Inverno Italiano


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Essa situação antagônica de viver em um outro hemisfério, longe de casa, acaba criando uma confusão na minha memória emotiva. Você aí preparando-se para o Carnaval, calor, cerveja gelada, clima de festa, enquanto eu vou trabalhar sob um frio polar, às vezes neve, às vezes neblina. Só tenho a impressão de que os problemas que realmente contam acabam sendo parecidos. Apoie o copo de cerveja um instante e leia com calma sobre o inverno italiano e diga se não tenho razão.

Os dias 29, 30 e 31 de Janeiro são chamados “I Giorni Della Merla” (os dia da merla). Marcam a metade do Inverno no hemisfério norte e costumam ser os dias mais frios do ano por aqui. A merla é a fêmea do merlo, o comum pássaro preto ou melro que temos no Brasil. Diz a lenda que a merla era branca e escondia-se com seus filhotes nas chaminés das casas, que nesses dias mais frios eram acessas e os deixaram pretos de fuligem.
 
Nos últimos anos os italianos vêm se confrontando com invernos cada vez mais rigorosos. E não extamente pelas baixas temperaturas. Desde que o euro foi adotado como moeda é comum começar o ano com uma série de aumentos. Luz, gás, limpeza urbana, telefone, passagens de trens e pedágio, foram os serviços públicos que aumentaram antes que as árvores de Natal fossem desmontadas, no dia 6 de Janeiro. No início do Inverno já haviam aumentados leite, farinha e os derivados de ambos, só para ficar nos produtos da cesta básica.
 
O mau-humor caraterístico desta estação parece oferecer a oportunidade ideal para a movimentação dos preços. As pessoas acabam absorvendo as más notícias como um fardo a mais da “stagione brutta” (estação feia) e o hábito de só usar roupas pretas neste período não ajuda a melhorar o clima entre as pessoas.
 
O Inverno está só na metade e as más notícias não hibernam. O governador da Sicília ofereceu um banquete para festejar a própria condenação a 5 anos de prisão por aproveitar-se de informações reservadas – irá recorrer. A TV mostra a festa com doces e bebidas, o governador em meio aos convidados, todo sorrisos, afirmando não ter sido provado seu envolvimento com a Máfia. Depois de alguns dias de reflexão, demitiu-se. Nesse meio tempo o governo do primeiro-ministro Romano Prodi caiu. Nada de mais, nada que já não tivesse ocorrido antes (com o ex-primeiro-ministro Massimo D’Alema). Portanto, todos sabemos que o país vai parar até que se intaure um novo governo eleito pelo povo, apesar das tentativas políticas de instituir um governo técnico para promover as reformas necessárias à governabilidade do país, entre elas, uma nova lei eleitoral que garanta essa tal governabilidade ao vencedor.
 
Mas não é tudo, por que o Inverno italiano é longo e penoso. A Universidade La Sapienza, em Roma, covidou o Papa para a palestra inaugural do semestre. 68 professores não gostaram da idéia e se expressaram em um abaixo-assinado público. Nem levaram em consideração que a universidade foi fundada por um outro papa. Ratzinger educadamente agradeceu e rejeitou o convite. A gafe tomou conta dos jornais por dias seguidos. Para baixar ainda mais o moral do orgulhoso povo tricolor, o Banco Central Europeu informou que a economia espanhola superou aquela italiana, causando um espernear de vagas explicações inúteis, como de resto, da parte das autoridades italianas. A convulsão social provocada pela emergência do lixo em Nápoles e região acabou virando só mais um assunto de fundo dos telejornais, que preferiram dar ênfase aos baixos salários e à perda do poder aquisitivo que atingem milhões de famílias, numa campanha sórdida contra o já combalido governo:
 
“Mais de três milhões de famílias italianas recebem salários que duram só até o dia 27 de cada mês…”
“27?! Como é que esses caras conseguem? Meu salário termina no dia 21…”
 
Os habitantes da península vêm procurando adaptar-se nos últimos anos às novidades que o Inverno traz, além do frio, neblina e neve, mesmo que essa adaptação produza uma nova realidade social, com sacrifícios e roupas pretas por um período além da estação feia. Pessoalmente, acho que vai faltar chaminé.
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Allan Robert P. J.