Música Mais By Marlon Marques Da Silva / Share 0 Tweet A mentalidade humana é mutante. Nossos gostos, desejos e sonhos são também mutantes. Tais mudanças se dão por conta do conjunto de valores coletivos de uma sociedade, que também se modificam de acordo com as forças históricas – ideias, conjunturas políticas ou econômicas. O homem medieval era um, o homem do renascimento outro, o homem do século XIX era outro totalmente diferente desses, que também é muito diferente de nós (contemporâneos). No início do século XX, calças cumpridas eram exclusivas para homens. Quando a primeira mulher ousou usá-la, todos ficaram chocados. Quando Leila Diniz foi pela primeira vez a praia exibindo sua gravidez (com a barriga de fora), todos acharam um absurdo. Hoje é a coisa mais comum, tanto mulheres vestindo calças quanto grávidas em praias. Concluo com isso que o problema não está na ação ou no objeto, ou até mesmo no sujeito – está na concepção mental da sociedade (ou seja, do conjunto dos indivíduos, influenciados pelas instituições). Quando o rock surgiu no início dos anos 50, logo se tornou um estilo transgressor das convenções sociais – uma vez que o termo rock n´roll era na época uma gíria para sexo. Os adolescentes e jovens da época ávidos por representação, se identificaram com a rebeldia, com a diversão, com a jovialidade, com o estilo e muito mais do que um novo filão de mercado (capitalismo), surgia uma forma de vida. Um dos expoentes desse novo estilo era um jovem rapaz, caipira e esbelto, que com seu carisma e atitudes – isso sem contar sua voz grave – se tornaria o “rei do rock”, Elvis Presley. Muito já foi dito sobre ele – desde as teorias de que ele ainda está vivo à seu culto pós-morte, da crítica de seus discos à sua decadência no fim de carreira – as várias biografias, artigos e ensaios escritos ao longo dos anos. Porém ninguém ainda escreveu sobre sua contribuição para formatação do funk carioca e do axé music. E isso é o mais intrigante, é o fato da influência de Elvis extrapolar seu estilo musical (o rock), as fronteiras de seu país (EUA) e principalmente o tempo (anos 50 aos anos 80), apenas evidencia a grandeza desse artista. Só para avisar os mais apressados, a influência de um artista não se dá apenas por sua atividade principal (nesse caso a música), mas também comportamental, conceitual, etc. Embora na gênese do axé music haja a presença da guitarra elétrica (Osmar e Dodô – e depois Chiclete com Banana) – aqui eu me refiro à questão comportamental – e especificamente corporal. Elvis não era à toa conhecido como “Elvis, The Pelvs”, o apelido era propositalmente pelo fato dele dançar movendo de forma expressiva os quadris. Não podemos nos esquecer que os Estados Unidos da época era governado por Dwight Eisenhower (republicano – conservador), era também a época da Guerra Fria e do Macarthismo. O conservadorismo americano estava no seu auge. Logo, a imagem de um homem branco, cantando e dançando música de negros, mexendo os quadris e incentivando os jovens a fazerem o mesmo, era demais transgressor. Tanto que em uma apresentação na TV, a emissora após Elvis começar a dançar, passou a exibi-lo apenas em busto – para evitar que a cena entrasse nos lares americanos. As reboladas de Elvis atravessaram o tempo – e resistiram ao auge da histeria puritana, tanto que com o passar do tempo – principalmente após a revolução dos costumes (os loucos anos 60), Elvis já não sofre mais com a censura com sua libidinosa dança. Se Elvis tivesse se dobrado a censura e ao conservadorismo, nem David Bowie, nem Madonna, nem Lady Gaga, nem o R&B, e nem o axé e o funk existiriam da mesma maneira como existem. Tudo o que vemos na tevê hoje como normal – garotas com roupas mínimas dançando no Gugu, no Faustão, no Huck ou no Faro, não seriam possíveis sem Elvis e sem a mudança de mentalidade forçada por sua atitude. Até a lambada (não citada aqui) deve a Elvis sua postura de explicitude sexual – que tanto influenciou o axé quanto o funk. É muito nítido que a “dança da garrafa”, “dança da bundinha”, “a mão boba” e “o créu” – camuflam sexo e entram na tevê (e nos lares) sem qualquer problema. Não apenas as letras trazem o sexo, a dança exibe o sexo nitidamente, nas posições, nos passos, nos compassos, sejam em danças sós ou acompanhadas. As dançarinas hoje triunfam e rebolam suas “frutas” – jacas, melancias, peras – a partir de um caminho aberto pelo rei do rock, Elvis. Agora eu pergunto, o que seriam do axé e do funk carioca se não fosse seu componente visual? O que seriam desses estilos musicais se todo imaginário aguçado pelas letras não fosse materializado pelas danças? Então, mc´s, cantores de axé, dançarinas e dançarinos, bondes e grupos em geral, agradeçam a Elvis Presley por existirem, ou melhor, por rebolarem, pois se não fosse por seu pioneirismo, vocês seriam ou recatados ou movimentalmente frustrados, ou seriam simplesmente mais uns entre tantos.