Perdidos no espaço

No mundo extra construído de hoje a arquitetura e os arquitetos jogam em uma posição ambígua. Com uma mão assinam discursos de preservação e com outra promovem a barbárie construindo sem piedade. O mercado, é a boa desculpa. Mas, porque esse deus sem cabeça (o mercado) é tao invocado para justificar tudo?

Uma seção de arquitetura em uma revista eletrônica deveria ser algo que pudesse ser definido como um recanto onde a beleza e a harmonia fossem as patroas de casa. Deveria. Deveria ser também o espaço para se conhecer as novidades do setor, as ultimas tendências e boas noções de como combinar as cores das cortinas. Deveria. Deveria ser um oásis pleno de idéias geniais e originais em meio ao mar de obviedades da rede. Pode até ser, mas não somente.

Nossa revista se arroga o direito de ousar e buscar nos sótãos da memória duas características humanas que se estão perdendo nessa nossa civilização da imagem e da aparência: o pensar, com suas ativações de nossas áreas racionais e o ser selvagem, ou ao menos, a consciência de nossas origens e direcionamentos naturais. Dois motores de nossas ações, que como disse, estão perdendo potência para a imitação ignorante que nega, seja a nossa capacidade de elaborar as ações que aquela de sentir profundamente a experiência. Nesse mundo de autômatos consumidores contentes, vamos tentar tratar criticamente essa que é das atividades humanas mais antigas.

A Arquitetura e de conseqüência os arquitetos tem uma enorme responsabilidade por uma série imensa de problemas, da alienação induzida por cidades anódinas e sem alma aos danos ao meio ambiente, sem contar a infinita série de monstros de concreto, vidro, aço e o quanto mais que tentam nos fazer convencer que são maravilhas da arte e da técnica. A cultura está assimilando coisas, verdadeiros mastrogúlios, que a partir de exigências de mercado – leia-se “interesses particulares”- tem como única e exclusiva vantagem a de proporcionar lucros astronômicos a quem projeta e a quem vende. Estamos engolindo como natural e belo o que outros determinaram que o são, sem que isso corresponda minimamente a uma realidade, -no quanto essa possa ser definida e medida como tal- e ainda pagamos caro por isso.

Quem chegou até esse ponto deve ter tido algum pensamento do tipo: vai ser a seção mais deprê e baixo astral da revista. Não. A idéia não é apontar o dedo e acusar simplesmente e fazer discursos fáceis de critica pela critica, até porque quem aqui assina faz também parte do clube. Não vamos também tentar demonizar a categoria dos arquitetos, até porque temos uma realidade onde se arvoram a projetar do engenheiro ao técnico, quando não, os curiosos e entendidos de plantão. Qualquer um que compre as revistinhas de editorial publicitário, se julga capaz de organizar o habitat humano. Se culpas em toda essa babel os arquitetos têm, essas são as da omissão e da desunião.

Por isso vamos orientar a seção para a busca, a investigação. Vamos procurar o fio da meada. Onde foi que nos perdemos? Porque produzimos determinado tipo de espaço construído e não outro. Em outras palavras, não gostamos muito do mundo como se apresenta, nos incomoda participar dessa festa triste e autodestrutiva e vamos tentar ao menos entender como se poderia mudar um pouco tudo isso. Nesse sentido, queremos fazer as vezes daquele que orienta um debate mas não exclui nada a priori. Isso quer dizer que se julgamos o projeto algo de muita responsabilidade, por outro lado cremos que não somente arquitetos devem ou tem a prerrogativa de falar da e discutir a arquitetura. Não somente desejável, mas posto o que foi exposto, indispensável a participação de quem quer que seja que sofra os efeitos dessas verdadeiras armadilhas em que se transformaram os espaços edificados, sejam os projetados que os não.

Volto a afirmar, vamos falar da beleza sim, também, que ela ainda, por sorte, existe. Na nossa busca, iremos encontrar as pérolas, sem duvida e seria de se suicidar se não se fizessem ver. Nosso objetivo é o de dar instrumentos intelectuais de reconhecimento e análise, onde se evitar julgamentos apressados com doses de inconsciência de determinados problemas. Nos dias que correm, é muito fácil considerar algo belo e significativo mais pela ignorância difusa que pelos atributos intrínsecos da obra. Isso ocorre com a música, o cinema, as artes em geral, com a arquitetura não seria diferente.

Não se pretende dizer com isso que possuímos qualquer coisa que se assemelhe à verdade absoluta e todos os outros são ignorantes. Estamos simplesmente buscando hà mais tempo mas isso não representa que estamos mais quentes ou mais frios, como na brincadeira da infância. Temos somente a pretensão de oferecer um olhar a partir de ângulos diversos dos tradicionais para quem sabe obter uma luz do debate que venha a se gerar.

A arquitetura está por tudo que é lado, nos abraça, as vezes nos sufoca; é presente em quase todos os segundos da vida de um ser humano. Essa presença assim prepotente, nos causa tolerância, assim como ocorre com quem consome fármacos ou drogas. Todo tratador de cobras faz um percurso de tolerância do veneno, sendo inoculado com doses sempre maiores, até poder ser mordido pela mais peçonhenta víbora, sem grandes conseqüências. Até mesmo para consumir alimentos devemos nos habituar gradualmente. Ninguém pensaria em fazer churrasco com molho apimentado e cerveja para servir aos recém nascidos na maternidade. Essa nossa tolerância em relação aos espaços artificiais pode e deve ser questionada. Consumimos estes espaços, que mais artificiais não podem ser, como algo natural e na verdade estão muito longe disso.

Na nossa reflexão, vamos tratar portanto a arquitetura como uma das atividades mais importantes e multifacetadas da vida civilizada. Vamos tentar analisar as suas implicações do ponto de vista estético, cultural, paisagístico, técnico, psicológico, ambiental, político, econômico e quem tem mais que ponha. Uma tarefa hercúlea, que pode ter como metáfora o pintor solitário que pinta uma catedral. Quando ele chega na metade, a parte pintada já está velha. Um trabalho infinito e sempre incompleto. Mas ele, o pintor, tem que estar lá. A grande catedral seria insuportável sem aquele pequeno e obstinado intervento.

About the author

Flavio Prada

Flavio Prada, brasileiro vivendo na Itália se se olha do norte para o sul ou italiano nascido no Brasil se, ao contrario, se se olha vice versa. Duas culturas, que no final são meio a mesma coisa, idênticas ainda que muito diferentes. As espirais concêntricas de múltiplos raios das contradições e paradoxos dessa sua vida medíocre e surpreendente. Arquiteto, designer, quase músico, meio desenhista, um pouco pintor, contador de histórias em horas vagas, ex-publicitário, ex-fumante, ex-magro, ex-patriado. Visionário de pés no chão, não sabe até hoje o que fazer da vida, nunca havia vivido antes. Diz sempre que trocaria tudo para ir se dedicar à terra, mentindo de forma deslavada, mas todos acreditam e concordam, ninguém sabe o porque. Suas únicas publicações foram caricaturas e tirinhas para jornais do interior de São Paulo e Florianópolis, tanto tempo faz que é melhor não tocar nesse assunto. Hoje, entre projetos de loteamentos, casas e edifícios, se dedica a escrever. Seu estilo é indecifrável, muda com o vento, mas tem sempre a ironia a permear tudo, um traço de italianidade que a brasilidade só veio reforçar. Procura sempre esconder suas verdades sob camadas de banalidades e consegue sempre, até hoje não foi descoberto. Nem pelos seus poucos leitores do defunto blog “Lixo Tipo Especial”, que aliás continua on line e abandonado. Flavio pensou em deleta-lo muitas vezes e se ainda não o fez, foi só pra provar a si mesmo que não tem caráter. Como se fosse necessário ter que provar isso…para si mesmo. Para o futuro faz planos muito modestos, como continuar respirando, por exemplo. Pretende viver desse modo até o dia que morrer, então deverá parar. Paciência.