Editorial By Rafael Reinehr / Share 0 Tweet A história da humanidade já passou por momentos de trevas e de iluminação. Intolerância religiosa, guerras de 100 anos, Holocausto, cientificismo, totalitarismo… Muitas marcas ainda estão presentes em algumas culturas nos dias de hoje, e nos afetam, mesmo que indiretamente. Passamos por séculos em que a produção do conhecimento era realizada em laboratórios ou centros de estudo fisicamente determinados. Recentemente, o desenvolvimento da computação possibilitou a criação de uma rede de computadores mundialmente interconectados que oferecem sua capacidade de cálculo não utilizada para centros de pesquisa que realizam cálculos complexos, que mesmo realizados em supercomputadores levariam anos para serem realizados. Ferramentas como a Wikipedia e outras “wikis” e assemelhados possibilitam a produção conjunta de conhecimento. Grupos de interesse comum podem realizar um trabalho que, feito de forma isolada, levaria muito mais tempo e utilizaria muito mais indivíduos. O que falta, então, para que este tipo de “Agendas ou Tarefas Compartilhadas” passem a ser mais frequentemente utilizadas? A questão não tem uma resposta simples. Vamos imaginar uma tarefa que pode ser produzida em conjunto, por exemplo, a criação de um site educativo sobre reciclagem e uso sustentável dos recursos urbanos. Levando em conta a utilidade desta ferramenta e a sua forma de utilização, podemos depreender que não seria necessário mais do que um site deste tipo para educar crianças e cidadãos em geral. Entretanto, várias ONGs e Fundações vinculadas à causa ambiental produzem suas recomendações, folders, cartazes e outros materiais educativos. Para produzirem estes materiais, envolvem quantidades variáveis de pessoas, que se reúnem em locais físicos distintos, em numerosas ONGs em diferentes estados do país, utilizando verba própria arrecadada para tais fins, utilizando um determinado volume de tempo desde a primeira reunião até finalmente disponibilizar o material pronto para o “consumo” de seu público. Tal atitude seria justificável em um mundo competitivo, capitalista, onde as decisões de uma empresa são guardadas a sete chaves para evitar que a concorrência tome a frente do mercado. Entretanto, no mundo da colaboração, em que as ideias, modelos e ferramentas não são feitas para gerar capital privado e sim capital social, porque ainda existe dificuldade, neste mundo interconectado, em realizar ações conjuntas, integração global de iniciativas locais? Apesar de imaginar que um dos motivos para tanto possa ser o desejo de “autoria” da ação, ou um posicionamento egóico dos participantes de cada iniciativa, acredito que tal motivo hoje seja menos importante – ao menos em iniciativas de cunho altruísta ou solidárias (talvez mais nas de cunho científico ou filosófico) – do que a própria falta de organização e contato com outras iniciativas afins. E como começar a mudar isso? Pois bem, as ferramentas estão aí à nossa disposição. Precisamos agora de mediadores, pessoas que possam comunicar, dentro de sua área de interesse e atuação aos demais atores dentro de seu respectivo campo acerca das possibilidades de trabalho conjunto. É muito importante observar que esta proposta não levará ao engessamento dos grupos de trabalho, pelo contrário: dividindo tarefas e realizando-as em conjunto, sobra ainda mais tempo para que se realizem outras e novas ações dentro da área de interesse. Como, nesta nova Era, as tarefas não serão designadas por obrigação, mas por genuíno desejo das partes interessadas, aqueles que apresentarem tesão por determinada tarefa apresentada ao conjunto irão se engajar e trabalhar. Os demais, irão propor novas tarefas ou engajar-se em outras atividades propostas. Talvez esteja difícil de imaginar esta “Nova Era das Tarefas Compartilhadas”. Vou tentar exemplificar. Recentemente lançamos uma iniciativa chamada Coolmeia, Ideias em Cooperação. Uma incubadora de ideias altruístas estruturada em rede, sem hierarquia ou comando. Todos podem publicar assuntos de acordo com as áreas de interesse da Coolmeia, todos podem publicar tarefas, elaborar ou divulgar ferramentas, modelos e notícias sobre os assuntos afins. Nesta semana, solicitei permissão para a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) para reproduzir em português um belíssimo website por eles desenvolvido. O website é riquíssimo como ferramenta educativa para conhecimentos sobre reciclagem e sustentabilidade urbanas, como havia citado acima. Porque não, então, utilizar uma ferramenta já disponível e vertê-la para o português, e assim compartilhar com as crianças e cidadãos brasileiros e de língua portuguesa? Permissão do EPA concedida, criei uma Tarefa Coletiva (ou Compartilhada) na Coolmeia, convocando a todos com bom conhecimento de inglês que participassem da tradução do site, com o objetivo de oferecer aqui também esta ferramenta educativa. Publiquei as 105 páginas que necessitam de tradução e fiz o convite aos 158 membros atuais da Coolmeia nesta sexta-feira. O resultado desta experiência só o tempo irá dizer. O sucesso absoluto é exemplificado por comunidades como as que se congregam em volta do Linux, por exemplo. Uma postagem em um fórum de linux garante uma resposta por parte de algum membro não importa em qual horário, até mesmo no meio da madrugada. Em grupos menos coesos – ou com interesses mais frouxos, como é o caso da Coolmeia, por enquanto – as respostas podem esperar um lag de dias a semanas, e por vezes acabam caindo no esquecimento junto com os projetos ou tarefas propostas. Minha expectativa é de que precisa-se de um número de pessoas pelo menos 100 vezes maior do que o necessário em encontros físicos para geral alguma mobilização significativa, já que somente cerca de 1% ou menos das pessoas que se envolvem em projetos virtuais (mesmo por interesse próprio) são realmente ativas e partem prontamente para ação quando convocadas. As demais quedam-se a prioridades intermináveis que são colocadas à frente de qualquer ação que as faça sair da rotina e do cotidianamente esperado. É a velha necessidade de conforto e inércia do ser humano, em contraste à noção do “tudo muda” heraclitiana. Se de fato entraremos nesta “Era das Tarefas Compartilhadas”, o tempo nos irá contar. Enquanto isso, aqueles que acreditam nesta possibilidade seguem em frente, sem cansaço capaz de fazê-los parar ou mesmo reduzir seu ritmo constante rumo ao horizonte que visualizam. Este texto é também uma homenagem a Paul Hawken, irmão gêmeo espiritual e autor, entre outros, de “Blessed Unrest – How the Largest Movement in the World Came into Being and Why No One Saw it Coming”. Rafael Reinehr