Fight Club e a destruição dos corpos-organizados

 

“Auto-aperfeiçoamento é masturbação.
Agora, auto-destruição…” 
 
Fight Club é um filme dotado de particularidades que são, sob aspectos variados, despercebidos ou, ainda, desprezados. Vale, no entanto, ressaltar alguns desses aspectos dada a força e intensidade que alcançam.
 
A autodestruição é uma questão central no filme, é ela quem age como pólo distribuidor de intensidades. Ela norteia ao mesmo tempo em que confunde as questões e os problemas ali envolvidos. O que se passa, em todo caso, é um jogo observações e contatos; um foco e desfoco do mundo, da destruição de uma realidade objetiva para a construção de uma subjetividade que acontece em meio ao combate, em meio a destruições. A destruição é o elemento propiciador do novo, e o que possibilita o transfigurar-se, o torna-se outro em meio às deformações.
 
O narrador encontra-se em um estado catatônico que varia entre a euforia e a calma do não entendimento do que se passa. Há ali uma criação inconsciente – nada há para representar, é produção desejante – um novo modo de proceder diante das questões da vida, uma nova ética: a ética da destruição. A destruição se dá como forma de reconstrução e criação, fazendo, assim, com que haja uma permanência de fluxos; fluxos delirantes, fluxos de dor, fluxos de destruição. O destruir-se nesse caso está intimamente ligada à dor; a dor enquanto condição que possibilita ao corpo um desmembramento, uma explosão, um esvaziamento orgânico radical – os órgãos não são mais importantes. As ondas doloríferas são, dessa maneira, os meios pelos quais passam as intensidades de dor que levam ao combate, à luta e a destruição. O Clube da Luta é a contestação do corpo-organizado em seu sentido biológico, político e moral. A autodestruição de seus participantes é a maneira pelo qual se critica as práticas e os processos de territorialização, e da constituição própria de uma sociedade “limpa”, velada por sorrisos e abraços – o clube da luta é colisão. 
 
Existem riscos em todas as experimentações. A autodestruição é risco permanente e, por isso, pode-se cair em armadilhas. Pisar em falso e voltar ao marco zero, reconstituir o corpo e por de volta a organicidade para funcionar. É necessário cuidado para não afugentar devires, alertavam Guattari e Deleuze. A todo o momento estamos sujeitos a microfascismos, tornamo-nos cretinos sem que saibamos, e quando menos esperamos eis a face da vergonha. A grande questão é: O que povoa esses corpos de combate? O que passa e o que os bloqueia? O filme se desenrola ao passo trôpego do narrador e na vivacidade de Tyler Durden, unidos e radicalmente separados por diferenças (in)visíveis. O diálogo entre os personagens principais transita entre a emergência da destruição dos órgãos, o desejo de destruir a organização do corpo (seja ele político, biológico, moral…) – em suma: produzir para si um Corpo Sem Órgãos (CsO) – e entre um eixo facista que retém as potências positivas ali envolvidas.   
 
Em suma: não há violência no Clube da Luta, há destruição. Por isso Fight Club não é um filme de violência como pensam alguns. Autodestruição e destruição extensiva fazem parte de uma mesma luta.

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Laio Bispo