Carta Aberta ao Exmo. Sr. Governador eleito do Estado do RGS

Excelentíssimo Senhor Governador eleito do Estado do Rio Grande do Sul:

Por favor, sem hipocrisia. Sem discursos verdes para uns e pretos para outros!

Desde já esclareço que voto no senhor desde a primeira vez que se candidatou à Prefeitura de Porto Alegre. E acompanho sua trajetória. Estudei seus livros de Direito do Trabalho na faculdade. Tenho-os aqui, na minha estante. Mais, li o texto "Ideias Iniciais para um Programa de Governo". E lá encontrei, para particular satisfação, o seguinte:

Uma nova relação com os servidores públicos

Recuperar o diálogo e instituir uma Comissão Permanente de Negociação entre governo e servidores públicos, movimentos sindicais e associativos do funcionalismo, para tratar de temas vinculados a carreiras, salários, melhoria de condições de trabalho, direitos e metas. Estará vinculada di retamente ao gabinete do governador e ao CDES RS. Será um espaço de entendimento, negociação e formulação de propostas. Somos conscientes de que a modernização da gestão pública e do Estado passa pela valorização dos servidores, mas também pela busca da eficiência do serviço prestado à população.

Há um novo texto acrescido da frase: "A relação com os servidores públicos e sua valorização em cada área é também desenvolvida e detalhada nos demais eixos e temas deste Caderno de Propostas." aqui: Programa de Governo.

Mas qual a minha surpresa ao ler que no encontro de "líderes estaduais" para debate da "Agenda 2020" o senhor retoma o já velho e combalido discurso de que a culpa é dos servidores públicos. Inclusive, e me perdoe a expressão, utilizando de um jogo de palavras pra lá de tacanho. Dizer que vai perguntar ao judiciário qual a diferença entre "direitos adquiridos" e "privilégios adquiridos" é, no mínimo, desreipeitar a inteligência dos milhares de servidores do estado.

Antes mesmo de prosseguir na questão dos "privilégios adquiridos" e na razão pela qual o senhor, muito hipocritamente deixa de lado os autodenomindados "agentes políticos", há um outro ponto importante a ser respondido com a precisão de uma demonstração financeira: por que razão existe o défict de mais de 4 bilhoes de Reais na previdência do Estado?

Quero ver detalhes. Contas. Uma por uma. E de forma direta, não por aquela porcaria (desculpe-me novamente a expressão) de site da transparência, onde até mesmo um sujeito com curso superior como eu se perde antes de achar o próprio nome. São os médicos do IPÊ que nos causam deficit? Não deve ser, pois ainda por cima pagamos a parcela da saúde à parte e está cada vez mais difícil encontrar médicos que atendam diretamente pelo IPÊ. Sabia o senhor que eles preferem dar descontos para nós, no valor da consulta particular, do que atender pelo IPÊ? Por favor não seja hipócrita e admita que sabe disso. Serão os hospitais?

Onde enfim vai o dinheiro? Contas, senhor Governador eleito. Contas ao estilo contábil. Uma por uma… E por favor não me remeta ao Tribunal de Contas ou a qualquer outro lugar que eu tenha que solicitar via expedientes administrativos. Sou um cidadão que paga religiosamente seu imposto. Opa, eu não posso ser hipócrita. Vá lá, sou descontado religiosamente em folha (sequer o direito de sonegar eu tenho. Sequer a possibilidade de utilizar minha inteligência para burlar o fisco eu tenho), penso que mereço uma resposta tão clara quanto claros são os descontos no meu contracheque.

[Permita-me um parênteses para esclarecer quem porventura se disponha a ler essa carta: um servidor público do Estado do Rio Grande do Sul é descontado compulsoriamente em 14,2% do seu "salário integral". Não temos teto para desconto. São 11% para a previdência e 3,2% para saúde.]

No entanto, parece que o senhor quer nos colocar o teto para os ganhos, já que considera parcelas dos nossos vencimentos "privilégios adquiridos". Diga-me, por favor,  o que considera "privilégio". E qual diferença existe? Pode usar dos seus vastos conhecimentos jurídicos. Saberei entender. Diga-me, por favor, se é realmente por causa desses "privilégios" que existe o rombo na previdência. Diga-me, por favor!

Estava e ainda estou disposto a apoiar sua "nova relação com os servidores públicos" (apesar das suas recentes declarações), mas em um patamar de franqueza e não de hipocrisia. Prove-me por a+b que tenho – e temos culpa – e serei o primeiro a apoiá-lo, aqui e em qualquer lugar que possa me manifestar. A previdência é um problema? Sim, é! Está a merecer uma reforma séria? Sim, está! O serviço público é ineficente? Sim, é! E sei muito bem disso, talvez mais do que o senhor possa imaginar. Mostre-me as contas governador, e lhe garanto que o senhor terá o melhor e mais dedicado Sancho a lhe escudar. Seja hipócrita e continue defendendo que a culpa é do servidor público, esquecendo da culpa dos "agentes políticos"; esquecendo da culpa da hipocrisia dos representantes que ao se elegerem mais pensam em si e na manutenção da representação; da culpa que os demais "agentes políticos posseuem; da culpa que tenho certeza deverá aparecer nas contas que o senhor irá me mostrar, e lhe garanto – juro – que pelos próximos quatro anos escreverei por todos os dias cobrando as contas.

Aprovo, como já disse, a Comissão Permanente de Negociação e e todas as suas ideias. Mas que as negociações e ideias estejam isentas de hipocrisia.

About the author

Luiz Afonso Alencastre Escosteguy

Apenas o que hoje chamam de um idoso. Parodiando Einstein, só uma coisa é infinita: a hipocrisia. E se você precisou saber meu "currículo" para gostar ou não do que eu escrevo, pense bem, você é sério candidato a ser mais um hipócrita!