Um país fofoqueiro


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Como os próprios espanhóis dizem, a Espanha é um país de fofoqueiros. As mulheres de certa idade se preocupam mais com vida alheia que com a sua própria. Me lembro que estava recém-casado (minha mulher é espanhola), ainda arrumando o apartamento, quando a vizinha entrou para ajudar e foi logo metendo a mão nas malas, tirando as coisas e colocando-as nos armários e estantes da sala dizendo "isso fica bem aqui, e isso aqui…"

Eu não acreditava, mas seria uma indelicadeza recusar a ajuda, assim que deixamos e depois arrumamos tudo à nossa maneira. Esta mesma vizinha tinha as chaves do ap, pois é um boa costume deixar a chave com algum vizinho de confiança para casos de emergência. Não é que entrava em casa quando ainda estávamos dormindo e começava a lavar os pratos e arrumar a cozinha! É muita amabilidade, mas eu não queria compartir a minha vida privada com a vizinha. Logicamente ela é uma ótima pessoa e mantemos amizade até hoje, mas eu tive que parar com aquilo.

Um dia eu estava desenhando no meu quarto de trabalho com a janela aberta e notava que uma senhora no edifício de enfrente não parava de olhar o que eu fazia. Estava ficando nervoso, porque gosto da minha intimidade, e ela não parava de olhar descaradamente. Então, peguei um papel e desenhei um coisa enorme e imoral com um pincel atômico bem grande, e deixei em cima da mesa. Imediatamente ela fechou a janela. Ma eu tive que me acostumar a trabalhar com a janela fechada, já que sou temperamental para criar e preciso de intimidade.

Embora esteja totalmente integrado à cultura espanhola, nunca me acostumei a ser observado ou espiado. Gosto de ser discreto na minha vida, passar desapercebido e a vida alheia não me interessa.

Aqui, dizem que o esporte nacional é a inveja. Se um vizinho compra um carro grande, o outro compra um maior, mesmo que não tenha utilidade numa cidade com escassas vagas para estacionar. Se uma vizinha compra uma televisão grande, a outra compra uma maior. Inclusive as doenças são motivo de discussão. No ambulatório, as mulheres discutem sobre qual está pior. – "Eu já tive isso, não é nada comparado com o que tenho agora". " A minha dói muito mais". "Eu tomo mais remédios". E assim, tudo o que é meu é pior, melhor ou maior, mas sempre mais que o outro.

Quando cheguei, o país era governado pelos socialistas, com Felipe González à frente. O socialismo estava na moda embora a direita sempre teve uma forte presença com muitos defensores do franquismo.

Eu morava numa cidade "dormitório", chamada assim porque a maioria dos seus habitantes eram trabalhadores na capital, Madrid. Os soldos aqui são muito bons para os trabalhadores, mesmo que inferiores ao resto da Europa, permitindo que até a família mais humilde tenha umas condições de vida mais que razoáveis. O curioso é que os trabalhadores, ou "obreros", na sua maioria são socialistas, mas não renunciam às tentações consumidoras mais típicas dos capitalistas. Eu sempre pensei que ser socialista era renunciar ao consumo compulsivo.

É engraçado ver como defendem o socialismo com unhas e dentes e ao mesmo tempo discutem porque o carro de um é melhor que o do outro, ou a marca da minha roupa é melhor que a sua e ainda o vinho que eu trouxe para a comida é mais caro.

Nos domingos, é costume sair de terno para passear pela rua diante dos vizinhos com a cabeça bem alta e olhando de cima, para que o vizinho veja o seu terno caro e pense "esse homem tem dinheiro". Mas é um "obrero socialista". Eu, sinceramente não encontro graça em levar os filhos ao parque no domingo metido num terno.

Em quase todas as casas, inclusive as dos trabalhadores mais simples, como um lixeiro por exemplo, pode-se encontrar todos os luxos de uma casa de classe media alta do Brasil. Todos têm aparelhos eletrônicos sofisticados na cozinha e no banheiro, computadores para os filhos, carros novos (mais de um por casa), roupas boas e dinheiro para ir de ferias no verão, sem falar dos gastos no bar, que faz parte da cultura espanhola. Na verdade, como o meu irmão me diz, "eles são pequenos burgueses".

Mas a Espanha é um país liberal e democrático. Seus habitantes são amáveis, com algumas poucas excepções. É um país alegre e com um marcado caráter latino, que o torna junto à Itália e Portugal, diferente ao resto. Para um brasileiro, é mais fácil acostumar-se á vida na Espanha que na Suécia, por exemplo. E deste modo é fácil ficar aqui, como eu que cheguei para uma temporada de 2 anos e já vão 23.

As coisas que conto aqui, não são uma crítica à sociedade espanhola, que tem mais coisas positivas que negativas. Simplesmente são coisas que eram diferentes para mim, que chegava do Brasil. Já estou acostumado a tudo isso, menos à fofoca e a inveja. E em alguns casos, me comporto como eles, pois devemos aprender e adotar os comportamentos que consideramos positivos para a convivência.

Um brasileiro tem muito que aprender dos espanhóis. Ma isso não quer dizer que não tenhamos nada para ensinar. Cada povo tem coisas positivas e negativas, o importante é ter humildade para reconhecer quando você está enganado e ser capaz de mudar os hábitos negativos.

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Carlos Venturelli