Combater a homofobia e defender os direitos dos homossexuais: um desafio para o Brasil

Com as várias notícias recentes de violência contra homossexuais, ficou patente que a homofobia é um problema sério no Brasil.

Isso fica ainda muito mais grave se pensarmos que o poder público vem se omitindo gravemente em relação à questão. Existe um projeto de lei já aprovado na Câmara dos Deputados. O projeto surgiu por iniciativa da deputada Iara Bernardi, do PT-SP, em 2001, durante seu primeiro mandato na casa. As informações sobre a tramitação no site da Câmara indicam que o projeto levou 5 anos para ser aprovado, sendo remetido ao Senado Federal em 2006.

Este é o teor do projeto que saiu da Câmara para o Senado (abre página de download do pdf).

Basicamente o projeto altera o teor do Código Penal e da CLT no assunto sobre punição à discriminação, incluindo o assunto “discriminação por gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero”, junto às questões já tratadas na lei com respeito a discriminação por “raça, cor, etnia, religião, procedência nacional”.

No Senado, o projeto encontra-se atualmente tramitando nas comissões de Assuntos Sociais, Direitos Humanos e Legislação Participativa, e Constituição Justiça e Cidadania. Veja aqui a página de tramitação do projeto.

Nesse meio tempo, o projeto sofreu pressão de líderes religiosos no período eleitoral, misturando demagogia e má-fé, confundindo o eleitor e usando indevidamente o nome de Deus para defender interesses escusos, como bem demonstrei à época em artigo sobre o vídeo do Pastor Pascoal Piragine, da Primeira Igreja Batista de Curitiba.

Não bastasse a demora e as disputas em torno da discussão dessa legislação, a coisa foi complicando à medida em que a Câmara Municipal de São Paulo decidiu polemizar propondo a aprovação de um “dia do orgulho Heterossexual”, projeto de autoria do vereador Carlos Apolinário (DEM). É uma coisa que, de tão ridícula, sequer mereceria comentário. Entretanto, podemos perceber que deixar isso pra lá pode ser perigoso, à medida em que a desinformação das pessoas pode ser usada como arma na disputa política. Daí a importância do texto que escreveu o Ulisses Adirt à época, ou os esclarecimentos de Lola Aronovich, ou ainda a militância de uma advogada lésbica de Belo Horizonte que escreve sob o nick name de Inquietudine.

Nesse meio tempo, enquanto Câmara e Senado arrastam o máximo possível a aprovação de matéria fundamental, enquanto pastores fazem demagogia política, enquanto vereadores tentam defender os coitadinhos dos héteros “perseguidos” pela “ameaça gay”, ao menos o STF vai criando jurisprudência quando provocado, como foi o caso que já celebrei aqui neste editorial. Quando consultado pela Procuradoria Geral da República, nosso tribunal maior definiu que os direitos da união estável são extensivos aos homossexuais.

Outra iniciativa muito importante em tratar da questão veio com uma série de textos no Coletivo Amálgama, num trabalho editorial do Fabiano Camilo, colega aqui nos editoriais e com blog no OPS, além do editor do Amálgama, Daniel Lopes, que também tem blog no OPS. A série completa tem seis artigos, que merecem ser lidos com atenção:

As entranhas da homofobia

Texto no qual Bia Cardoso coloca a questão da dominação masculina e das hierarquias de gênero como ponto principal e gerar a violência contra mulheres e contra homossexuais. Veja um trecho:

Aos “verdadeiros” homens, aqueles que mostram em tudo e sobretudo uma imagem e comportamentos considerados viris, são dados os privilégios da honra, do poder, da colocação das mulheres ou de homossexuais efeminados à disposição doméstica e sexual. Além do direito a realizar agressões e violências.

Casamento e homofobia

Texto do jurista Pádua Fernandes, analisando a teoria jurídica (ou falta dela) que serve de base à manutenção da exclusividade do casamento para heterossexuais. Um trecho:

Em países teocráticos, esse instituto simplesmente não existe. Porém, nos países que desenvolveram essa importante conquista para a pluralidade, o casamento civil, os argumentos para mantê-lo como privilégio de casais de sexo diferente encontram dificuldade de esconder sua origem em preconceitos religiosos – e, portanto, contrários ao espírito do direito de uma sociedade em que Estado e religião estão separados.

Homofobia e transexualidade

Marcelo Caetano e Xênia Mello discorrem sobre a complexidade das identidades de gênero e sobre as dificuldades encontradas por quem constrói uma identidade na contramão das identidades hegemônicas.

Porque os cristãos devem defender os direitos dos homossexuais

Texto meu, tentando explicar porque a intolerância contra os homossexuais não encontra fundamento na teologia cristã, sendo um preconceito que deveria ser combatido e não incentivado pelas igrejas.

Homofobia e universo “psi”

Texto do Ricardo Cabral com uma profunda análise das discussões técnicas sobre homofobia no universo da psicologia, onde o termo surgiu, mas encontra problemas e limitações conceituais nada desprezíveis.Veja este interessante trecho comentando sobre a retirada da homossexualidade dos manuais de doenças e distúrbios das áreas de medicina e psicologia (coisa dos últimos 10 a 30 anos):

Em função desses eventos, o atual discurso da psiquiatria, da psicologia e da psicanálise até que anda afinado, embora infelizmente ainda seja comum encontrar profissionais dessas áreas com posturas patologizantes, o que só confirma o longo caminho a percorrer até o universo “psi” se tornar um bom representante da sociedade mais equânime e justa que precisamos.

Para resumir a história, está ficando claro que a homossexualidade não é doença, a aversão à diversidade de comportamentos sexuais que é. Embora não deva ser tratada apenas como problema individual, mas como uma chaga social, cultural, coletiva.

Este artigo também traz bibliografia, o que é muito útil a quem quiser pesquisar com mais profundidade.

Dominação masculina, homofobia e afetos mutilados

Texto do Fabiano Camilo, citando casos de violência recente em que heterossexuais foram vítimas de atentados violentos por terem sido presumidos como homossexuais, e chamando a atenção para a complexidade do assunto violência contra homossexuais. Corremos o risco de nos tornarmos reféns da pauta da grande mídia, uma vez que o aumento do noticiário vem chamando a atenção para estes casos. Trecho:

Como nossa atenção é atraída não tanto por dados estatísticos de instituições oficiais e órgãos não-governamentais, mas pelos relatos jornalísticos, quando o interesse midiático diminuir, poderemos correr o risco de concluir, erroneamente, que houve uma diminuição da violência.

Numa gigantesca “saída do armário”, para o autor, o aumento da visibilidade da comunidade LGBT em décadas recentes tem provocado reações cada vez mais violentas dos defensores da heteronormatividade.

 

About the author

André Egg

Músico, historiador e crítico. Professor da UNESPAR. Colaborador do PPGHIS-UFPR. Organizador do livro Música, cultura e sociedade. Página pessoal em http://andreegg.org