O inesperado que chega sem convite


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“[…]O inesperado surpreende-nos. É que nos instalamos de maneira segura em nossas teorias e ideias, e estas não têm estrutura para acolher o novo. Entretanto, o novo brota sem parar. Não podemos jamais prever como se apresentará, mas deve-se esperar sua chegada, ou seja, esperar o inesperado.E quando o inesperado se manifesta, é preciso ser capaz de rever  nossas teorias e ideias, em vez de deixar o fato novo entrar à força na teoria  incapaz de recebê-lo. (MORIN, E.  Os sete saberes necessários a educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002. p.30).

Nesse último carnaval, entendi que o inesperado é jurado de escola de samba, diria um protegido de Deus que assiste tudo de camarote; está sempre um passo a frente na bateria da escola de samba e ultrapassa o obituário em vida. Talvez não se permita ser ator coadjuvante ou ser medido, simplificado, pois “deve se isentar de emoções e de paixões, exercendo, sempre, um distanciamento crítico”, conforme o livro cedido aos jurados pela Liga Independente das Escolas de Samba -Liesa.

Durante o julgamento do desfile das escolas do Rio de Janeiro, pensei no impacto da coletividade de planejar e afirmar sobre o que vai ou não acontecer, principalmente quando se pensa que tudo que deveria ser feito, foi metodicamente realizado. Depois, analisando os comentários dos diretores das escolas que não alcançaram o primeiro lugar, pensei o porquê de tantas justificativas para notas tão próximas a 10. Logo, pensei sobre a dificuldade que temos em aceitar o inesperado. Percebi que mesmo entendendo a possibilidade do caos, das rupturas e das perdas, a coletividade sempre entra em confronto com a lógica de que os acontecimentos podem ser predeterminados.

De um lado, quando o inesperado vira astro, é sempre a referência, dono da liberdade e dos protocolos. Decide em plena liberdade dos seus direitos, e na surpresa, sem perguntar se existe a preparação da vida para o fato, surge como um vulcão. Por outro, acredito que ninguém erra indevidamente ou algo acontece de forma aleatória. Talvez aceite o clichê: apenas não é para ser.

Fernando Pessoa já dizia que “tudo o que chega, chega sempre por alguma razão”. E claro que tudo o que não acontece ou que se vai, deve ter mais de uma razão. Não acontece, apenas porque está do lado errado da calçada ou porque perdeu a natureza do passo, atrasou o carro, perdeu a intimidade da alegria, o rumo e se perdeu dentro de si mesmo. Mas quando o inesperado se manifesta, pede-se licença para o tempo necessário; seria a necessidade de ser mais que o passado.

Não penso em certezas, tipo o poder das trevas, mas, as vezes, acho o novo errado ou mesmo não concordo em vários pontos. Quando tenho essa sensação, um vácuo é aberto em mim diante da impossibilidade de concretização de algo que desejo. Então começo a pensar que, diante das ondas da fatalidade, seja necessário entender que vida é dialética e a realidade um processo.

E por isso, os imprevistos nem sempre podem ser evitados ou mesmo nem sempre será possível nos submetermos apenas aos nossos sonhos.Talvez o controle da vida não esteja à disposição na rota de coalizão. Acho que isso passa por vermos aquilo que a nossa crença diz ser possível, sem dar bola para a fatalidade, causalidade ou acontecimentos e energias que podem estar alinhados ou não ao nosso destino.

Não entendo como atuar sobre o tempo, mesmo que perceba algo que tenha potencial de acontecer pelo esforço individual ou coletivo. Lembro-me de uma análise de Joseph Schumpeter, no livro Capitalismo, Socialismo e Democracia que pontuava que a maior parte das criações da inteligência ou da fantasia desaparece para sempre, em um espaço de tempo que pode variar de uma hora a uma geração.

Nessa direção, mesmo que existam situações particulares do livre arbítrio, evitando o que seja imutável, nem sempre as nossas crenças ou realidades serão como a casca dourada e inútil das horas exatas. Mesmo com outras certezas, porém, tal não acontece. “Sofrem eclipses, é certo. Mas ressurgem”. E ressurgem, não como elementos irreconhecíveis da herança cultural, mas com roupagens e cicatrizes próprias, que podem ser vistas e tocadas.  Isso pode ser a razão do conhecimento e do novo.

Penso que o pior que se pode acontecer seja colocar o inesperado debaixo da porta, quando nos surpreende pela dificuldade de defini-lo e usamos a fábula de Esopo “O Pastor e o Lobo”, em que sempre é possível abusar de uma palavra, falar o que vai fazer, o que não se fez ou que tudo tem o seu tempo.  Pode ser ou não que esta convicção seja uma ponte para o rio.

Desejos podem germinam ou liberar vibrações negativas ou positivas. Desejo pode definir a identidade, mas toda resolução tem um preço. E quem sabe elaborar uma nova listinha de sonhos para a vida tem muito a ver com a maneira que cada um se propõe a recomeçar. Vou simplificar a questão comparando aos “supostos benefícios” da vingança. Parodiando Mark Twain: “E aqui reside o defeito da vingança: tudo se resume na antecipação; a realidade em si não é a dor, não prazer; pelo menos a dor é o fim de tudo”, Ou seja, a vingança não aplaca as emoções, assim como água salgada não sacia a sede.

Entendo que as pessoas que são capazes de mudar a percepção do inesperado, podem ser também capazes de melhorarem a sua capacidade de ação na meta. F. Dostoievski não estava greek quando disse que o homem é um animal maleável, que se acostuma a tudo, pois o princípio da adaptação sempre serve, após o caos.

E não incorporar o inesperado pode ser a cessão do espaço para que a “vitimização seja a escolha”, mas também ideologia. Isso não seria discordar do esforço, mas agir com racionalidade no que coloca Luiz Fernando Veríssimo: “Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando… Porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive, já morreu…”.

E no fim, mesmo que os desejos  não tenham sido executados, tudo é semelhante a roda viva, basta apenas continuar girando. E não entender o inesperado, é boicote, apenas isso.

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Luciana Santa Rita