Carl Nielsen – Concerto para Clarinete


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"Nielsen libertou o som do clarinete – não só o aspecto selvagem, mas também um tipo especial, quase cruel, de poesia (…) uma força primordial, rude e telúrica, mesclada com uma suavidade ingênua, bem dinamarquesa…"

Este pequeno ensaio se propõe apresentar um guia de escuta para esta obra instigante; e, muito especialmente, estimular os leitores d’OPS a abandonarem o aconchego de seus lares e a frieza onanística de seus tocadores de CD, e virem conferir a obra ao vivo! Na próxima terça-feira, às 20:30, no (ainda) Teatro da OSPA.

Carl Nielsen – Concerto para Clarinete

I Guia de Escuta¹

Uma melodia afirmativa, de traços simétricos, soa nas cordas graves; logo é imitada, uma quinta acima; o clarinete se encarrega da terceira entrada, já iniciando um processo de variação.

Esta introdução em fugato é a primeira e última coisa “acadêmica” que se vai ouvir nesta peça, cuja arquitetura formal é no mínimo incomum. O motivo inicial, entretanto, voltará, muitas vezes; algumas delas um pouco disfarçado; em outras, só restará dele o gesto e o ritmo, os intervalos serão outros.

São aprox. 23 minutos de música, sem interrupção. Consigo reconhecer aquilo que seria um “1º movimento em forma-sonata” – que ocupa o primeiro terço ou aprox. 8 min da obra – com 1º e 2º temas, uma longa cadenza, e uma reexposição naturalmente pouco convencional. Depois vem algo que lembraria o “Adagio”, ou movimento lento típico, de concerto.

A partir daí, as referências às formas clássicas se esvanecem mais e mais; tentar escutar desta maneira pode ser frustante e enganoso, melhor se deixar levar pela fantasia impulsiva mas segura do mestre dinamarquês… é como se fosse uma mistura de scherzo com finale, com pitadas de adagio cantabile, entrecortada por momentos solísticos do clarinete, que incluem diálogos (geralmente aos gritos!) com a caixa-clara, e mais um espetacular cadenza.

As mudanças de andamento são numerosas, certamente um desafio musical para regente & orquestra, na sua interação com o solista (essas coisas precisam de tempo para amadurecer; e tempo é algo que normalmente não abunda no calendário das orquestras).

Poder-se-ia esperar que vinte minutos de música não exatamente fácil de digerir fossem coroados com um gran finale. Não é o caso… Nielsen certamente não andava atrás de aplauso fácil. Após a última cadenza, segue-se um breve retorno à atmosfera agitada da seção central; depois, os sentimentos tempestuosos vão se apaziguando, pouco a pouco. Mas não de uma vez; as idas e vindas emocionais fazem lembrar Mahler. A caixa-clara se manifesta uma última, porém contida, vez. Os últimos compassos lembram a lógica geométrica do início. As notas parecem ser atraídas magneticamente a se combinarem em intervalos puros, consonantes: após muita luta e conflito, chegamos a Fá maior – a mesma tonalidade do início.

II Histórico²

Carl Nielsen tem uma relação especial com os instrumentos de sopro – enraizada em sua história pessoal – e se pode dizer que os instrumentistas de sopro também têm uma relação especial com a música dele!

O Concerto para Clarinete foi o segundo de uma planejada série de cinco concertos, um para cada instrumento do quinteto de sopros clássico: flauta, clarinete, oboé, fagote, e trompa. Nielsen já havia composto seu Quinteto de Sopros op. 43 – provavelmente sua mais importante obra camerística – e ficado muito impressionado com a interpretação do Quinteto de Sopros de Copenhague – daí a motivação para o projeto.

Lamentavelmente, Nielsen só conseguiu compor os dois primeiros concertos da série, que, junto com o Concerto para Violino (bem anterior: 1911), permaneceram suas únicas obras do gênero.

O Concerto para Clarinete foi composto em 1928 e estreado pelo dedicando, Aage Oxenvad. O conteúdo emocional da peça teria relação com a personalidade “irascível” de Oxenvad – que teria resmungado a respeito da ”habilidade” do compositor de usar, “sistematicamente, as notas mais difíceis do instrumento”.

E de fato: a sonoridade do clarinete nesta obra é muito diferente e distante da sonoridade típica do clarinete romântico tardio. Brahms é visto por alguns como o maior modelo de Nielsen, e é autor de algumas das obras mais significativas do repertório do instrumento; no entanto, acho que não é exagero dizer que o “clarinete de Nielsen” está mais próximo do “clarinete de Messiaen”, quase que antecipando um pouco o grande compositor francês, que também ajudou a reinventar o instrumento.

Este trecho de um comentário contemporâneo acerta em cheio, a meu ver; ao lê-lo, sei que o autor está falando da sonoridade do clarinete nesta peça, mas não posso deixar de pensar que a descrição se aplica, quase que totalmente, ao próprio compositor:

“(…) ele (Nielsen) libertou o som do clarinete – não só o aspecto selvagem, mas também um tipo especial, quase cruel, de poesia (…) a sonoridade de Oxenvald combina com trolls e gigantes, e ele tem alma; uma força primordial, rude e telúrica, mesclada com uma suavidade ingênua, bem dinamarquesa…” ³

Quando, quem, onde

Nesta 3ª-feira, às 20:30, naquele que (até junho) ainda se chama Teatro da OSPA.
Solista: Samuel Gomes de Oliveira
Regente: Osman Gioia

completam o programa a Suíte nº 2 da Carmen de Bizet e a Sinfonia "Italiana" de Mendelssohn

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1 Este modesto guia foi elaborado a partir da escuta da gravação da obra, sem auxílio da partitura. Da percepção do autor (deste texto), para a palavra escrita, carregando a intenção de que essas palavras provoquem num presumido leitor o desejo de ter, ele mesmo, a intransferível e insubsituível experiência musical viva.

2 O próximo ensaio deverá tratar da vida & obra de Carl Nielsen de maneira um pouco mais aprofundada.

3 Extraído de http://carlnielsen.dk/pages/the-society/about-us.php .

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Artur Elias