Share 0 Tweet Sou uma espécie de pensador selvagem, assim no sentido que se fala em capitalismo selvagem. Vou lá, ataco um lado, ataco o outro lado, meu pensamento é um pensamento assistemático, como, aliás, eu acho, é o pensamento criador. Chego, às vezes, a suspeitar que os poetas, os verdadeiros poetas, são uma espécie de erro na programação genética. Aquele produto que saiu com falha, assim, entre dez mil sapatos um sapato saiu meio torto. É aquele sapato que tem consciência da linguagem, porque só o torto é que sabe o que é o direito. Paulo Leminski Um rizoma. Essa é uma boa definição para O Pensador Selvagem. Como Gilles Deleuze e Félix Guattari afirmaram em sua magnífica obra Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia, “Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e… e… e…”. Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio.” E é justamente a isso que nos propomos: permanecer neste meio que não se constitui somente de espaço mas em Caminho, este que leva aqueles que sofrem com todas as forças que os levam a se expressar àqueles sedentos por ouvir o que os primeiros têm a dizer. Vivemos em um mundo que, incansavelmente, sofre sucessivas transformações. Isso acaba por se refletir na forma com que a humanidade apreende o conhecimento e, sem dúvida, ultrapassa de longe as fronteiras da educação formal. Como escreveu Raquel Stela de Sá, na Introdução para o livro Corpos Dóceis, Mentes Vazias, Corações Frios, de Ierecê Rego Beltrão, queremos “contribuir para a constituição de novos indivíduos que venham a pensar e fazer diferentemente do que fazem, modificando as suas próprias maneiras de olhar para as coisas”. Singularidade: eis um dos aspectos essenciais da vida humana. Viver por si próprio, com preceitos fundamentados pelas próprias experiências e pela análise crítica do ambiente ao redor e dos relatos das experiências que chegam a nós. Tão difícil hoje em dia permanecer “singular”, em um mundo em que “verdades e saberes corretivos rotulam e dão sentido aos comportamentos, às atitudes, aos atos, às relações, fabricando o sujeito desejado, de modo que ele corresponda com fidelidade ao padrão de indivíduo de que a sociedade necessita”. Em contraponto à esta sociedade de controle que se impõe, gostamos de acreditar que ainda temos viva a chama de Selvagens Pensadores, capazes de escapar de controles e de formas de domesticação. Em consonância com o pensamento de Edgar Morin, verificamos a possibilidade e a necessidade de um conhecimento polissêmico, que alimenta-se de várias fontes e flui para diversos horizontes. Uma produção sensual e afetiva que mova o humano para dentro de si e também de lá para fora, integrando-o à coletividade. Para aqueles que buscam um consenso, logo avisamos: buscamos um exercício dialético. Neste esforço de melhor compreender e apreender o mundo que nos cerca, devemos levar em consideração as palavras de Werner Heinsenberg: “É bastante provável que na história do pensamento humano os desenvolvimentos mais fecundos ocorram, não raro, naqueles pontos para onde convergem duas linhas diversas de pensamento. Essas linhas talvez possuam raízes em segmentos bastante distintos da cultura humana, em tempos diversos, em diferentes ambientes culturais ou em tradições religiosas distintas. Dessa forma, se realmente chegam a um ponto de encontro – isto é, se chegam a se relacionar mutuamente de tal forma que se verifique uma interação real -, podemos esperar novos e interessantes desenvolvimentos a partir dessa convergência. Como já disse em outro momento, nosso grande desafio é integrar estes segmentos distintos, populares e acadêmicos e colocá-los a conversar, neste ambiente que agora é realidade. E, parafraseando Fernando Pessoa, quando chegarmos ao cansaço de todas as hipóteses, lembremos que o mundo exterior existe como um ator num palco: está lá mas é outra coisa. Sigamos vivendo esse episódio da imaginação a que chamamos realidade. Por fim, esperamos realizar aqui um trabalho que, a cada momento, nos faça sentir que, se tivéssemos outra vida para viver, faríamos sempre igual. Eterno retorno. Um começo. Rafael Reinehr