Reduzir o número de abortos!

O aborto é uma experiência pessoal traumática e um problema de saúde pública. Estima-se que sejam realizados 1 milhão de abortos no Brasil por ano. Mas não é por meio da criminalização que o número de abortos será reduzido.

A data de 28 de Setembro foi definida como “Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe”. Este dia foi instituído após uma oficina sobre aborto realizada durante o V Encontro Feminista Latinoamericano e Caribenho, realizado em San Bernardo, na Argentina, em 1990.

No Seminário "Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos: subsídios para as políticas públicas", realizado no Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 2007, diversos pesquisadores, docentes, estudantes e gestores, organizados em suas associações acadêmicas e profissionais, lançaram a “Carta do Rio de Janeiro: Pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos pela Eqüidade de Gênero e em Defesa do Estado Laico”

A Carta do Rio de Janeiro se posiciona a favor da legalização do aborto a partir da seguinte análise (Disponível em: http://www.petitiononline.com/cartario/petition.html):

“Nossa posição fundamenta-se em resultados de pesquisas científicas de grupos de pesquisa e instituições de ensino superior do País, que mostram como a iniqüidade de acesso aos métodos contraceptivos e a ilegalidade do aborto trazem conseqüências nefastas para a saúde física e mental das mulheres, além de ser uma grave infração de direitos humanos. Reflete ainda a experiência de participação ativa em comissões técnicas de formulação e monitoramento de políticas públicas em associações científicas e instâncias de participação social pela defesa da saúde, dos direitos sexuais e reprodutivos. Esse posicionamento se apóia em princípios definidos na Constituição Brasileira, na Lei do Planejamento Familiar e em Convenções Internacionais, tais como a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), a IV Conferência Internacional de Mulheres (Beijing, 1995), a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1979), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Belém do Pará, 1994), das quais o Brasil é signatário. O debate amplo na sociedade brasileira é reflexo de uma discussão reavivada pela 1ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (2004) e pela apresentação no Congresso Nacional de projeto de lei de revisão da legislação de aborto pela Ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (2005)”.

No Brasil, o Código Penal de 1940 considera crime a prática do abortamento, exceto quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário) ou se a gravidez é resultante de estupro. A despeito desta condição jurídica – garantida pela legislação nacional há quase 70 anos – as mulheres que desejam recorrer à prática do abortamento nas condições legalmente autorizadas encontram inúmeros obstáculos ao exercício desse direito. Além disto, milhões de mulheres se submetem ao aborto ilegal, realizado em péssimas condições de higiene e assepsia, deixando seqüelas que comprometem a saúde da mulher e causam enormes custos para o tratamento subsequente na rede pública. A maior parte das mulheres que recorrem à indução do aborto para interromper a gravidez adotam procedimentos que são realizados na clandestinidade, por pessoas sem habilitação ou em ambientes fora dos padrões médicos adequados. Entre os abortamentos inseguros realizados no mundo (cerca de 20 milhões), 90% ocorrem nos países em desenvolvimento, causando a morte de cerca de 70 mil mulheres por ano (FNUAP, 1997). Na América Latina e Caribe, cerca de 4 milhões e 200 mil mulheres por ano submetem-se a abortamentos, sendo 95% desses procedimentos realizados na ilegalidade (OMS, 1998).

Portanto, uma das principais causas do aborto é a gravidez indesejada. As duas últimas Pesquisas Nacionais de Demografia e Saúde (PNDS 1996 e 2006) mostraram que aproximadamente 50% dos nascimentos acontecidos no Brasil não foram planejados. Outras pesquisas comprovam a alta incidência de gravidez indesejada entre adolescentes e adultas jovens no Brasil.

As gravidezes não previstas atingem principalmente a população mais pobre do país que não tem acesso aos métodos de planejamento reprodutivo. As mulheres de baixa renda e com maior dificuldade de acesso ao serviço de saúde, muitas vezes, por falta de recursos financeiros, recorrem à prática do aborto inseguro. O resultado são sequelas que aumentam a morbidade e a mortalidade maternas. Neste sentido, é bastante importante o Programa Nacional de Planejamento Familiar lançado pelo Ministério da Saúde, cujo objetivo é garantir direitos iguais de constituição ou limitação da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. O Sistema Único de Saúde deve oferecer todos os métodos reversíveis aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária para regulação da fecundidade, bem como assegurar o acesso à laqueadura e à vasectomia, permitindo que os homens também participem do planejamento reprodutivo.

Os segmentos mais pobres do país dependem do Estado para ter acesso aos métodos de regulação da fecundidade para o livre exercício da sexualidade. O bom funcionamento do SUS é fundamental para a redução da gravidez indesejada e, consequentemente, para a redução do número de interrupções voluntárias da gravidez. Não é criminalizando as mulheres que o número de aborto será reduzido.

Por tudo isto, o “Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe” é uma oportunidade para lutar pela humanização dos serviços de atenção à saúde e a diminuição da morbi-mortalidade materna. É preciso impulsionar o cumprimento das leis que permitem o abortamento e lutar para gerar avanços na legislação dos países da região, através da formação de consensos políticos em torno da liberalização e da revisão das leis punitivas.

Referencias:

Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos
http://www.clam.org.br

Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR)
http://www.ccr.org.br/default.asp

Observatório de Sexualidade e Política (SPW na sigla em inglês)
http://www.sxpolitics.org/pt/?cat=24

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José Eustáquio Diniz Alves