O discurso das alternativas

Sempre que essa questão do tratamento
compensatório ou preferencial para o negro é levantada,
alguns dos nossos amigos recuam horrorizados. Ao
negro deve ser garantida a igualdade, eles concordam,
mas ele não deve pedir mais nada. Na superfície, isso
parece razoável, mas não é realista. Pois é óbvio que se
um homem entra na linha de partida de uma corrida
trezentos anos depois de outro, o primeiro teria de
realizar uma façanha incrível a fim de alcançá-lo.
Martin Luther King

O discurso é sempre o mesmo: existem alternativas para a questão das cotas. As mais diversas. Coincidentemente, todas vindas de quem, por 500 anos, jamais criou uma alternativa sequer. E não poderia ser diferente, pois são os que desejam tão somente a conservação do status quo de classe dominante.
 
É o discurso da omissão contra a ação. Bem mais do que omissão, na verdade é o discurso das ações negativas contra as chamadas ações afirmativas. Historicamente as classes socialmente dominantes sempre realizaram ações no sentido de manter segregados um contingente da sociedade, tidos como “um mal necessário”. Alguém tem que realizar o serviço sujo.
 
Um dos discursos mais caros aos conservadores é de que não precisamos de mais gente nas universidades, de mais “dotores”. Discurso, claro, feito, via de regra, por quem já é “dotor”. Apontam que devemos, antes de mais nada, melhorar o ensino básico, as escolas públicas, o ensino técnico. Precisamos de mais técnicos, dizem os dotores. Seus filhos, no entanto, são os que estão nas universidades públicas.
 
Esses mesmos conservadores não querem lembrar, ou não sabem mesmo, o conceito que está por trás das cotas. Até porque, acostumados às ações negativas, pouco compreendem  o que possa ser uma ação afirmativa. Um bom conceito é:
 
“Ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão sócio-econômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural.”(1)
 
Dois conceitos são importantes no conceito acima: discriminação e acesso, também conhecido como “inclusão”.
O lado “podre” da questão da inclusão, é que ela traz consigo a exclusão: excluímos da casa dos conservadores as empregadas, os motoristas, as faxineiras, enfim, para a classe dominante, incluir é percebido como exclusão. E, o que é bem pior, significa que eles mesmos, os conservadores, terão que incluir na suas vidas esses “servicinhos sujos”, normalmente realizados por negros, brancos, porém pobres, os discriminados.
 
A discriminação fala por si só. A discriminação está no DNA da cultura judaico-cristã. A nossa cultura. Esse é, talvez, o maior dos males que a humanidade ocidental desenvolveu: a cultura discriminatória judaico-cristã. O deus monoteísta judaico-cristão é um deus criado para validar a discriminação. E comete, ele mesmo, discriminação ao eleger um povo dentre tantos; ao eleger alguns dentre tantos para, com ele, estarem no Reino dos Céus.
 
Não é por outra razão que o Direito, por força dos discriminados, positivou a igualdade. Mas, como todos sabemos – e os conservadores adoram repetir -, a igualdade que importa é a formal: todos somos iguais. Esse é, sem dúvida alguma, o mais vil dos argumentos utilizados por tantos quantos sejam contra as ações afirmativas, dentre elas as cotas. É vil porque tenta passar uma régua na história; é vil porque tenta dizer que um negro pobre de uma vila no Rio de Janeiro tem, HOJE, as mesmas condições de lutar pela universidade quanto qualquer branco de Ipanema ou Copacabana. É mais que vil, é a hipocrisia em seu máximo estado.
 
O que vemos hoje, é que parcela da sociedade elegeu não mais se omitir. Elegeu mais do que o discurso das alternativas, elegeu fazer, agir. Elegeu não esperar que caia do deus judaico-cristão todo poderoso a solução de tudo. Elegeu como princípio de vida as ações afirmativas. Mas não esqueceu que também é necessário melhorar a educação, as escolas públicas, não esqueceu que a palavra chave de tudo isso não é apenas “acesso”, mas “inclusão”. Não ser mais discriminado.
 
Sinto em dizer, mas um ser humano que ainda hoje pensa que ter alguém para lavar suas cuecas/calcinhas é o certo, ou muda ou… vai ter que lavar suas cuecas/calcinhas…
 
A hipocrisia toda reside em que essa gente não entende que inclusão exclui a exclusão.
 
Bora lavar cuecas e calcinhas….

(1) Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa – GEMAA. (2011) “Ações afirmativas”. Disponível em:

http://gemaa.iesp.uerj.br/index.php?option=com_k2&view=item&layout=item&id

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Luiz Afonso Alencastre Escosteguy

Apenas o que hoje chamam de um idoso. Parodiando Einstein, só uma coisa é infinita: a hipocrisia. E se você precisou saber meu "currículo" para gostar ou não do que eu escrevo, pense bem, você é sério candidato a ser mais um hipócrita!