Escrever é limpo e falar é sujo: da sujidade dos intelectuais e de suas línguas fálicas

             Falar, para alguns, é um ato cênico. Não é raro que nos deparemos com figuras absurdamente pomposas que parecem anunciar com palavras verdades incontornáveis. Assim, pois, criam-se os patéticos paladinos da imbecilizante cultura burguesa, os intelectuais.

            Valer-se de um cardápio cultural vasto para impressionar ou sentir-se superior é, para muitos, um verdadeiro esquema de divertimento, uma diversão que satisfaz e envaidece, e não cessa. O grande problema não é, em si, o divertimento ou as vaidades ocasionais, – comum a todos – tão pouco o variado cardápio cultural de que se valem para impressionar os desinformados alheios. O que está em questão é a falácia própria a atos como esses. Fazer-se perceber por manobras retóricas e, em sentido mais complexo e perigoso, utilizar de certos conhecimentos apenas com o intuito de satisfazer-se é um ato triste, calunioso e que não faz justiça com qualquer posicionamento ético referente a qualquer assunto que tenha na vida sua expressão primeira. Esse ato cênico-masturbatório impressiona porque é escandaloso, e é escandaloso porque é pobre e tem necessidade de afirmar-se enquanto referencial e significador. Falar, nesses casos, é dar vazão a potências negativas. Deleuze, em entrevista a Claire Parnet, afirma em dado momento sua antipatia, e seu medo, por essas mentes geniosas que sabem em demasia sobre tudo e que, conseqüentemente, usam da fala para exibirem seus dotes. Para Deleuze “falar é um pouco sujo. É um pouco sujo, a escrita é limpa. Escrever é limpo e falar é sujo. É sujo porque é fazer charme.” Sim, um charme, não um discreto charme, mas o auge de uma imundice vaidosa.
            Ora, mas porque escrever é limpo? O que diferencia a fala da escrita? Obviamente que nem toda fala é suja, bem como nem toda escrita é limpa. O que se quer separar aqui é o modo como agem ambas as operações. A fala poder-se-ia dizer, é um instrumento cirúrgico que está muito mais propício a infeccionar a realidade por sua virulência, por seu escorrimento desmedido, irresponsável. A escrita é esmero, trato responsável e criador de possibilidades. O texto, por exemplo, é nas palavras de Barthes “um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações, saídas dos mil focos da cultura.” A escrita pode ser desconstruída, agir segundo funcionalidades diversas, a fala é um dizer que passa, que dura pouco, que não fomenta aspectos importantes da vida e que, por isso, funciona isolada e cretinamente. De maneira geral, escrever é cravar e, também, distribuir intensidades. Falar é, na maioria dos casos, apenas reverberação de vaidades.
            A fala suja é, também, uma fala fálica. A língua é o órgão de penetração dos intelectuais. Intelectuais-eruditos que fazem da língua um objeto fálico, tentando proceder – por pura imposição e/ou vaidade de uma falácia excrementosa – por tentativas de penetração grotescas, idéias descabidas e por discursos languidos e propositadamente enfadonhos. Talvez haja aí, em todo esse espetáculo, algo próximo da vontade de reconhecer-se no outro que ouve e que, ao ouvir, mergulha em gozo. Um intelectual que procede de tal maneira, por certo, tenta descobrir o ponto sensível do outro para fazê-lo arder. Descobrir as zonas erógenas daquele que lhe é comum, eis a função dessa espécie de intelectual. A língua, portanto, desempenha papeis importantes no ato pseudo-performático dos intelectuais. Primeiro pode-se pensar na língua enquanto elemento propiciador da fala, ou seja: a língua enquanto fator orgânico e elemento constitutivo do corpo humano e objeto não metafórico. Um segundo aspecto, desse ato, seria a funcionalidade da língua enquanto elemento cultural e lingüístico. Nesse sentido reside a indispensável função fálica, posto que é dessa forma que são criados e distribuídos os discursos  de penetração.
            A sujidade, por tanto, carece de clareza. A fala suja é a que não faz referência à vida e que tão pouco faz justiça à concretude desta. É necessário cuidado não apenas com os intelectuais-cretinos, mas também com suas crias acadêmicas que agem, tal e qual seus mentores, por má-fé. O caráter intelectual desses seres humanos, por tanto, está relacionado não apenas ao fato de serem manipuladores e falseadores de discursos, mas, em primeiro momento, a uma conduta de má-fé que age enquanto um imperativo. Assim, pois, os intelectuais não estão isentos do comum. Ainda que saibamos que “O ser humano não é somente o ser pelo qual se revelam negatividades no mundo. É também o que pode tomar atitudes negativas com relação a si.” (SARTRE, 2007, p.92) não podemos esquecer as responsabilidades éticas que nos cercam e as ressonâncias dessa negatividade no outro.
            É importante atentar para o fato de que nem todos os intelectuais procedem de tal maneira, as generalizações são, em todos os âmbitos, infundadas. O texto tem por intenção mostrar que a fala é um ato inflamado que requer responsabilidades. Em última analise, o que se quer é sinalizar; afinal, o labirinto da oralidade requer cuidados. 
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Laio Bispo