Hypocrisis By Luiz Afonso Alencastre Escosteguy / Share 0 Tweet Quem já teve a infeliz oportunidade de passar por uma vara judicial de família por certo já percebeu a sutileza do título. Não raras vezes, audiências de separação, mais ainda quando há filhos, tornam-se verdadeiras demonstrações da moral pregada e vivida pelo juiz. Que a tenha e a use na formação do juízo daquilo que consta nos autos, inclusive comportamentos manifestados pelas partes nas audiências, é parte do julgar. Mas daí a que a expresse, como se ao Direito estivesse expressando, vão lá outros quinhentos. Dois recentes casos –só para citar entre os milhares que acontecem todos os dias – dão mostra do quanto juízes extrapolam sua função de dizer o direito para tornarem-se “dizedores” das próprias opniões. O primeiro, e mais recente, saiu hoje na mídia. Tem a ver com o “juiz Marco José Mattos Couto, da 2ª Vara Criminal de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro”, que “arquivou o inquérito policial instaurado para apurar a culpa da atriz Zezé Polessa na morte do motorista Nelson Lopes, 63 anos, que prestava serviço à TV Globo.” (aqui). Na decisão que tomou pelo arquivamento, diz: “Não há nada, absolutamente nada, nos autos que possa incriminar a investigada Maria José de Castro Polessa, sendo certo que se percebe que houve evidente exagero investigatório.” Ora, “sendo certo que se percebe que houve evidente exagero investigatório” não passa de mera opinião do juiz, um juízo de valor estabelecido por razões não jurídicas, não de Direito, mas, quiçá, pelo caso ter adquirido o “valor social” que a mídia quis dar. Estaria o juiz a f=dizer que a Polícia investigou “demais” apenas por se tratar de atriz global? Vejam quantas perguntas podem ser feitas, tome-se o lado que se quiser tomar. Significa isso que não passa de mera opinião, posto que sujeita aos mais diversos contraditórios, todos também opinativos. No Direito não cabe opinião. Ou está nos autos ou não está no mundo. A opinião no Direito, muitas vezes fica para os “doutrinadores”, juristas que tomam para si a tarefa de, com o seu particular modo de ver o mundo, interpretar o Direito. Daí que existam tantas doutrinas quantos doutrinadores. E tão diversas e díspares entre si quanto o são os seres humanos. Primeira lição que qualquer calouro de Direto recebe. O segundo caso, e evidente o de maior repercussão na história pós ditatura civil-militar de 64, é o mensalão, também conhecido como AP 470. Como poucas vezes se viu (ao menos eu), o mensalão, por midiático que foi, do início ao atual intermezzo, transformou-se num libelo moral. São de todos conhecidas as inúmeras manifestações dos ministros do STF que extrapolaram o dizer o Direito para, às luzes “ação”, demonstrarem o quanto também poderiam emitir “opiniões”. A tal ponto de ex-ministro prefaciar livro cuja orientação não passa, também, de mera opinião moral acerca dos fatos e pessoas envolvidas. Mas o ápice representativo de que nossos juízes começam a abandonar o “dizer o Direito” para começarem a dizer, nos autos, “opiniões”, é uma frase da Min. Rosa Weber no mensalão: “vou condenar Dirceu sem provas, mas a literatura jurídica me autoriza fazer isso”. Literatura jurídica é opinião. E, como visto, existem tantas para o céu quantas para o inferno. Deixemos de hipocrisia: a escolha da “pilha” é uma mera escolha moral. Escolho os autores com os quais concordo. Nada mais. Não porque tecnicamente tenham acerto, mas apenas porque penso como eles. É como no futebol: gremistas sempre terão razão. Não por terem razão, mas porque sou gremista também. E peca a mídia reacionária por ter tido o mesmo comportamento: divulga e amplia somente aqueles “doutrinadores” que podem sustentar as suas “teses jurídicas” (as da mídia). Para finalizar, não defendo aqui A ou B. Não é disto que trata o post, mas de um fato que há muito acontece cotidianamente na Justiça brasileira e que vem se tornando em perigoso hábito: “dizer opiniões” ao invés de “dizer o Direito”. Dizer opiniões pode ser um pequeno passo para os juízes, mas com certeza é um grande risco para a sociedade!