O teatro das aparências da “democracia liberal representativa” e o caso Decotelli.

(publicado originalmente em : https://mardaliberdade.blogspot.com/2020/07/o-teatro-das-aparencias-da-democracia.html em 1 DE JULHO DE 2020 )

O teatro das aparências da “democracia liberal representativa” e o caso Decotelli.

Salles mentiu em currículo, Weintraub plagiou trechos de trabalhos alheios, Damares mentiu em currículo, Alexandre de Moraes plagiou trabalhos alheios e até Dilma (quando ministra da casa civil do governo Lula) esteve no time dos “currículos ilusórios” quando divulgaram que possuía doutorado, sem na verdade tê-lo concluído (sinto muito, mas lembro bem dessa). Agora o “atual ex ministro” da educação cometeu a mesma reprovável e risível falha.


Algumas pessoas acharam exagerado o tratamento a Decotelli e apontaram em sua cor de pele um motivo para tal. É possível que da parte de alguns sujeitos a situação tenha sido realmente tratada sob a influência deprimente e lamentável do racismo. Mas é preciso lembrar que erros não justificam erros, bem como etnia ou gênero não é álibi para “errar”, mentir ou atacar seus semelhantes (não esqueçam que Decotelli estava credenciando-se para participar do governo do canalha Bolsonaro).


Podemos lembrar alguns casos onde etnia, cor de pele ou gênero, em nada contribuíram para os atores mudarem suas atuações para algo mais positivo:


Obama infelizmente não foi “tão melhor” ou “menos pior” que Trump, embora fosse “simpático” (assim como Decotelli em fotos parece ser “simpático”) . No governo Obama rolou o escândalo da espionagem denunciado por Edward Snowden; o governo Dilma foi espionado; computadores da Petrobras sumiram com dados sobre o pré-sal; a farsa da “Primavera Árabe” ocorreu sob patrocínio dos EUA; Líbia (norte da África) foi bombardeada pelos EUA com apoio da França e Inglaterra, para sugar o petróleo daquele país que hoje está em colapso; a guerra na Síria começou sob influência estadunidense, etc, etc. Obama, talvez, tenha sido razoável em alguns aspectos para os estadunidenses (se comparado a Trump), mas há muitas controvérsias sobre isso e não há dúvidas de que desigualdade e racismo continuaram comuns durante sua gestão nos EUA.


Margaret Thatcher foi uma mulher no comando do Reino Unido, mas, seu governo neoliberal foi truculento contra toda a classe trabalhadora (incluindo mulheres trabalhadoras). Sob seu comando a Inglaterra atacou a Argentina na guerra das Malvinas matando centenas de jovens.


O presidente da Fundação palmares é afrodescendente mas combate o “Movimento Negro”, o mesmo faz Fernando Holiday (DEM-MBL).


Tais exemplos acima nos fazem lembrar que o famoso “lugar de fala” é algo importante, positivo, mas isso quando quem fala tem realmente “conhecimento de causa”, sinceridade condizente com a causa em questão e faz parte da luta do grupo do qual se fala, porém, sem dúvida, um professor especialista em “Antropologia Gênero e Sexualidade” dar uma aula expositiva sobre feminismo ,de forma acadêmica, é preferível se a outra opção for ver a Sara Winter dar uma palestra sobre o assunto, ou ainda, é mais razoável uma professora oriental, honesta, e dedicada ao tema, falar sobre o “Movimento Negro” do que escutar Sérgio Camargo falar sobre a mesma questão.


O machismo e o racismo infectam a cultura da sociedade brasileira bem como toda a Cultura Ocidental, e na verdade o mundo todo, há tempos. É preciso atenção e alerta contra os comportamentos que os preconceitos derivados dessas ideologias deformadas geram, e não há dúvidas de que, no Brasil, o governo Bolsonaro dissemina e fortalece esses comportamentos e visões preconceituosas. Mas não esqueçam que, além das lutas contra essas estúpidas atitudes, há o embate entre classes que muitas vezes se sobrepõe às lutas das “minorias” (as que estão, por sua vez, integradas na luta da classe trabalhadora). Por outro lado, é verdade, também, que o machismo e o racismo podem ultrapassar a condição de classe: uma mulher sofre com o machismo independente de sua classe; obviamente a mulher trabalhadora e pobre sofre mais. Uma pessoa de pele negra pode sofrer racismo mesmo sendo bem abastada economicamente e fazendo parte da classe dita “dominante”.


No capitalismo dificilmente racismo e machismo, serão superados, dado que o sistema acentua a competição entre as pessoas. Tais problemas apenas serão maquiados no capitalismo, sempre de acordo com interesses de lucro. A violência contra “minorias”, e contra a classe trabalhadora, persiste nas sociedades capitalistas, a maior potência capitalista do Ocidente (EUA) é exemplo disso, como casos recentes demonstram, infelizmente. Mas a violência gera também uma situação que incita sentimento de revolta e traz a possibilidade de aproximação entre os que a sofrem, como alternativa de defesa.


Antes da escravidão disseminar-se pelo continente americano, as muitas etnias na África não se reconheciam como “africanos” ou “negros”, demoraram para assumir uma noção de “grupo” na América, e isso se deu como reação à forma como essas pessoas foram tratadas pelos europeus. Visto que os europeus de “pele branca” tratavam a todos os africanos e seus descendentes como “inferiores”, com muita violência física e simbólica; essas pessoas assumiram, então, um “sinal diacrítico” de diferenciação que promoveu a união e soma de forças entre elas para enfrentar os agressores. Assim surge propriamente a motivação para a formação de um Movimento Negro (em um primeiro momento na luta pela abolição da escravidão) e a união entre indivíduos que antes se consideravam diferentes dadas suas origens étnicas, mas que assumem uma identidade comum e se unem pelo “tom ou cor da pele” (o que os diferenciava dos europeus em geral).


Se muitos afrodescendentes sentiram-se ofendidos com a forma como nas “redes sociais” o caso da adulteração de currículo por parte de Decotelli foi tratado, isso sugere a força que a referência ao “grupo” (que se auto-identifica pelo sinal diacrítico da cor da pele) tem no momento, e isso é mais uma nítida consequência da violência física e simbólica ainda muito intensa contra essas pessoas na sociedade brasileira e no continente americano como um todo.


Seria muito positivo se toda a classe trabalhadora conseguisse superar internamente (enquanto classe) o machismo e o racismo (entre outros preconceitos e atitudes reprováveis) e chegasse a um sentimento de unidade, de “grupo”, afirmando-se contra a classe que a explora. Para tal é necessário superar as influências da ideologia da classe dominante disseminada pelo Estado, mídia privada de massa, igrejas.


Voltando à arena política institucional brasileira, é importante lembrar que Bolsonaro manteve Salles, Damares e Weintraub em seus cargos, apesar das mentiras em seus currículos (ou em seus trabalhos acadêmicos no caso de Weintraub) e dispensou Decotelli (ou ele mesmo solicitou dispensa, o que na verdade é a versão “oficial” sobre o caso), talvez pelo momento de crise no país e pressão contra o governo, talvez por terem “pegado pesado demais” nas críticas, talvez por ter entrado no lugar de Weintraub e herdar a raiva que muitos tinham contra o cretino a quem estava substituindo, talvez racismo (algo a se pensar)… O fato é que nada justifica mentir em currículos ainda mais se o sujeito pretende ser ministro de um país, mas, isso é “fichinha” perto do que temos na presidência, pois, não esqueçam que Bolsonaro mente diariamente e já fez apologia da tortura e ditadura, ou seja, é um canalha desprezível, mas está ocupando a cadeira de presidente e, pelo jeito, vai ficar mais um tempo já que ninguém faz nada realmente relevante para derrubar esse patife sabotador.


Não esperem nada positivo desse governo, o objetivo de Bolsonaro e da milicada que o segue é colocar definitivamente o povo brasileiro de joelhos aos interesses estadunidenses. Mantenham-se atentos, voltem atenção à raiz dos problemas. O capitalismo no Brasil acentua o machismo, racismo, a competição entre as pessoas. Cuidado para não caírem nas armadilhas colocadas pela própria Direita para dividir ainda mais as “Esquerdas” já bem “feridas” e sem bússola.


Em uma sociedade capitalista, em país subdesenvolvido e subserviente a interesses estrangeiros, sob os moldes do teatro da “democracia liberal representativa”, a farsa é constante, o jogo de aparências é intenso, manobras de fingimento se repetem, até quando se deseja aparentar conhecimento e status acadêmico para falsamente “enobrecer” o grupo no executivo (e ludibriar o público), mesmo que o conhecimento acadêmico seja desprezado pelo atual governo. Decotelli parecia simpático, mas, não esqueça que entraria no governo infame de Bolsonaro para continuar a prática do programa bolsonarista de desmonte da educação pública no Brasil, o que já afeta a vida de milhões de estudantes da classe trabalhadora (entre esses, muitos de pele negra). Seria muito proveitoso se esse exemplo de ataques a uma farsa de adulteração de currículo fosse usado contra os demais ministros que fizeram o mesmo e ainda estão em seus cargos causando graves danos à população brasileira. Eles foram criticados quando assumiram, mas, ficaram em seus cargos. A pressão não foi a mesma, será? Não aceitaram recuar? Afinal, a pergunta é importante: por qual motivo os outros não caíram? E a essa eu colocaria outra ainda: por qual motivo esse governo de mentiras, farsas e canalhices ainda não caiu!?(Sobre essa última tenho algumas hipóteses, mas essas lhes apresento em outra oportunidade, deixo-os pensando sobre…).


A verdade é que quase tudo é farsa na “democracia liberal representativa” a começar pelo termo “democracia”, visto que os fantoches políticos e partidos que vencem eleições são aqueles patrocinados pela burguesia que depois lucrará com o Estado, o qual controlam indiretamente, impondo seus interesses sobre a multidão iludida.

Paulo Vinícius N. Coelho(Professor de Filosofia e Sociologia; Cientista Social).

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Paulo Vinícius : Professor de Filosofia e Sociologia; Cientista Social.