820 anos em 15

Thomas Malthus escreveu, em 1798, que a população tendia a crescer mais do que a economia se não houvesse “cheques positivos” para evitar a multiplicação das pessoas. Por “cheques positivos”ele entendia as guerras, a fome e a miséria. Malthus – que era contra o uso de métodos contraceptivos – considerava que só a alta mortalidade poderia interromper o crescimento populacional.

Contudo, os dados mostram que tanto antes, mas principalmente depois das previsões pessimistas do pastor inglês, o crescimento da economia, em média, sempre foi maior do que o crescimento populacional.

Segundo cálculos de Angus Madisson, entre os anos 1000 e 1820 o PIB mundial cresceu 6 vezes e a população cresceu cerca de 4 vezes. Em consequência, ao contrário do que analisou Malthus, a renda per capita mundial cresceu 50% (ou 0,05% ao ano) em 820 anos. Foi um crescimento pequeno, mas positivo.

A população mundial estava em torno de 1 bilhão de habitantes por volta do ano 1800 e o economista pessimista achava que a única forma de controlar a população era manter um salário de subsistência para que a mortalidade mantivesse a população sobre controle.

Contudo, após as Revoluções na Inglaterra (Revolução Gloriosa) nos Estados Unidos (Indepedência em 1776) e na França (queda da Bastilha em 1789) o mundo começou um processo de desenvolvimento que se refletiu em um aumento do crescimento econômico e populacional, sem precedentes no mundo.

Durante a primeira Revolução Industrial, entre 1820 e 1870, o crescimento da economia mundial passou para 0,93% ao ano e a população para 0,4% ao ano. Como consequência a renda per capita aumentou para 0,53% ao ano, rompendo com a quase estagnação dos oito séculos anteriores. Contudo, este aumento foi apenas um prenúncio de crescimentos ainda maiores.

Com a segunda Revolução Industrial (quando se inventou o aço, o motor a combustão, o automóvel, o avião, o telefone, o cinema, etc.) o crescimento do PIB mundial passou para 2,11% ao ano e o crescimento da população subiu para 0,8% ao ano. Em consequência, a renda per capita apresentou um crescimento de 1,31% ao ano, entre 1870 e 1913.

Com a ocorrência das duas grandes guerras mundiais, a economia reduziu o ritmo de crescimento entre 1913 e 1950. Mas o ritmo de crescimento da população continuou crescendo e provocou uma redução da renda per capita mundial em relação ao período anterior.

Após o fim da Segunda Guerra, com a criação da ONU e dos organismos multilaterais, em Bretton Woods, o mundo aproveitou a onda de inovações tecnológicas (inclusive com a redução das taxas de mortalidade) e apresentou as maiores taxas de crescimento da economia e da população de toda a história da humanidade. O crescimento da renda per capita no período 1950-1973 foi de 3% ao ano, ritmo que possibilita que o poder de compra médio dos cidadãos dobre a cada 25 anos e multiplique por 16 vezes, no curto espaço de um século.

A crise do petróleo dos anos de 1970 e a crise da dívida externa de muitos países em desenvolvimento fizeram com que as taxas de crescimento econômico diminuíssem ao mesmo tempo em que a transição demográfica se espalhava pelo mundo. Porém, mesmo com a redução, o ritmo de crescimento da economia e da população foi o segundo maior em todo o milênio, pois o PIB cresceu 3,05% e a população 1,62% ao ano, com aumento anual de 1,43% na renda per capita entre 1973 e 2001.

No início do terceiro milênio a economia voltou a acelerar o ritmo de crescimento enquanto a população continuou a desacelerar seu ritmo. Consequentemente, a renda per capita voltou a apresentar elevado crescimento. A estimativa é que o produto por pessoa cresça a 2,6% ao ano entre 2001 e 2015. Para se ter uma idéia da dimensão da situação atual, o crescimento da renda per capita deve ser de aproximadamente 50% entre 2001 e 2015, o mesmo crescimento da renda per capita dos primeiros 820 anos do segundo milênio. Parafraseando o lema de JK: o mundo deve crescer 820 anos, nos atuais 15 primeiros anos do século XXI.

Estas médias mundiais mostram que a população não foi, em geral, um entrave ao crescimento econômico e que o desenvolvimento científico e tecnológico foi fundamental para o crescimento do poder de compra da população mundial. Mas os dados desagregados por países mostram que o segredo do aumento da renda per capita e da qualidade de vida dos cidadãos foi maior nos países que conseguiram reduzir o ritmo de crescimento da população – inclusive aproveitando as vantagens da mudança da estrutura etária – ao mesmo tempo que aceleravam o ritmo de crescimento econômico. A China atual é o maior exemplo de país de alto crescimento econômico e de baixo crescimento populacional. Ao contrário, alguns países – como o Haiti – caíram na “armadilha da pobreza” e não conseguiram aumentar significativamente a renda per capita.

Os dados dos últimos mil anos mostram que Malthus estava errado. A população cresceu muito, mas não impediu um crescimento ainda maior da economia. A renda per capita mundial cresceu, assim como cresceu a esperança de vida. Em geral, as pessoas vivem mais e melhor hoje em dia do que há 200 anos. O crescimento da renda per capita nas duas primeiras décadas do século XXI será maior do que nos primeiros 820 anos do segundo milênio.

As previsões catastróficas que Malthus fez quanto ao crescimento populacional não se confirmaram. Mas todo este progresso e sucesso do crescimento demográfico e econômico apresentou seu preço via degradação do meio ambiente (mas Malthus não estava preocupado com as questões ambientais). O crescimento da pegada ecológica e do aquecimento global – não previsto pelo pensamento malthusiano – é o preço que a humanidade está pagando pelo crescimento desregrado.

O modelo de desenvolvimento adotado pela humanidade está ameaçando a biodiversidade e a própria continuidade do ser humano na Terra. É preciso dar um rumo diferente para os próximos mil anos. Não se trata de aumentar as taxas de mortalidade, como propunha Malthus. Trata-se de  garantir a vida (com qualidade) das pessoas, dos animais, das plantas e do Planeta.

Referências:
MADDISON, Angus. Contours of the World Economy and the Art of Macro-measurement 1500-2001. Ruggles Lecture, IARIW 28th General Conference, Cork, Ireland, August 2004
UN/ESA: Population Division of the Department of Economic and Social Affairs of the United Nations Secretariat,  
World Population Prospects: The 2010 Revision, http://esa.un.org/unpd/wpp/index.htm
ALVES, J. E. D. . A polêmica Malthus versus Condorcet reavaliada à luz da transição demográfica. Textos para Discussão. Escola Nacional de Ciências Estatísticas, Rio de Janeiro, v. 4, p. 1-56, 2002. Disponível em:
http://www.ence.ibge.gov.br/publicacoes/textos_para_discussao/default.asp

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José Eustáquio Diniz Alves