Desrazão e estética da existência em “Os Idiotas” de Lars Von Trier


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Os Idiotas (1998), de Lars Von Trier, é o segundo filme do movimento “Dogma 95” – o que, por si só, já pré-supõe uma ruptura política e estética com o mainstream cinematográfico. O filme é um delírio em toda sua estrutura, só funcionando enquanto tal. O elo que constitui a questão fílmica é, ao decorrer de toda sua narrativa, um ir e vir; equilíbrio e desequilíbrio; um andar sob cordas. Lars Von Trier é o cineasta-funâmbulo.  
  
                O filme é, em sua estrutura semântica e sintática, um aventurar-se na fronteira da razão e da loucura – não sem antes saber das fissuras que ambas acarretam. A linguagem de Lars von Trier expõe o tema, coloca-o em funcionamento. Os movimentos da câmera em suas tremidas intempestivas, seus focos aparentemente irresponsáveis, a rusticidade do som, a luz ambiente em quase todo o filme, tudo isso colabora para excelência da obra. A estética cinematográfica dialoga com a narração fazendo com que elas se entrelacem nas suas respectivas composições – a câmera fala o que o texto mostra.
 
O filme demonstra, dentre outras coisas, que “a lógica de um pensamento não é um sistema racional em equilíbrio” (DELEUZE, 2010, p.122). O idiota, o demente – em sua urgência e necessidade – irrompe contra o negativo da razão, contra a austeridade e os excessos que lhe são típicos. Dessa maneira, Lars Von Trier parece ter por intuito capturar as disfunções da razão crítica. Essa razão crítica que se opõe ao trágico, ao delírio, à loucura. A desrazão-trágica contra razão-crítica. O legado cartesiano tratou de privilegiar o bom senso, estigmatizando o trágico; o vulgar tornou-se regra nas análises sobre a desrazão e esta passou a ser entendida enquanto ameaça – tornavam-na perigosa. A loucura era excluída, marginalizada; calava-se o discurso enlouquecido, des-potencializavam o louco. Lars Von Trier promove o resgate do discurso-enlouquecido, resignificando-o. Os Idiotas em questão fazem da vida uma operação artística da vontade de potência – as reverberações nietzschianas são indisfarçáveis. A coerção de uma racionalidade inflexível, castradora e limitante é, a todo o momento, questionada. A operação proposta pelo autor não é, porém, algo fácil. O filme demonstra a incapacidade que a maioria dos personagens tem em manter e, mais ainda, em tornar claro em circunstâncias familiares essa potência. O âmbito familiar é, também, posto em questão.
 
A efetivação proposital do idiota enquanto potência alucinada, ativa. Assim, não há apenas uma demência, mas várias. É sempre uma nova demência. Um novo idiota – o idiota-antifascista, o idiota-libidinoso, o idiota-amante. A demência não preexiste; antes, acontece. Insurge contra o negativo da razão em circunstâncias inesperadas; mas também é preciso saber fazê-las emergir, pois só assim se as tem sob controle. Um controle que não evoca vigilância, mas, sim, uma responsabilidade para com a própria demência. O louco livre das amarras doentias da razão em excesso, livre da condição asilar à qual normalmente é submetido.  
 
Em resumo, o filme trata de maneira radical, porém não irresponsável, um tema que é, ainda, muito caro à racionalidade ocidental contemporânea – esta, ainda, muito fiel à modernidade.
 
O racional devém idiota criando um sentido próprio para sua existência, deslegitimando, com isso, os imperativos de uma racionalidade que se quer irredutível, o que acaba por constituir uma volta ao trágico. Em outros termos, essa volta, mediante esse devir-louco, significa que a vida, em sua desrazão, encontra meios de criar forças que a razão não é capaz de produzir nem, tão pouco, efetivar.
 
Referência:

DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 2010. 

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Laio Bispo