América Latina: o patinho feio virou cisne?

Há cerca de 200 anos, a América Latina aproveitou a confusão existente na Europa por conta das Guerras Napoleônicas e iniciou o processo de construção de países autômomos. Inspirados na Independência dos Estados Unidos da América (EUA), os países ao sul do rio Grande, nas primeiras décadas do século XIX, ampliaram o processo de descolonização do continente americano.

O primeiro país a fazer a independência foi o Haiti. Depois vieram México, Venezuela, etc. O Brasil foi um dos últimos e o único a implantar uma monarquia, de sangue e pensamento lusitano.

Nas primeiras 5 ou 6 décadas de independência, os países lationoamericanos se degladiaram em brigas internas, movimentos separatistas, associações internas com interesses imperialistas e luta inter-elite para controlar os destinos nacionais. O resultado foi que a região cresceu menos do que o resto do mundo e ficou para trás em termos de qualidade de vida da população e de avanços no sistema de produção e de educação, saúde, etc.

Mas entre 1870 e 1973, segundo dados de Angus Maddison, a renda per capita da América Latina (AL) cresceu 6,7 vezes (ou 1,8% ao ano) e a renda per capita do mundo cresceu 4,7 vezes (ou 1,5% ao ano). O melhor período de crescimento econômico da história aconteceu entre 1950 e 1973, com a América Latina crescendo a 2,6% ao ano e o mundo crescendo a 2,9% ao ano, liderado pelos países desenvolvidos.

Porém, a crise da dívida interna e o descontrole da inflação jogaram a AL em uma grande crise econômica nos anos de 1980. Na chamada década perdida, segundo dados do FMI, o PIB mundial e também dos países desenvolvidos cresceu a 3,3% ao ano, enquanto a América Latina crescia a apenas 1,5% ao ano. Como a população latinoamericana estava crescendo a 2% ao ano nos anos 80, houve, pela primeira vez em 100 anos, redução da renda per capita em uma década.

Na década de 1990, a América Latina cresceu na mesma média do mundo, com incremento de 3,2% ao ano, enquanto os países desenvolvidos cresciam a 2,8% ao ano. Mas como a população do mundo e da AL estavam crescendo em torno de 1,6% ao ano e a população dos países desenvolvidos a 0,4% ao ano, o crescimento da renda per capita foi praticamente o mesmo. Isto significa que as desigualdades internacionais da renda entre os países permaneceu em níveis elevados.

Contudo, a situação começou a mudar na virada do milênio. Na primeira década do século XXI a América Latina apresentou crescimento do PIB de 3,4% ao ano (2,2% per capita) e os países desenvolvidos 1,6% ao ano (1,3% per capita). O melhor desempenho coube ao conjuto dos países emergentes que apesentou crescimento do PIB de 6,2% ao ano (5% per capita), liderados pela China e pela Índia.

No quinquênio 2011-2015, o FMI aponta um crescimento do PIB de 2,4% ao ano nas economia desenvolvidas (2,2% per capita), de 4,1% ao ano (3,2% per capita) na América Latina e de 6,6% ao ano (5,3% per capita) nas economia emergentes, permanecendo o alto crescimento da “Chíndia”.

Portanto, desde o início do século XXI, a América Latina cresceu e deve continuar crecendo mais do que as economia desenvolvidas, embora menos do que as economia emergentes mais dinâmicas, especialmente aquelas do leste asiático.

Este melhor desempenho econômico tem possibilitado alguns ganhos sociais. Segundo dados da Cepal, a percentagem da população vivendo abaixo da linha da pobreza era de 40,5%, em 1980, e subiu para 48,3%, em 1990, durante a década perdida. Na década seguinte, a pobreza foi reduzida ligeiramente e ficou em 44% no ano 2000 (mas acima do nível de 1980). Ou seja, as duas últimas décadas do século passado foram muito ruins para a América Latina. Porém, na primeira década do século XXI a pobreza na região foi reduzida para o seu nível mais baixo, ficando em 32,1%, em 2010. Evidentemente, ainda é um percentual alto. Mas a boa notícia é que a pobreza na região tem apresentado uma tendência de queda que deve continuar nos próximos anos.

A Cepal também aponta que a América Latina não foi tão afetada pela recessão mundial de 2009, apresentando maior resiliência e retomando com maior rapidez o nível de emprego anterior. As taxas desemprego também apresentaram declínio durante o ano de 2010. Juntamente com o aumento dos gastos sociais, houve melhoria da qualidade de vida da população e redução das desigualdades. A América Latina continua sendo uma das regiões mais desiguais do mundo, mas possui uma renda per capita superior à media da África e da Ásia e superior à da China e da Índia.

Por tudo isto, existe um certo otimismo quanto ao futuro da AL, que tem perpassado tanto os pensadores de direita, quanto de esquerda. Segundo Raúl Zibechi, analista internacional do semanário Brecha de Montevidéu, docente e investigador sobre movimentos sociais na Multiversidad Franciscana de América Latina, considera que a ação de governos progressistas mudou o rumo da AL: “Em muitos sentidos, a primeira década do século XXI é a contracara da última do século XX. A lista de mudanças é tão longa, quanto transcendente. Resta saber se se trata de um parêntesis ou de um novo começo. Em todo caso, a região não voltará a ser o que foi”.

A América Latina também é estrela no Fórum Econômico Mundial (WEF), de Davos, edição 2011. Segundo diversos analistas, nos anos vindouros teremos “a década da América Latina”. O entusiasmo com a região é tão visível que o wef quer transformar a reunião de 2012 no “ano da América Latina” em Davos. Além disto, um país da região vai sediar a próxima Copa do Mundo de Futebol e a Olimpíada de 2016.

Evidentemente, todo este entusiasmo não tocou nas questões ambientais (e foge do escopo deste artigo). Mas, sem dúvida, existe algo de novo acontecendo e que precisa ser melhor compreendido em toda a sua complexidade.

Será que dá para dizer que o patinho feio está virando cisne?

 

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José Eustáquio Diniz Alves