Aborto e “Imperialismo demográfico”


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O setores conservadores da sociedade brasileira, em especial o fundamentalismo religioso, costumam utilizar a questão do aborto para infundir medo na população e conquistar eleitores desavisados para suas teses, muitas vezes, anacrônicas, como a recusa em aceitar o uso da camisinha, etc.

Considero um direito democrático de qualquer cidadão ou instituição ser contra o aborto. Mas querer impor uma opinião ou posição ideológica ao conjunto do Estado é um desrespeito às pessoas e instituições que pensam de maneira diferente. Evidentemente, não acredito ser correto o recurso ao aborto como método contraceptivo. Mas conforme a própria legislação brasileira estabelece, o aborto se justifica (e não é crime) nos seguintes casos:

1)    Risco de vida da mãe, pois se uma complicação em uma determinada gestação específica colocar a mulher em risco de perder a vida, o aborto se justifica em defesa da vida da mulher;
2)    Gravidez provocada por estupro, pois um filho deve ser fruto do amor e do desejo dos pais e não o fruto de uma violência e de um abuso sexual.

O Supremo Tribunal Federal tem discutido uma terceira possibilidade de aborto legal no Brasil em relação à gravidez de fetos anencefálicos. O aborto neste caso se justifica pois um feto sem cérebro é um embrião sem vida e não faz sentido obrigar uma mulher a manter uma gestação por nove meses para simplesmente enterrar o feto (sem vida) após este longo período de sofrimento físico e psíquico.

Outro problema que ocorre com frequencia no Brasil é o aborto inseguro. Muitas mulheres que ficam grávidas sem desejar ou planejar optam por fazer um aborto em condições insalubres e precárias, pois não podem contar com o sistema de saúde pública. Muitas destas mulheres acabam falecendo em decorrência das complicações deste aborto ilegal e inseguro, aumentando as estatísticas da mortalidade materna. Algumas que sobrevivem aumentam as estatísticas da morbidade e das sequelas da saúde.

Desta forma, o aborto inseguro se torna um problema de saúde pública. Uma forma de reduzir este tipo de aborto é universalizando o atendimento da saúde reprodutiva por meio da disponibilidade de métodos contraceptivos para evitar a gravidez indesejada. A Constituição Brasileira, a Lei do Planejamento Familiar e os acordos internacionais assinados pelo país estabelecem ser um dever do Estado forncer os meios para a regulação da fecundidade. Infelizmente, por falta de recursos e de soluções logísticas muitas mulheres e casais não têm acesso a este direito fundamental.

Acredito que as pessoas que são contra o aborto deveriam ser as primeiras a defender o acesso universal ao planejamento familiar. Mas, incoerentemente, a Igreja Católica é contra o uso de métodos contraceptivos, sendo inclusive contra a camisinha que protege contra doenças e infecções sexualmente transmissíveis.

Outra incoerência da Igreja é falar em “Imperialismo demográfico” como se o desejo de ter menos filhos fosse uma imposição dos países ditos imperialistas, especialmente os países europeus e os Estados Unidos. Na verdade, os chamados “países desenvolvidos” possuem fecundidade baixa, embora haja liberdade para os cidadãos terem quantos filhos desejarem. O país que tem a política mais draconiana de controle da natalidade é a China, que não pode ser classificada de “país imperialista”, pelo menos não é um país capitalista e sim controlado por um partido comunista.

Em nome do combate ao “Imperialismo demográfico” geralmente se esconde uma concepção pro-natalista com base no princípio bíblico “crescei e multiplicai-vos”. Reflete também o desejo das religiões de ampliar o número dos seus fiéis, em especial, junto à população pobre e pouco escolarizada. Contudo, o direito reprodutivo é o filho caçula dos direitos humanos, aprovado na Conferência do Cairo de 1994, e não uma imposição estrangeira. Em geral, as famílias optam por terem menos filhos para poderem investir na qualidade de uma prole menor.

Portanto, estas posições escatológicas contra o aborto e contra o chamado “Imperialismo demográfico” apenas prestam um desserviço à sociedade e ao processo democrático. Afortunadamente, a democracia brasileira é bastante plural e se pode encontrar posições divergentes àquelas do conservadorismo moral e do fundamentalismo religioso. Vejam abaixo as posições de Plínio de Arruda Sampaio, católico e candidato à Presidência pelo PSOL, do Bispo Macedo da IURD e da organização Católicas pelo Direito de Decidir:

“O problema do aborto”
http://www.plinio50.com.br/artigos-plinio-psol-eleicoes2010/295-qomissao-compromete-nosso-compromisso-com-os-pobresq.html

Plínio Arruda Sampaio

Como cristão, meu posicionamento pessoal diante do problema do aborto é ditado pelos valores da minha fé. Felizmente não tive, no decurso dos meus cinquenta anos de casamento, necessidade de enfrentar essa questão. Por isso, sempre a abordo com muita humildade e com espirito de solidariedade pelos que se veêm na contingência de enfrentá-la.

Como candidato a um posto de comando na estrutura de poder do Estado, minha posição precisa levar em conta a dimensão social e política do problema e o caráter da sociedade em que vivo – uma sociedade plural. Nesta condição, sou obrigado a cumprir a lei estabelecida e a contribuir, como minha opinião, para a formulação de uma lei que responda ao consenso ético da sociedade sobre o assunto.

Segundo as estatísticas centenas milhares de mulheres morrem ou sofrem danos físicos psicológicos graves em razão da ocorrência de um milhão e quatrocentos mil abortos clandestinos todos os anos. Trata-se, portanto, de um sério problema de saúde pública.

As medidas que o Estado brasileiro adotou para fazer frente a esse problema dividem hoje a sociedade: descriminalização e legalização constituem as reivindicações principais.

Apoio o movimento em favor da descriminalizaçào do aborto porque, evidentemente, a lei atual demonstrou ser, não apenas ineficaz, mas claramente perniciosa, uma vez que obriga as mulheres a recorrer a pessoas despreparadas e inescrupulosas para interromper uma gravidez indesejada.

Em uma sociedade pluralista, o Estado não tem o direito de impor uma convicção fundada na fé de uma parcela da sociedade a pessoas que têm convicção diferente. Nesse tipo de sociedade, a posição do governante em relação aos costumes das pessoas deve ser ditada pela consciência ética coletiva a respeito desses problemas. A consciência ética coletiva do povo brasileiro não mais considera, como outrora, que a prática do aborto seja uma conduta anti-ética a ser penalizada pelo Estado.

Mas essa mesma consciência coletiva não admite a banalização do aborto e, muito menos, sua exploração para fins comerciais. Pelo contrário, todos consideram o aborto um mal, o qual, contudo, em determinadas circunstâncias, não pode ser evitado. Por isso, o Estado deve empenhar-se em preveni-lo, o que requer, além da descriminalização, a legalização e consequente regulamentação da intervenção abortiva.

Legalizar quer dizer submeter uma determinada atividade ou conduta humana à disciplina da lei. No sistema jurídico brasileiro, o que não é proibido é permitido, e o que não é permitido dá origem, automaticamente, a uma sanção estatal.

A legalização do aborto não pode ser entendida como a simples exclusão da pratica abortiva do campo do direito, como se a vida do nascituro não fosse um bem protegido pelo Estado. Pelo contrário, exatamente porque o Estado tem o dever de proteger o nascituro, a legalização do aborto deve abranger a montagem de um complexo sistema de ações estatais, articuladas com ações de entidades da sociedade civil, a fim de combater a sua banalização e a sua exploração comercial.

Isto quer dizer que a lei deverá definir o aborto lícito e distingui-lo do aborto ilícito, bem como estabelecer o efeito da lei em um e outro caso.

A questão central que surge então diz respeito à autoridade à qual caberá a decisão de usar os procedimentos de interrupção da gravidez. Penso que essa autoridade deve ser a própria gestante. A ela e a mais ninguém cabe o direito e a responsabilidade dessa terrível decisão. Fundamento essa afirmação na certeza de que o instinto maternal defende com mais empenho o feto do que médico, juiz, sacerdote, conselheiro familiar, psicólogo ou quem quer que seja. Mas, para auxiliar a mulher nesse terrível e solitário passo é preciso revestir sua decisão de um procedimento legal adequado.

O que importa para o Estado é que a decisão da mulher seja tomada livre, consciente e responsavelmente nas fases iniciais da gestação. O aborto não pode ser fruto da frivolidade, da ignorância das suas graves consequências físicas e psicológicas, de um impulso momentâneo da mulher que descobre estar grávida, da pressão de terceiros, mas a conclusão amadurecida de uma reflexão profunda acerca das suas condições pessoais de ser mãe responsável e educar o ser que se desenvolve em seu ventre.

A legalização oferecerá à gestante os elementos indispensáveis para a sua reflexão e procurará comprovar o caráter livre da sua decisão. Por isso entendo que a legalização do aborto requer a montagem de um sistema integrado por três grandes estruturas: uma estrutura destinada à educação sexual da juventude e à vigilância dos costumes, a fim de combater a exploração comercial e delituosa do erotismo juvenil – uma das fontes da banalização do sexo e consequentemente do aumento do número de abortos; uma estrutura destinada a fiscalizar as intervenções abortivas, informando a gestante sobre as várias dimensões da sua decisão de interromper a gestação; e uma estrutura, devidamente financiada com verbas do Estado, para atender às gestantes pobres nos hospitais públicos e para amparar crianças cujas mães não têm condições de criá-las, porque, obviamente, a certeza de contar com um apoio eficaz para educar o filho estimulará a gestante a levar a termo a gravidez.

O elemento articulador dessas estruturas seria o Juizado da Família. Ao juiz de Família caberia autorizar uma unidade hospitalar e um médico a interromper a gravidez após a manifestação formal da vontade livre, informada e responsável da gestante em procedimento judicial específico.

Não cabe, contudo, ao juiz decidir pela gestante. Sua decisão é de natureza declaratória. Comprovado que a gestante teve à sua disposição os elementos requeridos para tomar responsavelmente sua decisão – a informação e o aconselhamento – ele autoriza a intervenção em tempo hábil. Sem a autorização judicial, o médico e o hospital que realizarem a intervenção sujeitar-se-ão às penas da lei.

O aconselhamento requer a entrevista da gestante com um conselheiro que a ela exporá o que significa interrupção da gravidez, sem contudo fazer inquirições ou admoestações que impliquem invasão à privacidade da mulher. Por isso mesmo, esse processo – de rito sumaríssimo, evidentemente – deverá ser realizado em segredo de justiça.

A exposição feita até aqui deixa ver que a interferência do governo na questão aborto diz respeito à montagem das duas estruturas integrantes do sistema de prevenção e de fornecimento de atenção médico hospitalar gratuita para realização de intervenções abortivas em mulheres pobres.

Evidentemente, enquanto o aborto não for descriminalizado, os hospitais públicos não poderão realizar a intervenção. Mas nada impede que as estruturas de educação sexual e de amparo à criança cuja mãe não pode criá-la, sejam desenvolvidas, como uma medida para atenuar o problema enquanto não se consegue uma solução definitiva na esfera federal.

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Bispo Edir Macedo e a questão do Aborto
http://www.youtube.com/watch?v=RZMKBtnPUuA

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Católicas pelo Direito de Decidir em Defesa da Vida
http://mariafro.com.br/wordpress/?p=19106

(em resposta ao texto “Apelo a todos os Brasileiros e Brasileiras” sobre como votar nas eleições 2010)

No final de agosto último, a Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, elaborou um texto com o propósito de orientar seus e suas fiéis sobre como votar bem nas próximas eleições.  A Presidência e a Comissão Representativa dos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, por sua vez, divulgaram nota em que afirmam acolher e recomendar a divulgação dessas orientações.

Católicas pelo Direito de Decidir, após tomar conhecimento do teor desses documentos, vem a público manifestar seu estranhamento e repúdio às afirmações falaciosas presentes no referido texto, o que de forma nenhuma condiz com o que esperamos de líderes religiosos que deveriam ser exemplo de ética e correção, especialmente ao assumir tarefa que não é própria do âmbito religioso, ou seja,  interferir nas eleições, dirigindo-se inclusive a não católicos/as.

Como católicas, estranhamos que Igreja católica no Brasil, que há 30 anos orientou cristãos e cristãs a participarem da política sem assumir posições partidárias, venha agora a público fazer uma campanha tão declaradamente contrária à candidata do atual governo, distorcendo informações e faltando com a verdade. Se não, vejamos:

1. Não é verdade que o projeto apresentado pela Comissão Tripartite em 2005 propunha a descriminalização do aborto até o nono mês de gravidez. Cópia fiel do  texto do projeto começa com a seguinte frase: “O Congresso Nacional decreta:  Art. 1º – É livre a interrupção da gravidez, até a décima segunda semana de gestação, nos termos desta lei.” No texto “Apelo a todos os Brasileiros e Brasileiras”, portanto, há uma evidente distorção dos fatos, haja vista que existe uma regulamentação explícita no Projeto de Lei 1135/91 (e que é  detalhada nos artigos seguintes) que não permitiria a interrupção de gravidez a qualquer momento da gestação. Para mais informações, veja em: Comissão de Seguridade Social e Família – Substituto da relatora ao projeto de lei n.1135, de 1991.

2. Não é verdade que o plano de governo do segundo e atual mandato do Presidente da República,  de setembro de 2006, reafirme o compromisso de legalizar o aborto. Reiterada e publicamente o presidente vem afirmando que o aborto é uma questão de saúde pública e deve ser discutido no Congresso Nacional.

3. Ao afirmar a suposta existência de um Imperialismo demográfico que está implantando o controle demográfico mundial como moderna estratégia do capitalismo internacional, o texto da comissão da CNBB utiliza um argumento antigo, falso e inconsistente, sobretudo em tempos em que esse controle significaria uma estratégia obsoleta e desnecessária, pois é sabido que há tempos o Brasil é um país cuja população envelhece mais do que cresce. Além disso, o que ganharia o capitalismo em produzir menos consumidores? E o que o texto ganha, em termos pastorais, ao insinuar uma espécie de  teoria da conspiração absolutamente fantasiosa?

4. Perguntamo-nos ainda por que os nossos eminentes Bispos silenciam princípios doutrinais católicos que legitimam o direito de uma mulher optar pelo aborto,  como o recurso à própria consciência e a escolha do mal menor? Seria por um autoritarismo misógino? Ou seria por “mero” abuso de poder?

Como católicas comprometidas com a defesa da vida e da dignidade das mulheres, repudiamos a irresponsabilidade de integrantes da hierarquia católica que vêm insistentemente a publico para condenar o aborto – reforçando o estigma e o sofrimento de milhares de pessoas -, mas silenciam em conivência com as múltiplas formas de violência que as mulheres sofrem cotidianamente no Brasil apenas por serem mulheres. Lembramos que casos como os assassinatos de Eliza Samúdio e Mércia Nakashima não são exceção, mas regra corrente em nosso país misógino e machista.

Como católicas comprometidas com a justiça social, lamentamos profundamente que a CNBB não faça notas públicas para orientar a população católica a  votar em candidatos reconhecidamente favoráveis às lutas sociais,  à erradicação da miséria e da violência e à implementação de políticas públicas no Brasil que resolvam a injusta distribuição de renda de nosso país.

A Igreja católica na qual fomos formadas foi, em tempos de ditadura militar, no Brasil a voz daqueles que não têm voz, mas hoje cala-se vergonhosamente frente aos problemas mais graves do país, insistindo apenas na condenação dos direitos humanos das mulheres e de pessoas homossexuais, bissexuais, de travestis e transexuais. É sabido, entretanto, que há inúmeros/as católicos/as que, à revelia das posições oficiais da CNBB, continuam dando sua vida em prol daqueles que sofrem discriminações de todo o tipo. Parte significativa de padres, freiras e leigos/as não expressam sua discordância da oficialidade católica, porque temem ser punidos com expulsão das pastorais e das dioceses, imposição do silêncio e até mesmo afastados do serviço sacerdotal. Para nós, no entanto, são essas as pessoas que mantém vivo o espírito do evangelho!

A oficialidade católica necessita ouvir essas vozes e trabalhar por uma igreja coerente com os valores cristãos, com menos escândalos sexuais e voltada para aqueles/as que mais sofrem. Não é tarefa da Igreja assumir posições partidárias no processo político eleitoral, muito menos atentar contra a laicidade do Estado.

Como Católicas pelo Direito de Decidir, somos favoráveis à democracia, não queremos que o Estado se deixe pressionar por interferências indevidas de setores religiosos fundamentalistas. Defendemos o respeito merecido por todo/a o cidadão/ã brasileiro/a na hora de votar.

Como Católicas pelo Direito de Decidir, queremos fazer pública uma das vozes dissonantes dos diversos movimentos católicos  que não concordam com o autoritarismo da hierarquia eclesiástica.  Manifestamos nossa imparcialidade no processo eleitoral, repudiando o uso político das religiões para alcançar votos, bem como o uso que a oficialidade católica vem fazendo da política para impor questões supostamente doutrinais.

CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR
São Paulo, 10 de setembro de 2010

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José Eustáquio Diniz Alves