Primavera de Teerã

Se o resultado das eleições do Irã contribuir para o fim do “choque de civilizações” haverá um grande ganho com a mobilização popular e a busca de uma solução política – e não militar – para o Oriente Médio.

O povo nas ruas do Irã protestando contra a apuração dos votos das eleições do dia 12 de junho (dia dos namorados no Brasil) de 2009, indica uma “Primavera de Teerã” semelhante à “Primavera de Praga” em 1968?  A mobilização de massas em Teerã, liderada por Mir Hossein Mousavi, tem o mesmo caráter do movimento liderado por intelectuais reformistas de dentro do Partido Comunista Tcheco, interessados em promover grandes mudanças na estrutura política, econômica e social, na antiga Tchecoslováquia?

A resposta é sim e não. Não, porque o tempo e o espaço são distintos. A “Primavera de Praga” foi podada pelo conflito Leste versus Oeste que caracterizou a Guerra Fria na segunda metade do século XX. A “Primavera de Teerã” tenta se desabrochar em meio ao “Choque de Civilizações” que caracterizou os oito anos do governo George Bush nos EUA e que tem os seus coadjuvantes no Oriente Médio, confrontando, de um lado, a teocracia iraniana do líder supremo aiatolá Ali Khamenei e do presidente Mahmoud Ahmadinejad e, de outro, a linha dura israelense representada pelo primeiro ministro, recém eleito, Benjamin Netanyahu.

A direita fundamentalista de Israel e do Irã caminhavam para uma guerra. Segundo notícias publicadas pelo jornal The Guardian da Inglaterra, Israel pediu autorização dos Estados Unidos para atacar o Irã, no final do ano passado. Porém a eleição de Barack Obama e os seus pronunciamentos após a posse tem sinalizado no sentido da “confluência das civilizações” e para o caminho da paz ao invés da mobilização para a guerra e para o aumento das tensões nas diversas partes do mundo.

Foi neste novo espírito de distenção e após o providencial discurso de Obama na Universidade do Cairo, no dia 4 de junho, que aconteceu as eleições do Irã. O povo atendeu em massa ao pleito do dia 12/06. Mas as eleições presidenciais não significam que o “poder emana do povo”.

Na realidade quem controla atualmente a estrutura de mando é o aiatolá Ali Khamenei, de 69 anos, que além de deter o título de líder supremo do Irã desde 1989, foi presidente entre 1981 e 1989 e tem forte influência sobre o Conselho dos Guardiães que é o órgão colegiado mais poderoso para os rumos da eleição. O aiatolá Khamenei passou a controlar o poder depois de conseguir o controle dos Guardas Revolucionários e das milícias Basij. Assim, além de comandar os três principais braços do poder governamental e toda a mídia estatal, Khamenei comanda as Forças Armadas e várias instituições estatais, como a "Imam Reza Shrine" ou a "Fundação pelos Oprimidos", máquinas praticamente ilimitadas para gerar apoios políticos.

Portanto, é surpreendente que tenha havido tantas mobilizações de massas e que o povo volte às ruas 30 anos depois da Revolução Islâmica que derrubou o regime do xá Mohammad Reza Pahlevi e que permitiu a volta do exílio do aiatolá Ruhollah Khomeini, em 1979. À primeira vista, o que está acontecendo agora se assemelha muito aos eventos de três décadas atrás, mas com sinal trocado. Ao invés de dar às costas aos aliados ocidentais, o povo tem ido às ruas para exigir maior poder nas decisões do país e para rechaçar a retorica belicosa e isolacionista do presidente Ahmadinejad.

Novas eleições serão convocadas? Provavelmente não. Mas as manifestacões populares estão mostrando que a teocracia que comanda o Irã não poderá decidir os destinos da nação sem ouvir os clamores da maioria da população, que a princípio, exige apenas a convocação de novas eleições, já que acreditam que houve fraude e que Mousavi venceu legitimamente.

Resta saber se quando os manifestantes gritam nas ruas "morte ao ditador" eles estão se referindo ao presidente Ahmadinejad ou ao aiatolá Khamenei. As mulheres estão participando dos protestos, mesmo não tirando os véus que cobrem suas cabeças e nem derrotando as normas que as segregam na sociedade.

O certo é que há uma disputa de poder acontecendo no topo do sistema iraniano. O aiatolá Khamenei apostou tudo na vitória de Ahmadinejad e encontrou a oposição que veio de baixo.
 
Mas, no coração da elite religiosa, estão os ex-presidentes Mohammad Khatami e Akbar Hashemi Rafsanjani, sendo que este último é o líder da Assembleia dos Especialistas, o grupo de clérigos responsável por eleger, supervisionar e até substituir o líder supremo do país. Rafsanjani também lidera o Conselho de Discernimento, que é responsável por mediar as disputas entre os órgãos do governo.

Portanto Khamenei e Ahmadinejad podem ganhar a batalha ou podem ser destituídos pelo movimento que vem das ruas com o apoio dos conselhos religiosos que discordam dos rumos que o país tem seguido nos últimos anos. A censura tenta encobrir a batalha que se trava em público, mas nos bastidores, ainda mais oculta, existe uma outra batalha gigantesca e que ninguém é capaz de prever os seus desdobramentos futuros.

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José Eustáquio Diniz Alves