Nem todos os caminhos levam a Roma….


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“[…] Ela poderia ter ido pelo caminho mais fácil…. mas preferiu ir atrás do sonho.” (mãe no facebook falando de sua filha no último dia das provas do ENEM)

Ainda na faculdade, abracei, em certo momento, uma frase de Jean-Paul Sartre que dizia que precisávamos criar o projet de la vie, seguindo passo a passo, de forma intensa, ano após ano. Diria que já naquela época, inventava o meu caminho e não me conformava com a imitação da vida sob o formato ocasional do caminho fácil de Roma, pois já compreendia que séculos já separava a urbanidade dos Césares de ser identificada como o umbigo do mundo.

Naquele tempo, tinha um sonho Nietzschiano, tipo folha branca da agenda, um tanto exagerado, mas não me incomodava com o que outro pensava sobre terrenos aplainados. Se não notavam a minha existência, tinha certeza que sabiam que eu estava ali, pois insistia em encontrar um caminho que não fosse só a ilusão.

No fundo, já entendia bem a ideia de redefinir a felicidade, o significado da vida, a identidade ou mesmo o sonho a cada frustração vivenciada de uma sociedade totalitária. O sonho era o meu confidente e a minha cumplicidade. Diria a minha salvação, pois medo não era sinônimo de falta de coragem.

A necessidade era EU. Era uma época de vestibular, com uma única opção de escolha, e, mesmo, assim, vivenciava as ideias de Nietzsche, pois acreditava que só alcançaria um grande êxito quando me mantivesse fiel a mim mesmo. Cantava Sunday Bloody Sunday do U2 no trajeto, mesmo sem conhecer o caminho.

Como Sartre, inventava-me a cada dia. Como Sartre, escolhia a vida em todas as circunstâncias. Como Sartre, era mais do que aquilo que fazia a mim própria. Como Kafka, acreditava que de um certo ponto adiante não havia mais retorno. Esse era o ponto que devia ser alcançado.

Penso que se hoje Sartre fosse convidado para analisar as orientações sobre como fugir do perigo das organizações modernas ou como elaborar um guia de sobrevivência, após ENEM, provavelmente, passaria por algo semelhante a santa inquisição, quando pronunciasse a frase: “Nunca se é homem enquanto se não encontra alguma coisa pela qual se estaria disposto a morrer”.

Hoje, depois de duas décadas, reconheço que tive momentos em que comecei a levar em consideração sonhos alheios, remodelei a roupa folgada, comi pizza do dia anterior, engoli o famoso choro no banheiro, insisti em projetos que não me asseguravam o bem-estar, nem por um ano, e passei a não acreditar em projetos que durasse mais que uma vida.

Não tenho dúvida que vivi em um período de impulsos, de mudanças, de desejos ou mesmo de interrogações quanto ao futuro. Nessa época, caminhei na roda de que todo mundo busca o roteiro de vários caminhos ou salvações, independente de se chegar a algum lugar ou mesmo de se debater filosoficamente com os caminhos de inspiração aristotélica.

Como se a supremacia da vida fosse dividida em episódios de reality show, procurava as saídas milionárias, sem muito esforço. Todavia, fico me perguntando quando tudo mudou e me deparo com Zygmunt Bauman, sociólogo polonês, que vem inserindo na contemporaneidade uma avaliação sobre o mundo pós-moderno a partir da sociedade fragmentada em que coloca que “para cada ser humano, há um mundo perfeito, feito especialmente para ele”.

Por um lado, para Bauman, qualquer um tem que criar a sua identidade, visto que ninguém herda identidade ou posicionamento político. Sendo que na atualidade, é razoável lembrar que os estilos e formas de vida tentadoras mudam tantas vezes que não podemos dizer qual dessas mudanças será a mais duradora.

E, assim, nos comportamos na nova casa, no novo curso e até na nova profissão, após a aposentadoria, que já começa a ser sonhada no ENEM. Sobra pouco espaço para o médico que clinica no mesmo consultório há cinquenta anos e que nunca pensou sobre o que não seria.

Sob esse prisma, percebo a existência de sentimentos demais para poucas definições que envolvem o conceito de modernidade líquida, como uma fragmentação da sociedade e a perda da necessidade de um projeto de vida para ser feliz.

Por outro lado, Edgar Morin, filósofo, em certa ocasião comentou que com o passar da idade, ele não perdia as suas motivações, mas sim perdia as suas ilusões. Ao pensar em Morin, percebo que cada vez mais as pessoas duvidam que tenham pleno controle de seus sonhos à medida que são capazes de passar uma vida sem desvendar as rotas e caminhos mais complexos.
Talvez a incapacidade do Estado moderno em assegurar o bem-estar da sociedade, por meio de saúde, emprego e outras condições necessárias à autossuficiência humana, tenha refugiado no “Caminho”, evidenciado por Morin, quando “o presente é conflituoso e o futuro é desesperançoso”, tendemos, enfim, a nos refugiar e nos fechar no passado, ou seja, aceitando a “decadência da democracia” ou “desabamento da esperança”.

Penso que não é nenhum grande ato que desperta a perda motivação, mas, apenas, se olhar no espelho e não se perceber refletido da mesma maneira. No cotidiano, semelhante a um jogo de xadrez, às vezes é preciso recuar depois de uma jogada sofrível para se recuperar e conseguir avançar em um momento posterior. Escolher o caminho mais fácil nunca será a completude da conquista da rainha.

Esse final de semana, enquanto presenciava os vários depoimentos de mães do ENEM no facebook, decidi assisti ao filme “Aqui é meu lugar”, cujo protagonista é levado a questionamentos do tipo: “Há algo de errado aqui. Não sei o que é, mas há algo de errado”.  E, pensei que mesmo que os amigos mudem, que o planeta se refugie, que as estações se despedacem, que a esperança  não seja  uma  certeza, ainda, assim, poderemos escolher o caminho.
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Luciana Santa Rita