As crises ideológicas do capitalismo ocidental e o “socialismo de mercado”

O capitalismo do Ocidente tem sido moldado pela disputa ideológica entre duas correntes políticas que se confrontam, especialmente nos últimos 60 anos. De uma lado estão os liberais que defendem o Estado mínimo e a predominância da lógica do mercado (lei da oferta e procura, a livre mobilidade do capital, etc.), enquanto do outro lado estão os social democratas que defendem maior regulação do mercado e maior presença do poder público, especialmente na construção de um Estado do Bem-estar Social.

Os Estados Unidos da América (EUA) são os maiores defensores do modelo do Estado mínimo e do Consenso de Washington. Os países europeus, em geral, vão mais na direção da linha ideológica da social democracia e da construção do Estado do Bem-estar Social.

Porém, a despeito das diferenças entre os dois modelos, ambos se encontram em crise, fazendo com que as economias avançadas apresentem baixas taxas de crescimento econômico, altos déficits, altas dívidas, crise fiscal e alto desemprego. Os países ocidentais estão perdendo participação na economia internacional e a mobilidade social ascendente entre as gerações está comprometida. Os jovens da Europa e dos EUA estão tendo pela frente menores oportunidades de emprego, maiores taxas e maiores encargos com as gerações idosas.

A crise dos PIIGS (como são pejorativamente chamados os países: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Spain) é apenas a ponta do iceberg da crise européia e dos países que adotaram o Euro. O PIB dos 16 países que fazem parte da área do Euro representava pouco mais de 20% do PIB mundial em 1992, mas já caiu para menos de 15% em 2011 e deve ficar abaixo de 10% até 2020. Ou seja, a União Européia e a moeda única – que foram considerados um antídoto para a euroesclerose e uma esperança de recuperação econômica do poder da Europa – não conseguiram reverter o processo de declínio relativo da região. O envelhecimento populacional e a crise do sistema previdenciário tende a agravar a situação européia nas próximas décadas.

A crise econômica dos EUA – que começou em 2008 e provocou um grande declínio do PIB em 2009 –veio para ficar na forma de baixo crescimento econômico e alto desemprego. Os EUA são o país com o maior déficit no comércio internacional, maior déficit público em termos absolutos e maior dívida externa do mundo. Nos últimos 30 anos os EUA cresceram utilizando o déficit gêmeo (fiscal e comercial) e a dívida pública, que chegou ao astronômico número de 14,3 trilhões de dólares em julho de 2011, atingindo o teto determinado pelo Congresso dos EUA. Tanto o governo Obama, quanto a Câmara dos deputados concordaram em reduzir despesas nos próximos 10 anos. Sem o combustível dos déficits e do endividamento crescente espera-se, pelo menos no curto prazo, que haja desvalorização do dólar e continuidade do declínio americano.

Assim, a economia que já carece de estímulo interno e de falta de competitividade externa, deve apresentar crescimento modesto nos próximos anos. De 1980 a 1990, a economia americana representava 25% da economia mundial, enquanto a Chína e a Índia (Chíndia) representavam, em conjunto, apenas 5% da economia mundial em 1980 (segundo dados do FMI em poder de paridade de compra). Em 2011, o PIB dos EUA representava 19,4% do PIB mundial, sendo ultrapassado pela Chíndia que representava 19,9%. A estimativa para 2016 é de uma participação na economia mundial de 17,8% para os EUA e de 24,6% para a Chíndia. Enquanto isto, a população não-branca tem sofrido mais com a crise e a desigualdade de renda tem aumentado nos Estados Unidos. O desemprego tem se mantido em nível elevado.

A crise econômica dos EUA está sendo agravada pela crise política. Os dois partidos que dominam o Congresso não se entendem e não conseguem dar um rumo para o país. Ambos os partidos estão mais preocupados com o curto prazo e com as disputas eleitorais. Para tanto, buscam financiadores entre os grandes grupos econômicos do país. Como escreveu, recentemente, Jeffrey Sachs: “The idea that the Republicans are for the billionaires and the Democrats are for the common man is quaint but outdated. It’s more accurate to say that the Republicans are for Big Oil while the Democrats are for Big Banks”. Por conta disto já existe um movimento buscando uma terceira via para por fim ao bipartidarismo dos EUA.

Enquanto a Europa e os EUA perdem posição na economia mundial, o contrário acontece com a China, que caminha para ser a maior potência econômica mundial (em tamanho do PIB). A China com seu modelo de “socialismo de mercado” tem mostrado mais eficácia do que os EUA nos resultados econômicos e na promoção da produtividade de suas empresas e tem conseguido tirar centenas de milhões de chineses da situação de pobreza, mas sem criar um sistema previdenciário, que possibilitasse tranquilizar sua crescente população de idosos.

O modelo chinês tem combinado liberdade econômica, com falta de direitos trabalhistas, falta de liberdade de manifestação, organização e expressão e forte presença do Estado na economia, mas com pouca despesa na promoção social. Os cidadão chineses são obrigados a manter altos níveis de poupança para garantir o acesso à saúde, educação, moradia, previdência, etc. O governo aproveita esta alta poupança para manter altas taxas de investimento e para promover a infra-estrutura necessária para colocar o país na liderança da economia mundial. O partido comunista do país atua como se fosse uma dinastia que vislumbra, no longo prazo, o fortalecimento do poderio estatal e nacional.

Enquanto o Ocidente promove e defende a liberdade individual, os chineses restringem a liberdade individual e promovem os interesses das empresas, do Estado e da nação. Enquanto o Ocidente ainda debate os princípios do Consenso de Washington, os chineses promovem o Consenso de Beijing, que resumidamente pode ser definido em cinco pontos:

1. Promoção da economia, mas com a propriedade estatal sendo força dominante;
2. Promoção de câmbio competitivo, com mudanças graduais para evitar choques e controle cambial para evitar a especulação;
3. Políticas de promoção das exportações (Export-led growth) com proteção da industria local e dos setores estratégicos do país;
4. Reformas de mercado, mas com controle das instituições políticas e culturais;
5. Centralização das decisões políticas e das estratégias de promoção da soberania nacional.

A china comunista não apoia nem o Estado mínimo e nem o Estado de Bem-estar social. A economia de mercado foi uma forma de garantir a competitividade internacional do país para construir uma economia com forte impulso dos investimentos e liderada pelas exportações. Foi também uma forma de superar a ideologia maoista-rural-comunitária-pobre. Resta saber se o socialismo de mercado vai conseguir manter o seu ritmo de crescimento e redução da miséria ou se o Consenso de Beijing é apenas uma alternativa passageira, que tem como resultado de curto prazo o acirramento da crise ideológica  e prática do capitalismo ocidental.

A China ainda é um país de renda per capita média e não é possível antecipar se vai conseguir avançar para níveis superiores de qualidade de vida para o seu povo e, algum dia, se tornar um exemplo para o resto do mundo. Porém, o caminho adotado de crescimento econômico acelerado tem agravado os problemas ambientais da China, com fortes efeitos no resto do mundo. Do ponto de vista ambiental, o socialismo de mercado já nasceu em crise ideológica. Deste ponto de vista, a crise ideológica é global, pois atinge o Ocidente, o Oriente, o Norte e o Sul.

 

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José Eustáquio Diniz Alves