Crítica By Augusto Maurer / Share 0 Tweet Há uma briga boa em andamento em blogs do OPS! e além de suas fronteiras, acerca da liberdade de expressão na internet, a propósito de uma ação judicial movida por Leticia (sem acento) Wierzchowski contra Milton Ribeiro, a propósito de uma bem humorada crítica deste à obra literária daquela. Normal 0 21 false false false MicrosoftInternetExplorer4 Normal 0 21 false false false MicrosoftInternetExplorer4 Normal 0 21 false false false MicrosoftInternetExplorer4 Uma briga boa, com direito a boas risadas, vem se propagando com ímpeto crescente há vários dias em blogs do OPS! e além. Trata-se de uma reação em cadeia de segmentos literários independentes em solidariedade a Milton Ribeiro, processado judicialmente por Leticia (sem acento) Wierzchowski, ofendida com o teor da crítica a sua obra publicada pelo primeiro. Desde o momento em que Milton decidiu publicar em seu blog cada lance do hilário processo, se acendeu um amplo, profundo e, principalmente, cômico debate acerca de sua questão fundamental – a saber, os limites da liberdade de expressão em espaços virtuais. Os dois primeiros posts de Milton, informando sobre o ocorrido e, mais tarde, a pedido de comentadores, disponibilizando a íntegra da inicial apresentada à justiça pelo representante de Leticia (sem acento) – emblematicamente o mesmo que impediu a circulação de uma biografia não autorizada de Roberto Carlos – desencadearam uma enxurrada sem precedentes de veementes comentários, além de inspirados posts solidários em outros blogs. Não sou dado a textos curtos sobre atualidades. Se ora interrompo a feitura de um há muito acalentado ensaio relacionando as músicas de Brahms e Elvin Jones, é por que com estas linhas quero, além de trazer à página inicial do OPS! o interessantíssimo debate sobre os limites da crítica levantado por Milton, instado por Leticia (sem acento), principalmente chamar a atenção para importantes nuances que afloraram, ainda que em tom despretensioso e jocoso, em alguns dos numerosíssimos comentários desencadeados pelos posts iniciais de Milton acerca do processo em que é citado como réu. Entre os comentários ao primeiro post, a certa altura Taís (com acento) traz à baila uma crítica, esta sim demolidora, ao romance farroupilha de Leticia (sem acento) publicada anos antes na revista Aplauso, sagazmente perguntando se a autora “processa todo mundo que publica uma crítica mais, assim, divertida”. Já sobre o post do dia seguinte, em que Milton publica e comenta a petição inicial do advogado de Leticia (sem acento), Cassionei Petry agrega detalhes sobre a referência e reitera a questão levantada por Taís (com acento) com as palavras “Em fevereiro de 2003, na Aplauso, Marcelo Backes escreveu uma crítica destruidora chamada “A casa das sete Letícias” (com acento), elencando dezenas de problemas no romance. Será que ele foi processado também?”. No lance seguinte, Idelber Avelar republica em seu blog, sob licença do autor, a brilhante crítica de Marcelo Backes ao romance de Leticia (sem acento). Respondendo à interessante questão levantada por Taís (com acento) e Cassionei, penso que o fato de Leticia (sem acento) ter processado Milton por muitíssimo menos do que dissera Backes anos antes – a quem, ao que nos consta, poupou de retaliações judiciais – se deva, fundamentalmente, às naturezas distintas das mídias em que circularam, a seu tempo, cada um dos dois textos críticos. Noutras palavras, tudo se resume à penetração e permanência das idéias veiculadas em cada meio. A publicação impressa Aplauso possui perfil e circulação locais, restritos à comunidade cultural gaúcha, de sorte que, de qualquer conteúdo ali publicado, se pode bem esperar o rápido esquecimento. Ao contrário, tal já não sucede com o mesmo conteúdo quando transposto para a Internet, onde terá repercussão tão mais exponencial quanto mais polêmica for sua natureza e maior seu potencial para atiçar paixões e ideais. Ao processar apenas o autor da crítica à sua obra veiculada na internet e não o daquela impresssa na revista, Leticia (sem acento) dá claros sinais de ter plena consciência desta importante distinção. Ao iniciar estas linhas, prometi a mim mesmo não exceder o espaço necessário à explicitação da idéia acima. Não resisti, todavia, a deitar, ainda, por aqui, umas poucas breves reflexões sobre o divertido e instrutivo, ainda que lamentável, episódio. Simplesmente não consigo associar a espirituosa corruptela Viershoschoten a qualquer conotação misógina, a mim sugerindo o termo, antes, uma imagem grotesca que poderia igualmente se revestir de um sentido metafórico alusivo à fertilidade e à sexualidade feminina. Não cabendo aqui, todavia, nos aprofundarmos na análise desta sorte de simbologia, sugiro a Leticia (sem acento) e seu representante, como referência para que se ilustrem acerca da mesma, a monumental obra de Mikhail Bakhtin A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento – o Contexto de Rabelais. Posso, por outro lado, lhes assegurar que a expressão Viershoschoten não traduz qualquer preconceito racial ou machista, ou ainda agressão pessoal a Leticia (sem acento), se devendo, antes, à refinada e por vezes escatológica índole satírica de Milton, frequentemente manifesta em sutis (ou por vezes nem tanto) jogos de sentido na transposição de vocábulos de um idioma para outro, como no hilário post Pagam para a minha mulher fazer chuchotage (e ela gosta), dedicado a sua amada Claudia. Quem pode, depois de sua leitura, em sã consciência insistir na absurda tese da misoginia de seu autor ? Outra questão recorrente em vários comentários é a de por que Leticia (sem acento) não teria lançado mão de meios virtuais para se posicionar ante o discurso de Milton. Apelando, ao invés, ao braço forte da lei, evidencia reconhecer a insustentabilidade, perante o indelimitável e, portanto, imponderável auditório virtual, de qualquer defesa argumentativa em favor da qualidade de sua prosa. Ora, a blogosfera se constitui hoje no espaço ideológico democrático por excelência justamente por garantir, através do amplo recurso ao expediente do comentário, o estatuto do direito de resposta. Isto quer dizer que, na web, toda fala traz necessariamente em seu bojo uma resposta em potencial, sepultando, com isto, o monologismo (ainda pensando em Bakhtin) que por muito tempo predominante em circuitos comunicativos das mais diversas áreas. Deste modo, a recente migração de quem procura notícias e outras informações dos conglomerados de mídia para os blogs e outros canais autorais também pode ser entendida como outro fenômeno deste mesmo complexo. Neste contexto, impressiona a unânime reprovação da prosa leticiana expressa na TOTALIDADE dos comentários aos posts sobre o processo, nclusive naquele único que, ao reprovar o discurso crítico de Milton em comparação ao de Backes – e validando exemplarmente, ao fazê-lo, o pressuposto do direito de resposta inerente às comunidades virtuais e estranhamente não invocado por Leticia (sem acento) – permanece, no entanto, ao reconhecer o mérito da resenha backiana, consoante ao coro de reprovação à obra da escritora. Sublinhe-se, ainda,o fato de vários comentaristas virem a expressar e compartilhar, ensejados pela polêmica desencadeada a partir da demanda reparatória judicial de Leticia (sem acento), opiniões desfavoráveis à obra da autora que até então guardavam apenas para si, possivelmente intimidados diante do pedigree literário ostentado pela autora (vide o carteiraço de abertura da inicial). Tem-se, com isto, que, num balanço, a cômica petição protocolada pelo pitbull da escritora (e de Roberto Carlos) deve tirar muito menos sono de Milton do que, em contrapartida, da própria reclamante (ou seria demandante ?), a julgar pela súbita e crescente evidência dada à mediocridade de sua literatura, que até então jazia num relativo e providencial ostracismo, após a instalação do divertido imbroglio. Ao final, seja qual for a inclinaçãoo do olhar do juiz sobre isto tudo – pois me pergunto, a estas alturas, o quanto segmentos mais ilustrados e espirituosos da magistratura não desejariam arbitrar esta disputa – e o conseqüente impacto do mesmo sobre o bolso do Milton, disto tudo resultarão certamente, pelo menos, algumas lições importantes, a saber, ao Milton, que poupe de seu aguçado sarcasmo o sobrenome alheio, pois é impossível ponderar, afinal, a magnitude das forças ancestrais a pesar, a estas alturas, sobre os ombros da pobre Leticia (sem acento), a lhe clamar a lavagem da honra genealógica; a Leticia (sem acento) que, enquanto não domine melhor os rudimentos dos vernáculos de Camões, Cervantes e quem demais lhe aprouver, melhor que, em nome de seus louros literários, mantenha distância segura da crítica livre que habita a Internet, muito além dos domínios dos impérios midiáticos a que serve e que a servem. Se não bobear, ainda pode se livrar de pagar um orangotango – já que, dadas as circunstâncias, um micão configuraria coisa pouca – simplesmente retirando sua queixa.