O positivismo e o fundamentalismo de mercado de Julian Simon e dos céticos do clima

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O positivismo e o fundamentalismo de mercado buscam vender “gato por lebre” e acabam enganando muitas pessoas de boa intenção.  Com um discurso pseudo-técnico e cientificista tentam se identificar com grandes cientistas do passado, mas, na verdade, são versões enganosas e inconsequentes. Portanto, é preciso esclarecer os falsos parentescos entre a ciência séria e os céticos do clima.

Os pensadores iluministas, do século XVIII, e os socialista utópicos, do início do século XIX,  acreditavam no progresso e na “perfectibilidade humana”. O Marquês de Condorcet (1743-1794), a feminista Mary Wollstonecraft (1759-1797) e Saint-Simon (1760-1825) foram três dos expoentes revolucionários que acreditavam na capacidade de evolução do ser humano, na equidade de gênero, na transformação social, na paz, no fim dos preconceitos e na melhoria da qualidade de vida de toda a população mundial.

Alguns historiadores classificam Condordet, Wollstonecraft e Saint-Simon com precursores do positivismo. Contudo, como mostrou Michel Löwy, existe uma diferença muito grande entre estes pensadores e os positivistas, de fato, tais como Comte (1798-1857), Durkheim (1958-1917), e mais recentemene, Julian Simon (1932-1998) e Bjørn Lomborg (1965 – ). Os primeiros – Condorcet, Wollstonecraft e Saint-Simon – compartilhavam uma utopia critico-revolucionária e se opunham aos privilégios da nobreza e do clero (“classes” dominantes do seu tempo). Já os verdadeiros positivistas do século XIX e século XX possuem uma ideologia conservadora, identificada com a ordem capitalista estabelecida e com os mecanismos fundamentais de funcionamento da lei de oferta e procura do mercado.

Ou seja, o positivismo, desde Auguste Comte, se tornou uma  ideologia conservadora e identificada com a ordem estabelecida. Os positivistas herdaram a visão do mundo e o sistema de valores defendidos por Francis Bacon (1561-1626) que via a ciência como um conhecimento que pode ser usado para dominar e controlar a natureza. Mas o positivismo moderno, com base no cientificismo newtoniano-cartesiano, foi além do empiricismo e passaram a interpretar a natureza como uma máquina, e o ser humano o maquinista que a manobra em função dos interesses próprios da humanidade. Como disse Fritjot Capra:  “A máquina do mundo converteu-se na metáfora dominante da era moderna, e, hoje, ciência e tecnologia buscam sobretudo fins profundamente antiecológicos”.

Os positivistas hipostasiam o progresso e a engenhosidade humana. Para eles a ciência e a tecnologia são um Deus ex machina, uma panacéia capaz de solucionar todos os problemas da sociedade e do meio ambiente. Eles ignoram todas as críticas feitas por autores como Marx, Weber, Adorno e Foucault que mostraram como a razão instrumental possibilita ao capitalismo utilizar a ciência e a tecnologia para a maximização do lucro, para dominar ideologicamente as parcelas da população sem acesso tecnológico e para reforçar as relações de dominanção em nível do macro e do micro biopoder.

Algumas correntes positivistas defendem uma postura – que pode ser chamada de ambientalismo cornucopiano – que encara o mundo natural como uma fonte infinita, afluente e abundante o suficiente para atender toda a demanda humana na lógica incremental de um padrão desenvolvimentista sem preocupações com a dilapidação da natureza, encarada como mero dispensário para os restos do consumo e da produção econômica.

Julian Simon é um exemplo típico do positivismo moderno, além de ser um defensor do fundamentalismo de mercado (foi um dos fundadores do movimento free-market environment). Seus livros fazem uma defesa cega do crescimento populacional e econômico indefinido. Ele acreditava que o preço das commodities e da energia fóssil iria cair permanentemente na medida em que as forças de mercado pudessem ser livres e desregulamentadas para fazer a alocação mais eficiente dos fatores de produção. Ele ficou  famoso ao vencer uma disputa contra Paul Erlich na década de 1980, apostando na queda do preço de alguns metais e do petróleo e na eficiência do mercado. Contudo, se a aposta fosse feita na década de 2000 ele teria perdido por larga margem.

Simon era um cético ambiental, isto é, ele não acreditava que as atividades humanas fossem a causa de problemas ambientais globais, como a destruição da camada de ozônio, a acidificação dos oceanos e, especialmente, discordava de que o aquecimento global fosse causado pela emissão de gases de efeito estufa  decorrentes da queima de combustíveis fósseis, do metano, etc. Ele defendia a idéia de que os recursos infinitos da engenhosidade humana, possibilitados pela tecnologia, poderiam contornar todos os problemas ambientais do mundo, sem comprometer as bases da acumulação do regime capitalista em escala local e planetária.

No livro “The Ultimate Resource II: People, Materials, and Environment”, Julian Simon defende, logo na introdução, a idéia de que os recursos naturais estão ficando menos escassos (“natural resources have been becoming less scarce over the long run, right up to the present”) e o mundo está menos poluido (“But we now live in a more healthy and less dirty environment than in earlier centuries”). No capítulo 6 ele defende a idéia – muito repetida por pessoas ingênuas – de que não há limite para a produção de alimentos (“What Are The Limits on Food Production?”) e no capítulo 11 ele defende a idéia de que a oferta de petróleo é infinita (“When Will We Run Out Of Oil? Never!”). Por aí vai.

Para tornar suas posições anti-ambientalistas e reacionárias mais palatáveis, o positivista Simon investiu contra um suposto inimigo neomalthusiano, afirmando o seguinte: “As pessoas são os recursos mais valiosos do mundo; o cérebro humano é o recurso fundamental para solucionar qualquer problema econômicos, social e ambiental; quanto maior a população melhor”. Para ele, cada novo bebê é como um bem de consumo durável ou uma galinha poedeira que vai trazer benefícios no futuro (“From the economic point of view an additional child is like a laying chicken, a cacao tree, a computer factory, or a new house. A baby is a durable good in which someone must invest heavily long before the grown adult begins to provide returns on the investment”).

Com este discurso anti-neomalthusiano, Julian Simon conseguiu o apoio de setores da opinião pública e de formadores de opinião do  fundamentalismo religioso, do fundamentalismo de mercado e do conservadorismo moral nas questões reprodutivas. Simon serviu de inspiração para as políticas neoliberais do governo de Ronald Reagan (1981-1988) e para os defensores das políticas pró-natalistas de todo tipo (“And there is compelling reason to believe that human nutrition will continue to improve into the indefinite future, even with continued population growth”).

Por trás do discurso pró-natalista e anti-ambiental, a verdadeira intenção de Julian Simon é defender o fundamentalismo de Mercado (“The key elements of such a framework are economic liberty, respect for property, and fair and sensible rules of the market that are enforced equally for all. The world’s problem is not too many people, but lack of political and economic freedom”). Escrevendo antes do sucesso econômico da China comunista, Julian Simon faz uma defesa, sem fundamentos sólidos, do sucesso da economia capitalista de Taiwan (“In each case the centrally planned communist country began with less population ‘pressure’, as measured by density per square kilometer, than did the market-directed economy.  And the communist and non-communist countries also started with much the same birth rates.  But the market-directed economies performed much better economically than the centrally-planned economies. This powerful demonstration cuts the ground from under population growth as a likely explanation of poor economic performance”).

Tal posicionamento apologético do mercado e que despreza os impactos ambientais da pegada humana, formou inúmeros seguidores, dentre eles, boa parte do grupo conhecido atualmente como os céticos do clima. O escritor dinamarquês Bjørn Lomborg, que escreveu o livro “O ambientalista cético” (The Skeptical Environmentalist) é um dos mais conhecidos discípulos de Julian Simon. Ele utiliza metodologias baseadas na teoria da economia do bem-estar e nas análises de custo-benefício para defender posições neoliberais contra a regulação estatal e a favor da livre atuação das forças do mercado. Lomborg defende os subsídios à industria do petróleo e acredita que queimar combustíveis fósseis é mais barato do que produzir energia renovável (eólica, solar, etc).

Ele se opõe ao protocolo de Kyoto e outras medidas para reduzir as emissões de carbono no curto prazo e argumenta que o mundo deve buscar se adaptar às novas temperaturas, como sendo um fenômeno inevitável, mas que não é causado pelas atividades antrópicas. Caso haja elevação do nível do mar, a solução para a população de países como Tuvalu é emigrar. Ou seja, para Lomborg é mais eficiênte seguir a lógica do mercado do que criar políticas de regulação que, na visão dos céticos, distorcem a eficiência da alocação dos recursos produtivos.

Para tornar suas posições positivistas e fundamentalistas de mercado mais palatáveis Bjørn Lomborg diz – na mesma linha de Julian Simon – que toda a população mundial vai ter um padrão de vida muito elevado no final do século XXI e que o mundo não precisa se preocupar com medidas de universalização da saúde reprodutiva e, muito menos com o declínio da fecundidade, mas sim com o combate a problemas de mortalidade que são mais urgentes, como como HIV/AIDS, malária e desnutrição.

Ou seja, autores como Julian Simon, Bjørn Lomborg e os céticos do clima defendem que o modelo de produção e consumo da sociedade capitalista é o mais eficiente e o que mais contribuiu para retirar massas de trabalhadores da pobreza, além de elevar o padrão de vida de amplas parcelas da população mundial, como nunca antes na história da humanidade. Eles consideram que os eventuais problemas ambientais podem ser resolvidos com a inventividade do cérebro humano e com respeito à mão invisível do mercado. Consideram, também, que os ambientalistas são uns “ecochatos” e que só enxergam tendências catastrofistas.

As posições “científicas” e ideológicas de Julian Simon e Bjørn Lomborg servem de inspiração para as atuais políticas anti-ambientalistas do Partido Republicano, nos Estados Unidos, e para a mobilização do movimento ultraconservador Tea Party. O positivismo e o fundamentalismo de mercado costumam atacar os direitos reprodutivos e as principais bandeiras do movimento feminista, já que possuem um visão patriarcal do mundo. Evidentemente, estas posições só atrapalham as negociações multilaterais para mitigar os efeitos do aquecimento global, assim como enfraquecem as tentativas de avançar na agenda ambiental em conferências internacionais. Não sem surpresa, o Zero Draft da Rio + 20 ignorou as recomendações das Conferências de População (CIPD do Cairo, 1994) e das Mulheres (Beijing, 1995).

Porém, na perspectiva do ecodesenvolvimento – de Ignacy Sachs (1927 – ) e diversos outros autores – existe uma real ameaça de colapso ambiental global se não forem adotadas medidas de conservação, apoiada em formas de uso racional do ambiente, de combate ao aquecimento global e da promoção de um desenvolvimento sócio-econômico eqüitativo, através de estratégias ambientalmente adequadas e com respeito aos direitos da Terra e da biodiversidade. O mundo precisa superar o antropocentrismo e caminhar numa perspectiva ecocêntrica.

Tanto a população quanto a economia precisam se conter dentro das fronteiras planetárias. Como mostrou Elinor Ostrom (1933 – ) – a primeira mulher a ganhar o prêmio Nobel de economia – a cooperação traz melhores resultados do que a competição. Para ela, a regulação dos bens comuns deve prevalecer sobre o positivismo e o fundamentalismo de mercado.

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José Eustáquio Diniz Alves