Este País, Itália By Allan Robert P. J. / Share 0 Tweet Fico imaginando como um país tão grande como o nosso tenha somente uma língua oficial e que os dialetos (sim, que existem) não sejam reconhecidos. Na Itália é diferente. Línguas e dialetos se misturam borbulhantes num caldo cultural que se teme perder. Cada dialeto conta a história de uma sociedade, neste país rico de histórias e tradições. Lenha na fogueira que o assunto promete não esfriar. Fim dos anos 70, início dos 80. O círculo de amigos era grande e mutante. Por um breve período a turma foi frequentada por uma jovem, cujo único atributo era chamar-se Paola – ela fazia questão da pronúncia Paôla. Perdeu-se, perdemo-nos e nunca mais soube dela. Muito tempo antes, o genovês Cristoforo Colombo virou Cristóvão no Brasil e Columbus, nos Estados Unidos. Os italianos acham engraçado, mas ficam indignados quando digo que nós conhecemos o imperador Nerone como Nero (negro, em italiano). Se apressam em esclarecer que Nerone era branco e que deveríamos ter mais respeito pelo imperador megalomaníaco. A Itália é um país dividido por centenas de dialetos e alguma línguas (alemão e ladino em algumas partes do Norte e o sardo, na Sardenha, por exemplo). Os povos que por aqui passaram deixaram marcas culturais que se mesclaram com a língua local. O resultado é que dois italianos podem se falar sem conseguir se comunicar. Foi Dante, que insistindo em escrever em dialeto florentino, e não em latim – outros escritores escreviam usando os próprios dialetos, mas quando queriam divulgar de verdade a obra, o faziam em latim. Como dizia, foi Dante a tornar o dialeto florentino conhecido e divulgado em toda a península, até que fosse oficializado como a língua italiana. Para bagunçar ainda mais a confusão reinante, Mussolini proibiu o uso de termos e nomes estrangeiros. Muitos se sentiram aliviados quando alguns nomes foram simplificados e passou a ser fácil dizer “Carlo Marx”. Isso sem falar da família real inglesa: rainha Elisabetta, príncipes Filippo e Carlo e a falecida Lady Di (dí). Se, por um lado, o advento da televisão facilitou a difusão e unificação da língua oficial, por outro lado tem ajudado na propagação de termos que causam uma certa impressão, como Vúdi Allen ou Olivúd. Como em todas as línguas, o italiano vai-se modificando, incorporando novos termos e inventando outros, desde que todas as palavras respeitem o alfabeto ittaliano. Por exemplo: Ciao tem a mesma pronúncia que o nosso tchau; ceco como tcheco e o “H” no início das palavras não é pronunciado, como em “au ariú?” (how are you?). A cidade onde moramos, Piacenza (a pronúncia é Piatchêntza), no centro-norte da Itália, foi palco de grandes disputas, desde a época de Aníbal. Os austríacos e os franceses foram as presenças mais marcantes. Tanto que o hábito francês de consumir carne de cavalo resiste até hoje. Os piacentinos afirmam entender perfeitamente a língua francesa, mas temo que os franceses não concordem com tal afirmação. Como se não bastasse a alegoria verbal do dialetos, os sotaques dão um colorido sonoro à língua oficial. Um napolitano nervoso ou com pressa só será compreendido por um outro napolitano. Um romano, mesmo calmo, terá dificuldades em comunicar-se em italiano até mesmo com um outro romano. Por isso o hábito de gesticular é tão importante nessa terra. Já a Paôla, dos anos 70, se dominar bem o italiano e decidir vir à Itália, descobrirá chamar-se simplesmente Paola (Páola ou Paula, dependendo do sotaque local). Mas decobrirá, também, que Florença é o único lugar da Itália a não possuir um dialeto. Arrivederci a sabato prossimo.