Políticas de emprego e a economia do cuidado

O emprego é um direito humano fundamental estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e na Constituição Federal do Brasil, de 1988. A meta 1B dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecida pela comunidade internacional, coloca como objetivo dos países: “Alcançar o emprego pleno produtivo e o trabalho decente para todos, incluindo mulheres e jovens”. Assim, as políticas macroeconômicas deveriam manejar os instrumentos fiscais, monetários e cambiais para criar empregos para toda a população em idade econonomicamente ativa. Pessoas sem emprego são pessoas sem direitos. Países sem pleno emprego são países que desperdiçam o seu potencial produtivo, assim como o seu potencial de bem-estar.

As mulheres são quem mais sofrem com a falta de emprego, com o desemprego e o subemprego. Mulheres sem oportunidades de emprego são cidadãs sem direito. No entanto, existe uma divisão sexual do trabalho que estabeleceu, historicamente, que cabe ao homem ser provedor da renda domiciliar e à mulher ser a provedora do cuidado na família. Em parte, isto tem mudado, pois cada vez mais mulheres passaram a ser provedoras de renda. Porém, um percentual pequeno dos homens assumiu as tarefas do cuidado, cabendo às mulheres o duplo encargo dos trabalhos fora e dentro do domicílio, ou seja, no âmbito do mercado e no espaço do privado.

Existe, portanto, uma relação entre a disponibilidade de pessoas e de tempo para a inserção no mercado de trabalho e as obrigações do cuidado com as tarefas da reprodução social. Em geral, as mulheres são sobrecarregadas com os afazeres da reprodução, enquanto os homens possuem maior disponibilidade para as atividades da produção. Como a dinâmica econômica favorece mais o desenvolvimento das forças produtivas do mercado, os ganhos da inserção produtiva são maiores do que os ganhos no âmbito reprodutivo.

Quanto maior o peso das atividades domésticas, menor é a disponibilidade de tempo que as mulheres podem ofertar ao mercado de trabalho remunerado. Por exemplo, famílias com muitos filhos pequenos exigem maior presença feminina no cuidado de seus membros, o que, em uma enviesada divisão sexual do trabalho, limita o potencial produtivo das mulheres. As questões que se colocam, em termos de políticas públicas e de redivisão sexual do trabalho, são como liberar as mulheres para o exercício do seu direito ao emprego remunerado, como comprometer os homens com a economia do cuidado e como o Estado pode fornecer os instrumentos para a redução da distância entre a produção e a reprodução social.

O direito da mulher ao emprego remunerado tem obtido apoio crescente, inclusive de organizações empresariais. Klaus Schwab, fundador e Chefe-executivo do World Economic Fórum, de Davos, na Suíça, escreveu o seguinte no prefácio do relatório do Global Gender Gap Index (GGGI), de 2009:

“Durante o ano passado, o mundo passou pela maior recessão, em quase um século. É claro que a recuperação vai exigir, entre outras coisas, o melhor do talento, das idéias e da inovação. Portanto, é mais importante agora do que nunca que os países e as empresas prestem atenção a um dos fundamentais pilares do crescimento econômico de que dispõem: as habilidades e os talentos dos recursos humanos do sexo feminino. Como consumidoras, eleitoras, trabalhadoras e empregadoras, as mulheres são essenciais para a recuperação econômica global. No entanto, não é somente o sistema financeiro e econômico que precisa ser repensado, redesenhado e reconstruído. Os desafios globais como as alterações climáticas, a segurança alimentar, os conflitos, a educação e a saúde exigem esforços coletivos para se encontrar soluções. Meninas e mulheres compõem metade da população mundial e sem sua contratação, capacitação e contribuição, não se pode responder eficazmente a estes desafios, nem conseguir a recuperação econômica rápida” (p. V).

Porém, os direitos das mulheres encontram barreiras para sua efetivação no mercado de trabalho. A segregação ocupacional e a discriminação salarial limitam a participação feminina no mercado de trabalho e contribuem para a permanência de desigualdades de gênero na população economicamente ativa. Nas últimas décadas, as mulheres têm superado obstáculos e obtido avanços ocupacionais e salariais. Mas a existência de barreiras formais e informais na economia de mercado, combinado com a sobrecarga de obrigações na economia do cuidado, faz com que as taxas de atividades femininas no mercado de trabalho sejam bem menores do que as do sexo masculino.

A economia do cuidado envolve a criação dos filhos, a guarda das crianças, a atenção com os parentes idosos ou com necessidades especiais, as atividades de educação, saúde e dos afazeres domésticos, assim como a convivência das pessoas que cuidam umas das outras e do ambiente natural. No entanto, da economia do cuidado depende toda a reprodução humana e, portanto, a própria existência da produção e do mercado.

Segundo o informe da CEPAL, “Que tipo de Estado? Que tipo de igualdade?” a conciliação entre a vida profissional e familiar baseada na redistribuição das tarefas de cuidado entre o Estado, o mercado e as famílias continua a ser o ponto cego das políticas públicas da América Latina e do Caribe. Existe um lapso entre as obrigações legais para com o cuidado de ambos os cônjuges em relação com seus descendentes e ascendentes e as normas, os serviços, a infraestrutura e as provisões disponíveis para sua realização. Nesta situação, as desigualdades de gênero são evidentes. Segundo Alicia Bárcena, Secretária Executiva da CEPAL, na apresentação do documento, não será possível conseguir igualdade de trabalho para as mulheres enquanto não for resolvida a carga de trabalho não remunerado e de cuidados que recai historicamente sobre elas:

“A incorporação das mulheres ao mercado de trabalho em iguais condições que as dos homens requer uma análise e uma mudança estratégica da função social e simbólica estabelecida na sociedade. Isto implica, por uma parte, redistribuir a carga de trabalho não remunerada associada à reprodução e ao sustento da vida humana e, por outra, desmontar o sistema de poder que subjuga as vida livre de violência, o direito de decidir plenamente sobre a reprodução e suas condições), como na dimensão pública (a representação equitativa nos níveis de tomada de decisões da sociedade)” (pp. 7 e 8).

A entrada da mulher no mercado de trabalho, conjugado ao fato de o trabalho não remunerado realizado nos domicílios ser, fundamentalmente, feito pelas mulheres, o tempo total de trabalho (remunerado e não remunerado) é maior para as mulheres do que para os homens.

Desta forma, existe a necessidade de articulação entre as esferas da produção e da reprodução e do sistema de emprego e o cuidado das famílias e indivíduos. Na perspectiva da titularidade dos direitos, as políticas públicas devem garantir o acesso ao emprego, ao mesmo tempo em que provê serviços públicos para aqueles que dão e recebem cuidados.

Conciliar trabalho e família é fundamental para que haja uma maior equidade entre homens e mulheres e para que a articulação entre Estado, Família e Mercado possa se dar em benefício das pessoas e da ascensão social ascendente de todos, com equidade de gênero.

Referência:
CEPAL, Que tipo de Estado? Que tipo de igualdade? XI Conferência Regional sobre a Mulher da América Latina e do Caribe, Brasília de 13 a 16 de julho de 2010
http://www.eclac.org/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/9/40129/P40129.xml&xsl=/mujer/tpl-p/p9f.xsl&base=/tpl/top-bottom.xslt
World Economic Forum. The Global Gender Gap Index (GGGI) 2009. Switzerland, 2009. http://www.weforum.org/en/Communities/Women%20Leaders%20and%20Gender%20Parity/GenderGapNetwork/index.htm

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José Eustáquio Diniz Alves