Editorial By André Egg / Share 0 Tweet Em um dia memorável, o Supremo Tribunal Federal brasileiro julgou e decidiu por unanimidade, na última quinta-feira, que os direitos inerentes à união estável são extensivos aos casais homossexuais. Parabéns aos ministros, mas principalmente parabéns à Procuradoria Geral da República, por ter entrado com o pedido. O processo foi protocolado em julho de 2007, e sua tramitação completa pode ser vista aqui, no sítio do STF. No mesmo sítio, também está divulgada a decisão final, que apenas informa que o pedido foi acatado. É preciso então consultar a petição inicial para se entender que o que a Procuradoria pediu, e o STF concedeu foi: que esta Corte declare: (a) que é obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; e (b) que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. A decisão é um grande avanço em vários aspectos. Primeiro, significa o reconhecimento público de que não cabe legislar nem definir sobre a afetividade das pessoas. Nem o Estado nem as instituições religiosas devem normatizar as relações sexuais consensuais entre adultos. É uma questão de foro íntimo. Seria muito importante que a partir de agora as energias e as ações com respeito a tratar de comportamentos sexuais se voltassem para a necessidade de previnir e combater a violência sexual dos adultos contra as crianças, e dos homens contra as mulheres. Este é o problema a ser solucionado, e não a questão sobre se é legítimo ou não que duas pessoas do mesmo sexo tenham uma relação afetiva do tipo que reservávamos aos casais heterossexuais. Do alto de minha ignorância jurídica, me parece que a decisão do STF demonstra que não é mais possível tapar o sol com a peneira. Se o casamento homossexual é uma realidade vivida por muitas pessoas, não é mais o caso de fingir que ele não existe, e sim de estender a ele a normativa existente para a união estável. A própria idéia da união estável já havia sido um avanço na legislação sobre a família no Brasil, ao dar status jurídico aos casos que antes conhecíamos por “amaziados”, “juntados” e outros termos pejorativos para quem não passava papel em cartório antes de viver junto. Algumas questões pontuais, e textos importantes para se pensar a questão, antes de reclamar ou elogiar a decisão dos ministros: Está na hora de os evangélicos, e outros religiosos pararem de associar de forma mentirosa a homossexualidade com a pedofilia, como neste vídeo cretino que circulou durante as eleições. Os evangélicos deveriam ser os primeiros a defender a legitimidade da homoafetividade, por que sua teologia considera legítimo o sexo por prazer – ao contrário da católica que o associa exclusivamente à reprodução e proíbe o prazer e a contracepção. Aliás, é um escritor evangélico que melhor define a maneira como a igreja usa suas técnicas de manipulação do medo para tratar da questão da união homossexual: E que ameaça maior do que um mundo em que a união civil entre homossexuais denuncie diariamente o caráter relativo e historicamente determinado de soluções de convívio que a sociedade toma por normativas? O que parecerá mais perturbador do que um mundo em que gente do sexo masculino ouse definir a sua relação mútua pela afetividade e não pela agressividade e pela competição? Um mundo em que mulheres ousem prescindir do homem para encontrar a sua satisfação sexual e emocional? (Paulo Brabo) NPTO, um blog de política que parece que não existe mais, também tratou da questão certa vez, discordando da necessidade de que certos políticos religiosos de esquerda devessem assumir posturas pró-união de homossexuais. Podemos levantar a mão para o céu, por que a decisão foi no STF, evitando a porcalhada que ia ser uma disputa sobre isso no Congresso Nacional. Com a imprensa que temos, e com os políticos evangélicos (e católicos) que temos, dá pra imaginar o estrago. O ponto jurídico da questão, aliás, foi tratado por Túlio Vianna em um artigo para a Revista Forum tempos atrás. E há ainda outro texto clássico, para responder àqueles que pensam, como eu fazia, que os homossexuais deviam lutar para acabar com a figura do casamento patriarcal burguês, e não quererem se casar na igreja. O Fabiano Camilo explicou um pouco sobre as lógicas de se casar demonstrando que a dificuldade em normatizar isso é tão grande quanto a de normatizar a conduta sexual em si. Enfim, longe de resolver a questão, a decisão do STF é um passo importante, que terá que ser acompanhado por um amadurecimento da sociedade brasileira no trato da questão.