Obama e as questões de classe, raça e gênero

O discurso de união, mudança e esperança de Barack Obama venceu as eleições presidenciais dos EUA em 2008. Este discurso será colocado em prática e se transformará em realidade ou será mais uma utopia perdida?

A vitória de Barack Obama em 04 de novembro de 2008 representou um mudança de grandes dimensões para os EUA e para o mundo e ainda vai gerar muitos comentários e análises durante muito tempo. Mas uma característica que ficará marcada nestas eleições é o discurso de unidade e superação de conflitos de classe, raça e gênero.
 
Do ponto de classe, Obama pode ser classificado como pertencente à classe média baixa. Seu pai (de quem herdou o nome), um negro da tribo dos Luos, do Quênia, ganhou uma bolsa de estudos e foi estudar economia no Havai onde conheceu Stanley Ann Dunham, que era uma jovem filha de pais que trabalhavam para garantir o sustento da família. Portanto, Barack Obama não nasceu em “berço de ouro” e nem teve quaisquer privilégios em relação à maioria da população americana. Também Michelle Obama pertence a uma família de classe média baixa do sul de Chicago.
 
Classe média ou cidadão médio nos EUA são expressões muito utilizadas em uma sociedade em que a classe operária não tem a presença histórica que teve em outros países, especialmente europeus. Assim, ao contrário de considerar a “Luta de Classes” como a contradição fundamental da sociedade americana, como certos setores de esquerda transformaram em dogma, Obama adotou o discurso das políticas universais para garantir igualdade de oportunidade para todos. A estória pessoal de Obama mostra que as pessoas podem avançar na mobilidade social ascendente tendo acesso à saúde, educação e emprego de qualidade.
 
Ao contrário de adotar o discurso da “Luta racial” e apelar para as injustiças históricas dos tempos da escravidão e da segregação social, Obama apostou no discurso pós-racial argumentando que os desafios futuros da sociedade são muito maiores do que as chagas do passado. Com acesso universal à saúde, educação e emprego os cidadãos podem progredir independentemente da cor da pele. Em nenhum momento Obama utilizou sua origem mestiça ou sua origem humilde para pedir votos, mas sempre demonstrou inteligência e preparo de quem domina bem o idioma, conhece a história e os principais problemas dos EUA e do mundo. Ter estudado em Havard apenas mostra que ele é uma pessoa preparada e que não subestima a ciência, a pesquisa e o estudo.
 
Na verdade, a chegada de um negro no comando da Casa Branca tem sido considerada como sendo o fim da guerra civil e a conclusão da luta pelos direitos civis. Evidentemente, não é o fim do racismo e das desigualdades raciais e étnicas, mas é a demonstração que qualquer pessoa, independentemente da cor, pode, com inteligencia e esforço próprio, chegar ao posto máximo da nação.
 
Os EUA mudaram, em termos reais e em termos simbólicos e foi um longo caminho depois dos 232 anos da Declaração da Filadélfia, 145 anos após a guerra civil e o fim da escravidão; 112 anos após a Suprema Corte endossar o sistema de segregação racial; 6 décadas após as maiores campanhas de terror e morte contra a população negra promovidas pela Ku-Klux-Klan; 54 após a vitória do Movimento dos Direitos Civis e 40 anos depois do assassinato de Martin Luther King.
A eleitora de Atlanta, na Georgia, Ann Nixon Cooper, de 106 anos, se tornou um símbolo desta nova era aberta com o voto nas eleições de 2008. Quando nasceu, as mulheres não podiam votar e durante a maior parte de sua vida a população afro-descendente era segregada e não tinha acesso incondicional aos frutos do progresso do país. Contudo, ela que é uma típica representante da classe média e de uma realidade cada vez mais acessível para a população negra, votou pela vitória de Obama.
 
Quanto às questões de gênero (embora tenha derrotado Hillary Clinton nas primárias do partido Democrata) Obama defendeu uma agenda afinada com o movimento feminista e obteve a maioria dos votos das mulheres. A chapa Obama/Biden obteve 49% dos votos masculinos e 56% dos votos femininos. O mais importante é que pôs fim à hegemonia do pensamento conservador e fez recuar o fundamentalismo religioso, em especial, aquele pensamento que é contrário aos progressos das mulheres.
 
É claro que o desafio de eleger uma mulher para a presidencia dos EUA continua vivo. Mas a eleição de Barack Obama abre uma era de maior unidade e de respeito à diversidade, contribuindo para que todos os grupos sociais possam se sentir representados no jogo democrático, sendo que o sonho da presidencia possa ser sonhado independentemente das origens ou da posição de classe, raça e gênero.
 
Obama adotou um discurso da unidade, da cooperação e da união de forças para se alcançar a mudança e manter viva a esperança de um mundo melhor e mais justo. Obama conseguiu maioria dos votos dos negros, latinos, asiáticos, jovens (com menos de 44 anos), mulheres, católicos, judeus, muçulmanos e dos habitantes das médias e grandes cidades. Um feito marcante foi que Obama obteve a maioria dos votos dos seguidores das três principais religiões monoteístas. Só perdeu entre os homens brancos (WASP = White, Anglo-Saxon and Protestant) e os habitantes de vilarejos e do meio rurual. Mas nestes últimos, o partido democrata sempre perde, independentemente do candidato.
 
Obama nasceu no Havai (fora do território continental dos EUA) e tem raízes na África, na Ásia (ele morou por 4 anos na Indonésia e teve um padastro indonésio) e na Europa (terra de seus antepassados maternos). Superando o discurso do unilateralismo de Bush, Obama pode contribuir muito para o fortalecimento da comunidade internacional na busca da paz e da superação da pobreza e das desigualdades.
 
A despeito da intensidade da crise econômica atual e dos desafios que o mundo tem pela frente, podemos estar vivendo um momento de mudança de rumo nas relações internacionais e nas oportunidades que se abrem na convivencia entre as nações e entre os segmentos demográficos de cada país. Obama pode ser um presidente que veio para somar e não para manter divisões e richas antigas.
 
Realidade ou utopia?
 
Será que todas estas possibilidades são apenas uma ilusão? Tudo não passa de uma fantasia? Ou será que os EUA e o mundo podem sonhar com um século de paz e prosperidade, com menos divisões de classe, raça e gênero?
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José Eustáquio Diniz Alves