Navegando no Cotidiano By Luciana Santa Rita / Share 0 Tweet “[…] Então, eu acho que somos o que somos por várias razões. E talvez nunca conheçamos a maior parte delas. Mas mesmo que não tenhamos o poder de escolher quem vamos ser, ainda podemos escolher aonde iremos a partir daqui. Ainda podemos fazer coisas. E podemos tentar ficar bem com elas.” (CHBOSKY, Stephen. As vantagens de ser invisível. São Paulo: Rocco, 2007, p. 221). No final de semana, li um livro, recomendado pelo meu filho adolescente, sem nenhuma pretensão literária, chamado “As vantagens de ser invisível”. No contexto, encontrei um protagonista adolescente, Charlie, que entre perdas e mudanças, vive no infinito entre ser triste e feliz ao mesmo tempo, oscilando entre a apatia e a motivação do recomeço. Além dessas questões, o livro contemplava o encerramento de ciclos à medida que apresenta um adolescente que ao escrever cartas a alguém que não conhece, cura a dor da morte de um amigo, sobrelevando, paralelamente, entre o presságio de viver a própria vida e se esconder onde as coisas, apenas, são a vida. Ademais, o livro nos proporciona um universo neutro, indiferente na maior parte do tempo, menos hostil para quem procura entender as razões do outro em vez de hostilizar. Alimenta a condescendência e, logo, parece estranho como se encontra a maturidade com um coração abrandado frente ao completo desequilíbrio da vida que não é democrática. Quando jovem acreditava que poderia lutar contra decisões irrevogáveis e não cedia espaço a dúvida do que aconteceu de errado. Nunca esperei muito tempo pela sorte ou pela passagem efêmera do sucesso. Nunca percebi a vocação para a felicidade sem procurar entender que havia, também, a fraqueza dos outros. Sempre achei que o campo invisível já nascia com terreno loteado. Nunca acreditei em prêmios por bom comportamento e percebia a solidão íntima de quem sofria pelo silêncio anônimo, de quem não se ariscava, de quem não se entregava, principalmente, daqueles que criavam os pré-requisitos, que limitavam com regras as mudanças, meramente, pela aversão ao risco. Sempre desconfiei dos que jamais chegam a lugar nenhum. Naquela época, achava lógico adotar posturas que evitassem a invisibilidade ou mesmo ficar por trás de cortinas, sem assumir um papel em cada ato da ópera. Sempre corri atrás da completude extremista e de ensaios intermináveis. Penso que fechar ciclo exige ensaio, exige decisão, foco e controle da angústia. Ninguém deve desejar o que é a própria indiferença de uma maratona sem largada. Ciclo aberto é um engano. É crueldade consigo mesmo. É um vício que não tolera internação. É arrumar a mesa para dois quando se sabe que está só. Ciclo aberto é como circo itinerante, aguarda o público e vaga pela estrada do pseudo aplauso. De um lado, nunca acreditei que a vida exigia respostas simples apenas pelo afago no rosto. Nunca fui de observar ou torcer na arquibancada, sem nunca me envolver no jogo. Nunca tive medo do desconhecido ou da aproximação inevitável do fim. Por outro lado, respeitei os meus limites e tempos, ainda que sem pausa para entender a resposta que desejava do outro. Isso não significa que me acho invencível, que não quebrei a cara, que não aceito derrotas ou que não acato a espera, mas apenas que aceito à disposição para viver, errar ou mesmo morrer por amor. Percebo que as necessidades mudam e o peso dos ressentimentos também muda. E, mesmo nos dias em que a tristeza nos pega lá no fundo e desafia a escuridão, o tempo pode levar o esquecimento a cruzar com a injustiça imerecida, justificando o que julgávamos mortos. Acredito que a dor morta frente a emoção do passado possa resgatar a alegria que já contagiou. Sempre joguei fora os restos de batons e perfumes. Mas também já me encontrei em uma terra desolada, sem construção, oscilando entre situações reais e imaginárias, evitando hábitos que fugissem do que fosse considerada uma rotina significante. Não deixei nada mudar dentro de mim para não entrar em confronto com presente, mas já vaguei sem rumo, sem passaporte e escova de dentes para o futuro. Creio que o desgaste do tempo me levou a encontrar novos significados que abrandou essa visão egocentrada. Diria que a indignação continuou existindo dentro de mim a cada ciclo que continuava aberto. Só que a precariedade do meu presente perdia a fé; renegava a confiança e já questionava o que tinha dado errado na promessa de não ser invisível. Tive punições por ser imediatista, pela intolerância exacerbada, mas a recordação continuou por lá, fazendo companhia, convivendo com a madrugada enérgica de séculos que pareciam cair sobre mim. Ligava o motriz do silêncio quando os tambores batiam e sem saber quem era ou mesmo onde morava, estava ferida, melancólica, talvez uma perfeita companhia para os imortais, mas com pressa em voltar à mortalidade. Diante desse contexto, essa visão reducionista do mundo que me mecanizava só me levou a questionar esse sistema de controle de semelhança taylorista em que perguntava: se isso é ser livre, então eu não me vejo como sujeito, mas como um objeto de ação de invisibilidade. Em certa ocasião, me deparei, assistindo o filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulai”, com uma frase que destacava que os tempos continuavam difíceis para os sonhadores. Uma frase para qualquer continente e tempo que ultrapassa a mera conotação freudiana ou seara antropológica que frisa o seguinte: “Quando chega a hora, precisa saltar sem hesitar”. E no final, ainda posso escolher aonde quero ir daqui para frente e acomodo, naturalmente, no novo ciclo, a frase do livro acima que limita a disciplina da paciência: “[…] As coisas mudam. E os amigos partem. E a vida não para pra ninguém.”