Diálogos entre paradigmas By Marcos Bidart de Novaes / Share 0 Tweet Interrompo os diálogos sobre rupturas e revoluções e entre cooperação e competição para deixar vir à tona ideias que querem me afogar. A questão da diferença entre trabalho, obra e profissão e como estes termos já foram entendidos no passado e são compreendidos hoje. O trabalho humano que interage e transforma o ambiente econômico, social e a natureza não é um conceito neutro, e sim carregado de significados e possibilidades, que variam de época histórica para outra e também entre diferentes culturas. Guerreiro Ramos (2005) em sua tese Uma introdução ao histórico da organização racional do trabalho, escrita originalmente em 1949, lembra que nas sociedades pré-letradas o conceito de trabalho é algo difuso. O trabalho era um saber e um fazer, que se estendia sem fronteiras claras à totalidade da vida social. O sociólogo brasileiro afirma que em muitos casos não se encontra nas sociedades primitivas uma palavra específica para designar o trabalho como conceito abstrato. Existem nestas sociedades em termos linguísticos os ‘fazeres’ específicos, mas não o ‘trabalho’. Lembra também o autor brasileiro que o trabalho é o aspecto da vida social que mais de perto se relaciona com a economia. Seu significado em diferentes momentos históricos, tanto para a sociedade quanto para seres humanos em sua individualidade determina o que se aprende e como se aprende. “O nobre, na sociedade medieval, se orgulha de não trabalhar, como o guerreiro na cidade antiga” (GUERREIRO RAMOS, 2009, p. 37). Há, portanto muitos valores sociais e individuais subjacentes ao trabalho que determinam a postura do indivíduo em relação ao mesmo. Voltando às ideias aqui apresentadas sobre as sociedades primitivas, quando inexiste separação clara entre trabalho e ócio, não há necessidade de incentivos, ou mecanismos de motivação para que o ser humano trabalhe. O trabalho é ao mesmo tempo necessidade de sobrevivência, criação e por vezes prazer. Foi com a introdução na vida social de conceitos como o lucro, o aluguel e a venda do trabalho que a sociedade como um todo passou a se preocupar com a motivação do ser humano para o trabalho. Foi neste momento do desenvolvimento social que surgiu a divisão, denotada pelos diferentes significados das palavras inglesas labor e work. Labor é trabalho, é labuta, é suor. Work é obra, é artesanato, é realização. Estes são conceitos que não surgiram e se solidificaram de uma hora para outra e sim por caminhos lentos e tortuosos. A humanidade vivenciou sociedades em que só havia trabalhos (ou obras, talvez seja melhor dizer) cooperativos, que não visavam lucro, sem mercado de trabalho formal, em mutirão. Já em outras sociedades o trabalho tinha um valor ascético, que podia inclusive salvar o espírito de quem mais arduamente labutasse. “Em sua cidade ideal, Platão coloca os sábios no primeiro lugar, guerreiros em segundo, e os artesãos no último, o que é uma antecipação da constituição tripartida da sociedade medieval” (GUERREIRO RAMOS, 2009, p. 36). Hoje, o que diria um filósofo que quisesse sobreviver como Platão e não ser condenado à morte como seu mestre Sócrates? Que em primeiro lugar estão empresários, em segundo altos executivos e políticos, em terceiro os cientistas e depois, sem lugar no pódio, os demais? Houve épocas da história da humanidade em que a aplicação de saberes técnicos para a dominação da natureza não tinha sentido, ou pela imobilidade da sociedade ou pelo fato destes saberes serem heréticos, pois a ordem natural não deveria ser perturbada. O trabalho dentro destes marcos se organizava de maneira estável, sem a necessidade de estudos “científicos” (na verdade ideológicos…) de divisão do trabalho ou de definição de competências individuais para maior eficiência ou eficácia. Guerreiro Ramos (2009, ps. 38-39) simplifica este excurtio ao afirmar que entre a Idade Média e a data em que F.W Taylor escreve seu Principles of Scientific Management em 1911, “medeia um sem número de ocorrências de difícil captação, mas que preparam o ambiente para aquela criação”. Segundo o autor brasileiro, é a ratio em oposição à traditio que desestabiliza também a organização do trabalho ao promover uma “ordem social fundada na calculabilidade dos atos humanos e na objetividade racional”. As sociedades anteriores só conheciam o trabalho como criação e arte, como obra e profissão (no sentido de professar sua vocação), como satisfação de necessidades do dia a dia ou do ano e suas estações. “Surge, porém agora a força de trabalho, o trabalho mercadoria, objetivo de especulação, da contabilidade e da ciência”. Surgem também novas buscas dialógicas e dialéticas entre necessidades. Seres humanos em busca de maior liberdade pessoal, liberação de seus potenciais criativos e maior contribuição para a sociedade querem deixar qual legado individual inserido dentro de sua comunidade? Quais os pontos de partida para refletir sobre que profissão realmente mobiliza a cada um? Pois profissão, como parente do ato de professar, é ato de vocação e fé. Ao mesmo tempo profecia e pronúncia do mundo. Como disse o grande mestre da educação brasileira, Paulo Freire, na Pedagogia do Oprimido, entrelaçando esta discussão sobre trabalho, obra e profissão com o tema do diálogo : O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando portanto na relação eu-tu. Se é dizendo a palavra e pronunciando o mundo, que os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens.