros (não todos), música erudita é coisa de gente rica (sic) – logo, a dúvida (do gosto duvidoso) se dá dos dois lados. O que essas pessoas com quem eu conversei confessaram? Que acham a música “Um anjo veio me falar” do grupo Rouge, linda. Aqueles versos podem não tocar a todos (a maioria), mas toca a algumas pessoas. Aí você torce o nariz e diz: – Rouge! É. E não se trata de gostar do grupo, eles gostam da música, mas mesmo se gostassem do grupo. Citaram “É o amor” de Zezé di Camargo e Luciano. Duvidoso para alguns, para outros uma bela música. Um deles até cantou um trecho: “e fez eu entender que a vida é nada sem você” – dizendo que marcou uma história de amor. É um sertanejo brega – há quem diga que canções de amor são sempre bregas, mas há quem goste. Eu pessoalmente não gosto nem de uma e nem da outra canção, para mim pode ser duvidoso, pois eu não gosto, não me desperta nada, mas e para eles? Muitos conhecidos meus adoram CSS (Cansei de ser sexy), outros adoram Bonde do rolê – é uma música trash, estranha, mas que agrada inclusive aos gringos. Criamos padrões que norteiam nossa vida e definem desde autores de literatura, sapatos, pratos de comida e a pessoa amada. Na música também é assim, determinamos o que nos agrada e que nos desagrada – e buscamos sempre similaridades, tons e acordes que nos remetam ao nosso “gosto” – isso explica a aversão que muitos temos pelo novo. Os entrevistados também citaram “Meu bem” da banda Catedral e “Esperando na janela” do Cogumelo Plutão – duas músicas de FM de fim de tarde, mas que a eles agradam. Aí você as ouve, se agrada, mas não confessa. E porque? Simples, porque não soa bem perante o seu grupo dizer que você gosta “disso” (sic). E o que dizer de Zéu Britto e Rogério Skylab? Que cantam coisas malditas, palavrões e verdades doídas! E veja como é estranho, a mim me agrada: “eu quero ver Soraya queimada, porque Soraya me queimou” (Zéu Britto), entre outras canções dele e de Skylab. Há quem aponte para eles como aberrações, como anti-música, como extremamente duvidosos. O deles pode ser classificado como duvidoso, o meu não, o meu é bom. Então é realmente paradoxal, e pensando melhor, não há isso de duvidoso, pois se trabalharmos com conceitos de totalidade, algo só é ruim se for considerado ruim por todos, pois enquanto alguém achar o contrário, esse algo também será bom. Embora eu ainda considere certas coisas ruins – entre elas funk e sertanejo universitário, concluo que é ruim para mim e nada me dá direito de desqualificar o gosto dos outros, embora eu possa (mas não devo). Então após analisar bem, pode até haver uma hierarquia do gosto – porém ela é pessoal e não universal. Eu posso na minha dimensão pessoal definir o que para mim é bom e o que é ruim, é diferente dos conceitos de certo e errado porque aí eles extrapolam a questão da pessoalidade. Por isso sou contra as imposições da indústria, da mídia, da imprensa musical, e considero que o papel do crítico não é dizer o que é bom e ruim, mas sim dar condições ao ouvinte de fazer ele mesmo sua avaliação. Como é o seu gosto – é duvidoso, ou duvidoso é só o dos outros.