Navegando no Cotidiano By Luciana Santa Rita / Share 0 Tweet “Fazemos seguro de tanta coisa… do carro, da casa, de vida, mas não nos preparamos para os últimos anos de nossas vidas.” (Jeanne no filme francês “E se vivêssemos todos juntos?”, dirigido por Stéphane Robelin) Mais do que uma obra de caráter intimista, essa frase expressa não só o ciclo da vida ou alguém atormentado por seu passado ou pleno da desilusão de nil admirari, mas reconhece a própria fragilidade de que não encontraremos um sentido nos últimos anos na vida se a concebemos apenas sob o aspecto de um único propósito, sem novas perspectivas. O filme “E se vivêssemos todos juntos?” apresenta o contexto da chegada do envelhecimento em que cinco amigos há 40 anos – Annie (Geraldine Chaplin), Jean (Guy Bedos), Claude (Claude Rich), Albert (Pierre Richard) e Jeanne (Jane Fonda) – decidem passar os últimos dias de sua vida juntos, após encontrarem Claude internado em uma casa de repouso. Juntos decidem refletir sobre os que os move à medida que não se trata de se ocuparem diretamente com suas próprias ideias ou sentimentos, mas de se protegerem sobre o que virá, ou seja, da ameaça do perecer. Expõe o fraquejar, a sensibilidade e o sofrimento que vem à tona, contrariando a lógica que quando o melhor que um homem pode ser, apresenta sê-lo necessariamente por si mesmo. Freia a tese de que é possível percorrer a vida do modo mais agradável possível, sem a lembrança do futuro previsível que é a morte. Sempre penso no paradoxo do resgaste da dignidade quando há tanto limites físicos quanto emocionais, quando há a dor, há a traição e há a fragilidade da memória. Penso, também, na opção do que é importante lembrar e o que é decisivo esquecer no fim. Ao pensar no fim, se poderá compreender que é possível eliminar da varanda aqueles pegadores antigos que não prendem mais e só proporcionam ferrugem. Talvez, exigir esclarecimento do tempo, mas desejando ou não, o recuo da incerteza deveria ser possível e com chance para desfazer o irreversível. Penso que viver não tem sido fácil e não se torna simples esperar pelo inevitável, visto que, mesmo confinados à nossa própria consciência, uma existência inteira pode se reduzir aos fantasmas do passado ou as mãos do destino, dependendo daquilo que somos ou da nossa individualidade. Particularmente das reflexões serenas em meio a sentimentos fúteis. Desse modo, o problema da expectativa da morte é que ela não dá um tempo. Ela não se esforça para chamar atenção, mas está sempre presente. Ela entra sem pedir licença e sai sem despedir. Ela quer existir e tenta prolongar o seu domínio no dia. Ela é totalmente descontrolada com os seus horários. Ela não manda recado ou permite um tempo para se acostumar. A morte não quer saber as nossas respostas e despreza as nossas avaliações ou justificativas. Essa é exatamente a diferença descrita por Schopenhauer no livro “Aforismos para a Sabedoria de Vida”, em que a única coisa que permanece ao nosso alcance é tirar o máximo proveito possível de nossa personalidade e, portanto, seguir apenas aquelas tendências com as quais está de acordo, lutando pelo tipo de desenvolvimento apropriado, evitando todo o mais; consequentemente, todo o resto lhe é insignificante. Ele explica que na velhice “o tempo corre mais rapidamente e traço fundamental e característico da velhice é a desilusão;pois desapareceram as ilusões que até então davam à vida seu encanto e à atividade seu aguilhão”. Assim, veríamos confirmadas as palavras de Shopenhauer: “[…]a vida humana, propriamente falando, não pode chamar-se nem longa nem curta, porque, no fundo, é a escala com que medimos todas as demais dimensões de tempo. Para andar pelo mundo é útil levar consigo uma ampla provisão de circunspeção e de indulgência; a primeira nos protege contra os prejuízos e as perdas, a segunda contra disputas e querelas”. Penso também que ao reconhecermos as nossas debilidades, evidenciamos um elogio à vida, que deve ser a glória e o mérito pelo qual a alcançamos, vivida da melhor forma possível, até o inevitável fim. Por um lado, o tempo não tem piedade e não é justo, pois não auxilia na espera do amor ideal e não ajuda na esperança do esquecimento antecipado. Ele não dá espaço para a repetição. Ele não permite que as ondas da solidão se retraiam para encontrar no tempo o que realmente se precisa. O tempo não permite um fim de semana com caráter de anuidade. Por outro, o tempo não permite a possibilidade do diálogo quando o outro simplesmente não quer ter nem um segundo para se despedir. Estranho, mas o tempo cobra a decisão sem remorso e não volta pedindo perdão pelo o que passou ou se foi. Exatamente assim, sem se comprometer, sem criar vínculos, sem encarar as vítimas do atraso. Não bastam as metáforas. O fim é um protegido de Deus, está sempre na frente e sem querer, ultrapassa o momento e deseja decidir a minha e a sua vida. Ele não permite ser ator coadjuvante. O fim não se limita a ser uma medida, de ser marcado ou de ser esquecido. Ele é sempre a referência. O fim não permite isenção ou desculpa de esquecimento. O fim não permite a primavera chegar primeiro e não avisa ao inverno que não é mais o tempo do frio e da chuva. O fim não permite o verão continuar e o outono se ampliar. A verdade é que existimos para lhe dar satisfações. Ele dono da liberdade e dos protocolos. Afinal, passado, presente e futuro são irmãos gêmeos, sem erros ou coincidências. O fim não permite a chance de escolher. Penso em uma existência sem recorrer a uma medida falsa e isso concorda com a passagem de Aquarela de Toquinho:”… o futuro é uma astronave que tentamos pilotar. Não tem tempo, nem piedade. Nem tem hora de chegar. Sem pedir licença muda a nossa vida e depois convida a rir ou chorar…” E parodiando Mário Quintana: “[…] quando se vê, já são seis horas! Quando de vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal… Quando se vê, já terminou o ano… Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado… Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas… “