O teto da dívida e os problemas ambientais dos Estados Unidos

Os Estados Unidos da América (EUA) possuem a maior dívida pública (cerca de US$ 14,3 trilhões) e a maior dívida externa do mundo, pois grande parte dos trilhões de dólares da dívida está em mãos de pessoas, empresas ou governos estrangeiros. A dívida chegou a este ponto porque os EUA são o país que emitem a moeda de circulação internacional e usaram e abusaram desta prerrogativa para manter um padrão de vida e de intervenção internacional que está além da capacidade real do país.

Os déficits gêmeos (fiscal e comercial) e o crescente endividamento foram os mecanismos que impulsionaram o crescimento econômico dos EUA nos últimos 30 anos. Os títulos do tesouro americano tem sido usados como garantia para tomar dinheiro emprestado do resto do mundo para manter o alto padrão de vida da população, que consome produtos adquiridos a preços baratos de outros países, e para viabilizar as bases militares americanas em todos os cantos do mundo.

Por conta disto, os EUA são o país com maior impacto ambiental e a maior pegada ecológica da comunidade internacional. O consumismo americano é extremamente danoso para o meio ambiente. As casas e os carros dos cidadãos estadunidenses são grandes poluidores. A vida em suburbios chiques espalha a pegada urbana e aumenta o consumo de combustíveis e dos transportes individuais. O padrão de alimentação pouco saudável, além de provocar obesidade, provoca estresse ambiental na agricultua, na pecuária e na pesca. O turismo aéreo aumenta a pegada ecológica e a emissão de gases de efeito estufa. Os custos ambientais da bases militares e das guerras dos EUA são extremamente danosas para a saúde do Planeta e da biodiversidade.

O consumismo (overconsumption) americano – com seus efeitos danosos ao meio ambiente – tem sido financiado pelo crescente endividamento. Países em desenvolvimento, como Brasil e China, tem aplicado suas reservas internacionais nos títulos públicos dos EUA, financiando o sobreconsumo da população norteamericana. Situação esdrúxula, pois são os povos pobres financiando os ricos. A prosperidade atual dos EUA tem nas dividas crescentes seu fermento. Por conta disto, os EUA são como um tigre de papel, pois estão ficando mais parcedidos com os países insolventes e só não reproduzem a crítica situação da Grécia porque sua moeda é o dólar e não a Dracma/Euro.

O endividamento dos EUA chegou ao teto. A dívida chegou ao telhado de vidro, cujo topo vinha sendo levantando recorrentemente. A dívida pública está chegando a 100% do PIB. Aparentemente não existia problema para os EUA continuarem se endividadando e rolando suas “duplicatas” com taxas de juros baixas, já que o resto do mundo estava se dispondo a financiar a farra americana. Nos últimos 90 anos, o Congresso já elevou o teto da dívida mais de 100 vezes. Porém, a briga política entre os partidos Republicano e Democrata está colocando em xeque a continuidade do endividadamento. Não necessariamente pelos mesmos motivos. E não necessariamente para colocar em ordem a combalida economia dos EUA.

São principalmente os deputados Republicanos – liderados pelo grupo Tea Party (formado por nacionalistas xenófobos e fundamentalistas religiosos) – que não querem elevar o teto da dívida. Atitude cínica, pois foram nos governos republicanos de Ronald Reagan e George W. Bush que a dívida e os déficits mais cresceram. Na última década, os republicanos reduziram os impostos para os ricos, desregulamentaram o mercado financeiro e aumentaram os gastos militares (promovendo as guerras do iraque e do Afeganistão). Para derrotar Barack Obama nas eleições de 2012, os conservadores do GOP (Grand Old Party) não se importam em agravar ainda mais a situação social e jogar o país na estagnação.

Como a revista inglesa The Economist escreveu: “A direita americana já foi líder mundial quando se tratava de repensar o governo; agora, é um pigmeu intelectual”. Os pilares da sociedade estão se erodindo na medida em que o governo americano está ficando “desfuncional” e a democracia perdendo legitimidade. Como disse aos parlamenentares de Washington, Joseph Eastwood, um contador de Toronto, que estava visitando o Capitólio: “Vocês são malucos. Em vez de construir o país, vocês o estão destruindo” (Msnbc, 30/07/2011). A crise econômica de 2008 e 2009 acirrou a crise política e agora os deputados e senadores estão jogando a economia de novo na crise.

Colocar um teto rígido para o endividamento dos EUA não faz sentido se considerarmos que foi o Congresso que aprovou despesas maiores do que as receitas. Além disto os cortes de despesas vão tirar os incentivos para o crescimento econômico nos próximos anos, agravando a situação dos mais pobres. A renda per capita estadunidense de 2011 é menor do que a de 2007, sendo que a queda foi maior entre a população negra e latina. O desemprego está próximo de 10%. A desigualdade entre ricos e pobres está aumentando no país mais afluente do mundo. Os dados do primeiro semestre de 2011 mostram que o crescimento econômico está patinando e os EUA caminham para ter uma década perdida. A economia americana está tendo de encolher para caber dentro das suas limitações e debaixo de um teto cada vez mais sem elasticidade.

Para evitar a estagnação econômica, uma outra alternativa hipotética seria dar um calote sem precedentes nos credores nacionais e internacionais (incluindo diversos países do chamado Terceiro Mundo). Para as nações pobres do mundo que já fizeram acordos draconianos com o Fundo Monetário Internacional, uma moratória da divida externa na pátria do neoliberalismo seria cômica, se não fosse trágica.

A disputa pela elevação do teto da dívida coloca de um lado os Republicanos que não querem aumento de impostos e Democratas que defendem a manutenção dos recursos para os programas sociais, como o Medicare (para idosos, indivíduos com deficiência e incapacitados) e o Medicaid (para indivíduos de baixos rendimentos económicos). Toda esta disputa deixa transparente para o mundo que um dia os EUA podem não pagar os seus compromissos econômicos e já coloca em questão o papel do dólar como reserva internacional.

Depois de um fim de semana super tenso e que gerou advertências dos principais governos do mundo (inclusive da presidenta Dilma Rousseff), os parlamentares dos partidos Republicano e Democrata estão concordando em reduzir gastos. Isto poderia ser uma boa noticia para o meio ambiente, especialmente se a população estadunidense percebesse – para o bem ou para o mal – que precisa repensar seus padrões de consumo e suas relações com o meio ambiente.

Porém toda a crise gerada em torno da elevação do teto da dívida dos Estados Unidos e as soluções encontradas não estão considerando as preocupações ambientais. Os EUA precisam elevar a poupança interna e as taxas de investimento para fazer a transição para a economia verde e inclusiva. Neste sentido, para balancear o orçamento estadunidense, o ideal seria promover um aumento geral dos impostos para desestimular o consumo supérfluo e investir em educação e saúde, melhorar a infra-estrutura, e, especialmente, promover um aumento dos impostos sobre a poluição e os combustíveis fósseis, canalizando os recursos para os investimentos em energias renováveis para limpar a matriz energética e gerar empregos verdes. Mas o lobby do complexo-industrial-militar-fóssil não tem permitido o aumento dos impostos nestas áreas.

O grupo radical de direita, Tea Party, é contra a presença do Estado na economia, contra a elevação de qualquer tipo de imposto e contra toda política que vise mitigar os impactos das mudanças climáticas globais. A política energética que eles propõem tem como base o fortalecimento da matriz fóssil por meio do aumento da exploração do petróleo, mesmo em reservas ambientais (drill baby drill foi o slogan republicano em 2008).

Os militantes do Tea Party, por exemplo, são contra responder o censo demográfico e estão propondo cortes nas pesquisas do Census Bureau (O IBGE dos EUA). Também são contra a regulação estatal para aumentar a eficiência energética, como a regulação do uso de lâmpadas LED que consomem 80% menos energia do que a lâmpada incandescente. Os deputados do Tea Party não querem apenas um governo menor, querem por fogo na Casa Branca, com Barack Obama dentro.

Por tudo isto, a atual crise americana deve aprofundar a recessão econômica e reduzir as atividades produtivas. Portanto, indiretamente, deve haver uma redução da pegada ecológica do país. Contudo, serão as parcelas mais pobres da população que vão pagar o preço da redução do consumo. As parcelas ricas e o complexo-industrial-militar-fóssil vão continuar poluindo a América do Norte e o mundo.

Em síntese, os EUA estão desperdiçando a oportunidade de resolver, de maneira integrada, seus problemas econômicos e ambientais. A briga interna entre os partidos Republicano e Democrata está apenas adiando a busca de uma solução mais definitiva para chegar a um ponto de equilíbrio entre a economia e o meio ambiente. O pior é que o próprio presidente Obama está ficando refem das políticas conservadoras e anti-ambientais dos setores mais direitistas do partido Republicano. O partido Democrata, por seu lado, não tem capacidade de mobilizar as parcelas da população mais afetadas pela crise econômica.

Os cenários para os próximos anos não são nada promissores para os que sofrem com o crescente processo de exclusão social. Não há solução para a economia americana sem o aumento de impostos sobre o consumo conspícuo e sem cortes nos US$ 800 bilhões anuais de gastos militares.

Desta forma, tudo indica que este teatro do absurdo – pior do que os dramas gregos – deve se repetir toda vez que houver necessidade de elevar o teto do endividamento dos Estados Unidos. Enquanto isto, o resto do mundo vai continuar assistindo, bestificado, o ridículo espetáculo da política americana.

 

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José Eustáquio Diniz Alves