Sobre tiranos e ditaduras


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Ninguém entende melhor o papel da arte nas sociedades do que tiranos e ditaduras, à esquerda ou à direita, do passado ou do presente.

É claro que este texto veio a propósito do 1º de maio. Que, aliás, já passou e é jornal velho. Fiquei pensando no que escrever, e o que me chamou a atenção é que, quando se tenta equacionar arte, sociedade e trabalhadores, temos como resultado, na maior parte das vezes, regimes autoritários das mais variadas cores e espécies fazendo uso da arte apenas como instrumento de propaganda. O pior é que artistas e mais artistas, e também filósofos e intelectuais, sujeitam-se a isso muito felizes e satisfeitos.
Da antiguidade, temos exemplos e mais exemplos de uma arte produzida para eternizar os feitos de reis e imperadores, e feita para apequenar mais ainda o pobre coitado que mal se percebe como ser humano diante da escala monumental e dos recursos mobilizados por determinado soberano para criar algo que o imortalize.
Aqui já se compreende como um tirano intui uma função da arte que lhe será extremamente útil: a multiplicação da sua imagem, tornada maior do que realmente é, e criada sob a estrita observância de regras e leis ditadas por ele ou pelas castas dominantes. Com imagens, a história é reescrita, e atinge um número de pessoas muito mais amplo do que aquele que é capaz de ler um texto escrito, por exemplo. Quando vemos uma imagem de Ramsés II prestes a cortar a cabeça de um núbio derrotado, ela nos atinge de modo muito mais direto e impactante do que qualquer texto é capaz de fazer. E tanto um egípcio quanto um estrangeiro podem fazer a leitura do que essa imagem representa: poder e arbítrio na figura daquele que segura a cabeça do derrotado numa das mãos e uma lâmina na outra, submissão e derrota por parte daquele que está ajoelhado.
Faço agora um corte de alguns milênios até chegar ao século XX, quando os artistas começam a pensar numa arte que sirva às massas, que dialogue com elas e que seja parte de seu mundo. Lazlo Moholy-Nagy fala de um “novo mundo das massas”, que precisava do construtivismo (movimento do qual fazia parte) porque esse mundo “necessita de coisas fundamentais, que não sejam enganosas”. Moholy-Nagy também fez parte da Bauhaus, que buscava a integração entre a arte e os novos métodos de produção industrial. No primeiro manifesto da nova escola, inclusive, explicita-se o desejo de criarem-se maneiras novas de reintegrar o artista na sociedade moderna, industrial, a partir de “uma nova corporação de artesãos, sem distinção de classes”.
A Bauhaus foi fechada em 1933 pelo regime nazista.
A vanguarda russa, que no início da revolução socialista trabalha com entusiasmo e liberdade, é, também nos inícios dos anos 30s, silenciada. Aliás, já em 1924, Trótski define o papel da arte em seu “Literatura e Revolução”: liberdade relativa, e produzida sob a tutela da “vigilante censura revolucionária”. Como no nazismo, a arte deve estar a serviço do estado.
E eis a grande ironia: a arte preconizada e tolerada por Hitler é a mesma que é preconizada e tolerada por Stálin: rigorosamente acadêmica e espantosamente medíocre; reduzida à mera condição de veículo da propaganda dos regimes autoritários, para não falar do mais descarado culto à personalidade dos ditadores em questão. Cidadãos fortes e saudáveis, prontos para o trabalho duro, lindas criancinhas que entregam flores aos imaculados líderes. Tudo muito parecido. Basta comparar as imagens ao lado. Não deixa de ser curioso que os nazistas que desprezavam (e temiam) particularmente os russos, e mais ainda os comunistas, tenham produzido uma arte que é análoga à deles e que, no fim das contas, merece ser definida em uma única palavra: merda.
Daí que é o seguinte, meu caro leitor: arte que se subordina ao estado, de um modo ou de outro, é a arte que comete suicídio. Seja à direita ou à esquerda.
E que este despretensioso ensaio, caso esteja sendo lido por algum tucano exacerbado ou por um petista empedernido, sirva como um pequeno alerta: apontar a merda alheia, enquanto se tapa os olhos para a própria imundície, não impede que o fedor se espalhe do mesmo jeito.
Mas eles não aprendem, eles não aprendem nada, eles não aprendem nunca…

About the author

Marcos Schmidt

Marcos Schmidt é designer gráfico e ilustrador. Vive e trabalha na irremediável cidade de São Paulo.