O outro!

Consciente ou inconscientemente, vivemos de classificar. Estabelecemos categorias para tudo ao nosso redor. E estabelecer categorias implica em atribuir valores a elas, com a consequente ordenação desses valores. O preconceito nasce dessa ordenação dos valores que fazemos.

Definida a questão, há que se colocar em que grau, na nossa escala, está o valor “considerar e respeitar o outro”. E tratamos, aqui, de uma das maiores hipocrisias do ser humano: a valoração do outro. Para dar um exemplo, Porto Alegre tem mais ONGs e pessoas que dizem cuidar de crianças de rua do que o número de crianças realmente de rua. E todas continuam lá, na rua. ONGs e pessoas existem, ou deveriam existir, nesse caso, pelo “outro”.

A verdade é que não tenho a capacidade de tirar de mim para dar ao outro. Quando muito dou meus excedentes, palavra bonita para sobras. E a religião me ensinou que devo me sentir feliz com isso. O céu será meu.

Faço o que for necessário, desde que não me desacomode; desde que não me faça levantar a bunda dessa cadeira onde contribuo com panfletos eletrônicos e brados contra governantes e representantes. De onde crio filosofias e teses. E defendo ou contrario as filosofias e teses dos outros. E ainda alego, em defesa própria, que o mundo precisa de quem apenas grite. Afinal, o mundo sempre foi assim: existem os que nada tem; os que trabalham; os que pensam e os que ganham com todos esses. Graças a Deus, diriam os mais dedicados, que sou dos que trabalham e podem ter um mínimo de dignidade. Deus é bom por ter feito o mundo assim.

A hipocrisia tomou conta da nação brasileira. Somos um povo hipócrita porque esperamos que o governo faça tudo. Porque dizemos “Aleluia” ao saber que mais de 20 milhões de brasileiros deixaram de ser miseráveis; porque esperamos que o próximo governo tire outros tantos. Algo como 15 milhões de novos automóveis foram vendidos desde janeiro. Continuamos a ser recordistas mundiais em mortes por acidentes de automóveis. Viva o outro, dizemos. Desde que não precise levantar a bunda dessa confortável cadeira… Milhões e milhões de brasileiros dizem defender o meio ambiente, mas são os mesmos milhões que saem do supermercado carregados de sacolas plásticas porque devem ter vergonha de andar com sacolas de pano. Se todo mundo praticasse o que diz, bem… acabariam a hipocrisia e essa coluna…

Precisamos sair às ruas; precisamos verdadeiramente revolucionar as gentes. Precisamos acabar com a hipocrisia do discurso e com a hipocrisia da culpa! Precisamos acabar com a hipocrisia do cordeiro. Precisamos, acima de tudo, aprender a dizer NÃO! A dizer que nâo queremos esse modo de viver! Não acredite quando te disserem “faça com que a tua mão esquerda não saiba o que a direita está fazendo”. Isso é hipocrisia. Faça e diga: eu fiz isso! Sirva de exemplo e seja seguido!

E o outro? Bom , preciso do outro para exercitar minha hipocrisia. Deixa ele onde está, senão terei que levantar a bunda da cadeira…

About the author

Luiz Afonso Alencastre Escosteguy

Apenas o que hoje chamam de um idoso. Parodiando Einstein, só uma coisa é infinita: a hipocrisia. E se você precisou saber meu "currículo" para gostar ou não do que eu escrevo, pense bem, você é sério candidato a ser mais um hipócrita!