Demografia By José Eustáquio Diniz Alves / Share 0 Tweet A dominação masculina se exerce, dentre outras formas, pela violencia simbólica e por um discurso sexista que discrimina mulheres e outras identidades. As relações de gênero funcionam por meio de um sistema de signos e simbolos que representam normas, valores e práticas que transformam as diferenças sexuais de homens e mulheres em desigualdades sociais, sendo estas tomadas de maneira hierarquica e valorizando o masculino sobre o feminino. Além das normas e valores, tem-se a violência física contra as mulheres que é um problema mundial e contra a qual se tem traçado diversas políticas públicas. Existem, ainda, outras formas violência e violação de direitos das mulheres, quer seja através da discriminação ocupacional e salarial no mercado de trabalho, da falta de assistência integral à saúde, da exclusão feminina dos cargos de direção, do assédio sexual etc. Ademais, existe também uma violência simbólica que não é percebida, necessariamente, como uma forma agressiva de se manter e perpetuar as desigualdades sociais e individuais entre os gêneros. No inconsciente coletivo da nossa sociedade essa forma de violência interiorizada serve de substrato para as desigualdades e assimetrias existentes entre homens e mulheres. Pierre Bourdieu, em seu livro “A dominação masculina” discorre sobre o conceito de “violência simbólica” que é uma forma de “violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento”. Numa perspectiva que considera o gênero como o sexo socialmente construído, o autor busca desconstruir a “sociedade androcêntrica” devolvendo à diferença entre o masculino e o feminino seu caráter arbitrário, contingente, cultural e histórico. Bourdieu mostra que os princípios de visão e divisão sexual parecem estar “na ordem das coisas”, inseridos em um sistema de oposições homólogas: alto/baixo, em cima/embaixo, fora(público)/dentro(privado), duro/mole etc. Estas oposições são revestidas de significação social – “o movimento para o alto sendo, por exemplo, associado ao masculino, como a ereção, ou a posição superior no ato sexual”. Esta divisão sexuada “está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado nas coisas, em todo o mundo social e, em estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e ação”. A importância da contribuição de Bourdieu está na revelação do “poder hipnótico” da dominação masculina que se impõe através de uma violência simbólica – sem o uso da força física, mas não menos danosa – que des-historiciza as relações sociais. Por exemplo: a exclusão da mulher do mundo público e a tentativa de seu confinamento no mundo privado/doméstico ganha, desta maneira, uma tonalidade essencialista. Oposições tais como: fora(pênis)/dentro(vagina), ativo(penetrar)/passivo(ser penetrado), foder(macho) /fodido(mulher e veado) assumem um papel preponderante numa hierarquia de valores onde o polo positivo é aquele representado pelo homem-público-ativo-forte-potente-guerreiro-racional e o polo negativo pela mulher-doméstica-passiva-fraca-impotente-pacífica-emocional. Estes estereótipos de gênero são utilizados nas práticas discursivas e passam a fazer parte da produção dos sentidos. O discurso sexista se apropria destes pré-conceitos e através do jogo de ilusões/alusões apresenta, de forma explícita ou sub-reptícia, a polaridade de valores culturais e históricos como se fossem diferenças oriundas da anatomia ou de propriedades biológicas. Uma das conseqüências da dominação masculina e do discurso sexista é o reforço da exclusão da mulher da direção dos partidos políticos e do núcleo de poder dos sindicatos e associações. As próprias mulheres reproduzem a dominação masculina ao reconhecerem, de forma resignada, a aptidão dos homens à liderança e à oratória. Em nome de uma linguagem popular e de uma luta política mais ampla, muitas lideranças políticas e sindicais adotam o discurso sexista que reforça a dominação masculina e é profundamente discriminatório contra as mulheres e homossexuais. Reforçam, desta forma, os estereótipos de gênero e atacam os direitos sexuais ao associar os “ativos” aos valores de superioridade e os “passivos” aos valores de inferioridade. Nesse sistema de significações, o sexo/gênero está relacionado a conteúdos culturais de acordo com hierarquias sociais polarizadas de forma pejorativa e estigmatizante. Neste campo, a livre opção sexual, quando aceita, passa a ser uma questão da esfera privada. Na vida pública, só um tipo de representação político-sexual é aceitável – aquela que alguns definem como sendo a política dos que têm “saco roxo”. A simbologia do discurso sexista que predomina no meio político e sindical, faz com que violência física, violação de direitos, constrangimento sexual e violência simbólica se juntam para reforçar as assimetrias de gênero que são transversais às demais desigualdades sociais. Some-se, assim, à dominação social a dominação sexual histórica, isto é, a dominação masculina. Os valores masculinos estão presentes no inconsciente cultural coletivo e são resgatados por práticas discursivas com viés sexista. O primado da masculinidade, que não se confunde com a homogeneidade dos homens, apenas enfeixa os signos e valores hegemônicos do masculino para perpetuar a ordem iníqua do sistema sexo/gênero.