No domingo fui ao cemitério


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Ninguém em sã consciência sai de casa e vai voluntariamente a um cemitério, assim num domingão de outono, sem ser dia de finados nem enterro de parente ou amigo. Ou…? Ao contrário do que vocês pensariam, o cemitério estava cheio…

 

 

 

 

Ninguém em sã consciência sai de casa e vai voluntariamente a um cemitério, assim num domingão de outono, sem ser dia de finados nem enterro de parente ou amigo. Ou…? Ao contrário do que vocês pensariam, o cemitério estava cheio…

Was die Erde gab

Begeht sie wieder

Und was Staub gewesen

Wird zu Staub

Doch die Seele stieg

Vom Himmel wieder

Wohl der Gottheit

Keines Totes Raub

Unsere Tränen

Fallen auf den Hügel

Den geliebten

Überrest bedeckt

Doch des Glaubens

Gold beschwingte Flügel

Trägt uns aufwärts

Wo kein Grab

Mehr schreckt

 

O que a terra deu

Quer de volta

E o que era pó

Volta ao pó

Ainda a alma sobe

Volta ao céu

Salva por Deus

Nenhum morto rouba

Nossas lágrimas

Caem sobre o túmulo

Do ente querido

Já coberto

Ainda a crença

Que, nas asas de ouro

Transporta-nos para frente

Onde nenhuma sepultura Não mais assusta*

 

F.F. Wallraf um 1810

 

Não, não havia enterro, e sim muitos turistas. Eles como eu, resolveram associar uma caminhada, pelo parque-cemitério, e fazer uma visita à história. No Melatem, a arte está viva, as obras estão em seu contexto original, e não empoeiram como nos museus.

No verão sepulturas e monumentos são envolvidos pelas eras, o musgo cobre a pele frágil e seca das estátuas. No inverno elas são envolvidas por uma capa branca de neve. Podemos observar obras do período clássico, com motivos grego-romanos, também há elementos do gótico inspirados na catedral de Colônia, e ainda, monumentos modernos. A arte dos monumentos atende a todos os gostos.

E quem pensa que o “programa de domingo” é só para adultos está enganado. Na cidade de Colônia há o “Melaten für Kinder”, isto é, Melaten para Crianças, de 6 a 10 anos e como nas visitas dos adultos, as crianças aprendem sobre a história do cemitério desde a idade média até os dias de hoje. Ah, nas visitas feitas pelas crianças é exigida a presença de um adulto acompanhante para o pequeno visitante. O cemitério fica situado no bairro de Lindenthal, próximo ao centro de Colônia, o acesso a ele é fácil.

 

De leprosário a pátio da inquisição

Melaten: O calvário dos vivos

 

O nome Metaten vem do século XII, do francês “malat”, que significava doente. O local que hoje abriga o cemitério, no ano 1180, existia o “leprosário”, onde os que sofriam do mal da lepra tinham sua moradia. O terreno era cercado e administrado pela Igreja. Aos doentes não era permitido deixar o local pelo temor da disseminação da doença.

Em 1529 o pátio de Metaten serviu de local para a realização das execuções dos condenados pelo tribunal da Santa Inquisição. A Inquisição era um tribunal da Igreja Católica instaurado no início do século XIII, para punir aqueles que duvidavam dos seus valores. Dois protestantes foram queimados por acreditar nas pregações de Lutero, um deles, Peter Fliesteden o primeiro mártir protestante, na Alemanha, preso durante a missa ao levantar a hóstia no ano de 1527.

No século XVII 30 mulheres somaram-se à lista dos que foram queimados, no que na história denominou de “caça as bruxas”. Bruxas eram aquelas pessoas “suspeitas” de praticar magia eram acusadas de causar prejuízo ou morte de pessoas e animais. A caça às bruxas se deu principalmente na Europa ocidental e foi uma reação histérica da Igreja que dizia que o diabo conspirava contra o cristianismo. Dois terços das vítimas perseguidas eram mulheres. Uma delas, Jacob Henot, foi acusada de… “Causar doenças e morte a várias pessoas” e foi considerada “bruxa”. A inquisição não perdoou. Jacob Henot foi queimada no Melaten. Em 1797, Peter Eich, foi o último a ser morto em seu pátio, acusado de ter furtado a Igreja. Ele foi enforcado diante de uma numerosa platéia. Assim era naqueles tempos.

Em 1767 o leprosário foi fechado, pois na Europa a lepra havia sido disseminada, em 1801 serviu como orfanato às crianças sem casa e destino. Com a ocupação francesa em 1794 modificou-se a concepção de sepultamento. Os franceses foram “exemplo” “em matéria de higiene” para os cidadãos da cidade de Colônia, ensinaram a construir canais subterrâneos para o escoamento de esgoto. Neste contexto, em junho de 1804 Napoleão Bonaparte decretou a “lei de sepultamento”, determinando a construção de um cemitério único onde seriam enterrados os mortos de cada cidade. Houve indignação dos cidadãos, que não mais poderiam enterrar os seus entes queridos nos cemitérios das pequenas cidades, vilas e nem nas igrejas por razões de higiene. A tradição alemã de sepultamento rezava que quanto mais perto do altar, as pessoas fossem enterradas, mais perto de Deus estariam na eternidade.

Foi então que a administração da cidade de Colônia comprou o terreno do antigo leprosário e o transformou em cemitério. Até 1829 somente os católicos podiam ser enterrados no Melaten. Os protestantes eram enterrados em outros cemitérios assim como os judeus. Estes últimos só a partir de 1903 tiveram a permissão para ser sepultados no Melaten . Mas os mortos não encontraram em Melaten a paz eterna. Nas duas últimas guerras o cemitério foi, por várias vezes, destruído pelas bombas. Se não bastasse a dor com as perdas materiais de humanas dos que sobreviveram, após a guerra, muitos desabrigados foram procurar abrigo em suas catacumbas.

A hierarquia social, dos séculos 19 e 20, pode ser percebida claramente no Melaten. Os ricos eram enterrados no caminho principal denominado “Milionenallen” ou avenida dos milionários. São 55 mil sepulturas numa área de 34 hectares cercadas por árvores centenárias e um imenso jardim.

O Melaten se transformou no lugar onde os proeminentes personagens da vida artística, política e cultural de Colônia eram e são sepultados. Descansam o sono eterno entre esculturas e obras de arte músicos, pintores, químicos, políticos, banqueiros, historiadores, escritores e vários carnavalescos famosos como Willy Milovitch e o cabaretista e Wille Ostemann que imortalizou frases em suas canções em dialeto da cidade de Colônia: “…och wat wor dat fröher schön doch en Colonia” (Oh, como antes era lindo em Colônia), suas lápides são testemunhas de 200 anos do “Kölner Karnaval” – Carnaval de Colônia, famoso em toda a Europa.

E como é a tradição por aqui, nos carnavais de salão, são contadas anedotas sobre os mortos sepultados no Melaten. É a maneira da cidade reverenciar com alegria e bom humor os seus honorários cidadãos que jazem na eternidade.

 

Quarta de cinzas: Quando começa o carnaval no cemitério

 

Bem, depois da visita ao cemitério, vocês irão dizer, ah, lá vem a Solange contar piada de carnaval no cemitério. Pois assim é: depois da quarta-feira de cinzas, quando Bacchus, o Deus da folia é enterrado, como é na tradição por aqui, encontramos novamente os visitantes vindos a pé, de bicicleta, de carro, esperando na porta do cemitério Melaten para entrar. Mas aqui, pontualmente, é o historiador que inicia a sua visita guiada. Parece macabro, mas não é e os presentes vão logo mudar de opinião. Melaten goza de um grande status histórico e o guia debulhara 600 anos de história para os interessados. Na visita todos saberão da biografia dos carnavalescos sepultados, bem como, serão contadas anedotas, comentadas as picardias políticas da época e cantadas canções carnavalescas. A visita é encerrada na lápide do carnavalesco e comediante Willy Milowitch para um “Tschüss Willy”. Tchau Willy! Isto é Colônia.

O cemitério de Melaten está indicado em todos os guias turísticos da cidade.

Sensenmann, ou o ceifador de vidas, uma alegoria da morte na Idade Média num período em que a peste assolou a Europa. Sua figura assustadora não impediu que pessoas a depredassem – aqui também tem disso – mas ainda assim continua firme com sua ampulheta na mão avisando aos mortais da brevidade da vida.

 

Seres viventes do cemitério

 

Melaten hoje é um grande parque rico em centenários plátanos, carvalhos e plantas nativas da flora européia. O seu jardim abriga 40 variedades de pássaros, inclusive uma colônia de papagaios, além de morcegos, aqui protegidos severamente pelas leis, esquilos, raposas, gatos selvagens.

Mas não importa as razões de uma visita ao Melaten. Vale a caminhada por entre a arte e cultura e memória dos que já se foram.

 

* tradução (modesta) Solange Ayres

 

Fotos: Solange Ayres feitas exclusivas para este artigo do OPS

Fonte: Melaten Friedhof

 

 

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Solange Ayres