O tataravô dos quadrinhos


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Satírico, sarcástico, irônico, erótico. Wilhelm Busch, foi o mais expressivo humorista alemão do seu tempo. Conhecido por seus desenhos é considerado o tataravô dos quadrinhos, chegou um dia a pensar em morar no… Brasil

 

 

Final infeliz

 

A sua obra divertiu gerações e gerações com os seus personagens e anedotas criados com uma originalidade sem igual. Foi desenhista, poeta, escritor de contos e tinha paixao pela pintura. Busch criou não heróis, mas sim anti-heróis. As suas estórias nunca tinham final feliz e seus personagens eram sempre envolvidos em turbulentas e desastradas ações, que sempre acabavam mau, ou senão em morte. As crianças, aparentemente comportadas, se transformavam em verdadeiras bestas e os adultos eram retratados como cidadãos de dupla moral. Mesmo como um eterno pessimista nos surpreende. Sua obra é extensa e nos desenhos, uma virtuosa combinação de cenas e palavras, o precursor dos quadrinhos e da “story-bord”* – seqüência de filme desenhada – dos filmes de desenhos animados.

 

Ainda bem que ele escolheu ser artista

 

 

 

Wilhelm Busch “Regenlandschaft”

 

Aos 15 anos iniciou seus estudos na politécnica de Hannover em construção de máquinas, como era o desejo de seu pai, mas interrompeu seus estudos por interessar-se mais por pintura. Estudou em diferentes escolas de arte como na Academia de Arte em Düsseldorf, Antuerpia e por último em Munique. Para a nossa sorte ele foi ser artista e não maquinista. Em 1854, pensou em recomeçar a vida como apicultor e chegou a pensar em imigrar para o Brasil, influenciado pelo tio, que considerava, naquela época, o país um “eldorado” para criação de abelhas.

Aqui na Alemanha Wilhelm Busch é conhecido como pai de Max e Moritz, dois pestinhas que infernizavam a vida dos adultos com suas traquinagens. Estes personagens foram, em grande parte, inspirados na vida real dele e seu amigo de infância Erich Bachmann. Max e Moritz foi traduzido no Brasil por Olavo Bilac em “História de Dois Meninos em Sete Travessuras” (vocês podem apreciar os desenhos e textos) se chamavam Juca e Chico, publicada pela editora Melhoramentos de São Paulo, cliquem la.

Busch foi ilustrador do “Fliegende Blätter” um folhetim semanal que apareceu pela primeira vez em 1844 em Munique. O folhetim continha sátiras que caracterizavam a burguesia alemã da época, um verdadeiro compêndio da crítica humorística, foi lá que ele fez sua carreira.

Os seus primeiros desenhos, publicados em 1864, tornaram-no famoso da noite para o dia, foram vendidos na época por uma bagatela e quem ganhou muito dinheiro foi a editora Kaspar Braun.

 

Contexto histórico

 

A Caricatura do século XIX na Europa era feita de forma despretensiosa. Os artistas utilizavam-na para fazer piadas da vida cotidiana e só foi levada a sério como valorosa fonte de informação e análise da sociedade nos últimos anos da nossa era. Enquanto a caricatura política hoje aborda o poder os partidos, as decisões políticas e suas conseqüências, a caricatura do século XIX tratava de temas morais nos círculos de intelectuais. O grande salto de público se deu com a alfabetização e a publicação de jornais no meio do século XIX, o ponto alto da caricatura e sua crítica desenhada. Os dois fatores combinados trouxeram-na da política para o cotidiano do cidadão comum. Inúmeros caricaturistas utilizavam a técnica de litografia para divulgar os seus trabalhos como os alemão Wilhelm Busch e Carl Spitzweg ou os franceses Honoré Daumier, Gustave Doré ou ainda George Crikshank e Thomas Rowlandson na inglaterra e Thomas Nast nos EUA.

 

A vida inspira a arte

 

O professor Lämpel

 

Onde teria Busch buscado sua inspiração? Aqui, Alemanha, ele é tido também como sádico, anti-semita ou ainda como alguém que odiava mulheres. Ele caricaturou o mundo mostrando crianças mau educadas, brigas entre marido e mulher, padres bêbados, maus tratos contra os animais e uma infinidade de ações com fins tragicômicos. Busch sempre brincava com o medo da forma mais brutal, lembrando os personagens de Tom e Jerry que sofrem de toda a sorte suplícios físicos. Os biógrafos dele dizem que toda a maldade expressada no seu humor talvez tenha vindo em grande parte de suas lembranças da infância.

Nascido em 15 de abril de 1832 o filho mais velho de sete irmãos, ao completar nove anos foi enviado para ser educado em Erbgötzen, norte da Alemanha pelo tio, George Klein, um severo pastor evangélico que ia de Kant a apicultor e que ministrou-lhe aulas particulares. O motivo pelo qual seus pais tomaram esta decisão foi porque a casa em que moravam era pequena para tanta criança. Quando retornou ao lar, três anos mais tarde, sua mãe não o reconheceu. Um fato que talvez o tenha marcado para o resto da vida: a falta do amor materno. O personagem Fritz, em Max e Moritz, pode ter sido espelhado no próprio tio que o educou.

 

Tentativa de homicídio

 

Pois não parecem inocentes esses meninos? Parecem. As estórias de Max e Moritz (1865), que foram publicadas em mais de 200 línguas podem ser analisadas hoje como sendo totalmente politicamente incorretas, quase estórias de crime mesmo. As traquinagens dos dois não tinham limites: matar as galinhas da viúva Bolde, serrar a ponte de madeira fazendo com que o alfaiate Böck caísse no rio. Fora a estória do tio Fritz que teve a cama cheia de besouros. E o professor Lämpel? Tentativa de homicídio! O pobre homem teve seu cachimbo cheio de pólvora. Não é preciso dizer os resultados. Não, as traquinagens não tinham limites na imaginação do autor, depois de furarem os sacos de farinha no moinho – o moinho que inspirou as cenas existe e hoje é museu – viraram pão, comidos pelos gansos. As maldades cometidas eram normalmente contra pessoas de respeito e autoridades da sociedade da época. O humor negro pode ser reconhecido em toda a sua obra. Vejam nas ilustrações.

 

 

Muitas estórias

 

As estórias de Busch eram sobre temas variados e segundo minhas pesquisas não ha traduções publicadas no Brasil, exceto Max e Moritz como Juca e Chico. Para os leitores de língua alemã, o Projeto Gutember é uma fantástica fonte de informação com textos e desenhos originais dispostos on-line para quem quiser ver, ler e ouvir. Algumas delas como a do “Der heilige Antonius von Padua” (1864) ou “O santo Antônio de Pádua”, foi considerada blasfêmia pela igreja e proibida, mas publicada seis anos mais tarde. É uma sátira magistral, em prosa e verso, do clero e sua vida mundana e sua dupla moral: Monges caindo em tentações carnais na vida celibatária, bispo gerando filhos, bebedeiras nos mosteiros. Enquanto os fiéis faziam jejum a igreja comia e bebia do melhor.

Com “Eduards Traum”- Os sonhos de Eduardo- (1891) Busch mergulha na literatura fantástica e conta as aventuras de Eduardo que encolhe e se transforma em um pequeno ponto, deixa o seu “eu” e “viaja” no mundo. Aquí um curioso encontro de seres humanos e animais até… ser acordado por Elise: “-Eduard, stet auf, der Kaffee is fertig!”- Eduardo levante-se, o café esta pronto!”. Aquí que pode se dizer que “Os sonhos de Eduardo” esta muito próximo a Alice nos país das maravilhas de Lewis Carol.

“Der Schmetterling”, “A Borboleta” um conto do gênero “fantástico. Ele pessimista se mete na aventura de se tornar um adulto saindo de casa pra conhecer o mundo e volta para casa como um aleijado, tão mudado que os seus parentes não o reconhecem. O drama de se tornar adulto, um paralelo com sua juventude cheia de sofrimentos e decepções.

Wilhem Busch desenhou outras tantas estórias como Hans Huckebein, der Unglücksrabe(1867), “Hans Huckebein o corvo infeliz”, Herr und Frau Knopp (1874).

 

 

Frome Helene (1872), "Brava Helena"

 

Esta última "brava” aqui a conotação é de bem comportada. Ela poderia ser a irmã mais velha de Max e Moritz. Como uma menina abandonada, é criada pelos tios e também praticou as suas traquinagens costurando a manga do pijama do tio Nolte (veja abaixo).

Caricaturando a sociedade da época, Busch se expressava de maneira sutil, às vezes cínica mostrando as convenções e hipocrisias da vida doméstica. Helena se casa e tem uma vida de esposa, que sem a atenção do marido, procura consolo no seu amigo Franz. Numa das tiras, o marido de Helena fazendo bilou-bilou é cumprimentado por Franz, pelo nascimento dos gêmeos. Mas olhem as carinhas dos meninos, eram mesmo a cara do…?

Wer Sorge hat, hat auch Likör “Quem tem preocupações tem também o licor”, aqui se referindo a quem consola seus problemas no álcool, esta frase é de “Brava Helena” que como muitas outras viraram dito popular. Mas assim como todas as figuras de Busch, Helena tem um fim trágico. Depois de se embriagar no licor é punida pelo autor num acidente com a lamparina de petróleo, morrendo queimada.

Anti-semita?

 

No ano de 1860 apareceram os seus primeiros trabalhos no “Fligenden Blättern*” que o tornaram famoso. Os críticos literários o caracterizam sua obra em três fazes: “Frühwerk” “Werk der Reifezeit” e “Spätwerk”, isto é cedo, obras da maturidade e maturidade.

Por três vezes os judeus são citados ou em caricatura ou texto. A primeira delas é no início de sua carreira aos 28 anos como ilustrador, sintetizava o “senso comum”. O crítico literário Georg Gustav toma o desenhista como aquele que “desenhava figuras, personagens, como o carpinteiro, o professor, o cidadão comum e assim também caricaturou a figura dos judeus como todas as outros personagens da vida cotidiana”.

A segunda citacao sobre judeus esta em palavras em “Frommen Helene”, “Brava Helena” em 1872: “Venha para o campo onde estão as bravas ovelhas. A cidade esta cheia de lobos” e a terceira citação foi posteriormente ao bem sucedido “Max e Moritz” em 1882, dez anos após a publicação de “Fromme Helene”, em “Eduards Traum”: “Das Geschäft steht in Blüte, der Israelit gleichfalls”, “O negócios florescen assim como os israelitas”.

Crítico literário como Thomas Thodor Heine diz que não se pode simplificar as coisas. “No século XIX atitudes anti-semitas não poderiam ser identificadas na sociedade” até porque o “anti-semitismo só veio a ser definido mais tarde na história da Alemanha” e o debate esta ainda em aberto.

 

Comics: Indo nas origens

Em 12 de dezembro de 1897, trinta anos depois da publicação de Max e Moritz (1865), o jornal boulevard americano “New York Journal” em “American Humorist” publica “The Katzenjammer Kids” (ilustração acima), também uma dupla do barulho de autoria de Rudolph Dirk. Suas estripulias eram parecidas com as cometidas por Max e Moritz: provocar os adultos, maltratar animais, para serem punidos no final.

Mas a história verdadeira dos comics começou alguns anos antes, com a briga dos dois jornais da época New York Journal e New York World de Willem Randolph Hearst e Joseph Pulitzer. O jornal New York World em 1895 fez uma publicação de grande sucesso o “The Yellow Kid” o primeiro “quadrinho moderno” de Richard F. Outcault um personagem em pijamas. Como a concorrência não queria ficar para trás o New York Journal publicou “The Katzenjammer Kids”, uma encomenda ao desenhista Rudolph Dirks, cuja família era recém imigrada da Alemanha. O publicista William Randolph Hearst, depois de uma viagem à Alemanha, com uma pequena parada no museu de Wilhelm Busch em Hanover, requisitou o trabalho para ser publicado no “estilo de Wilhelm Busch”, melhor ainda, no estilo de “Max e Moritz”. Os novos “heróis” foram pela primeira vez apresentados em uma nova forma artística, assim nasceram os “comics”.

Lembram de “Os sobrinhos do capitão? Pois eles foram criados por Rudolph Dirks. Depois de 15 anos de Katzenjammer Kids, o autor queria fazer uma “pausa” nas suas publicações o Heart newpaper sindicate não aceitou. Então Dirk sai e cria personagens muito parecidos com “O Katzenjammer Kids”, “Os sobrinhos do Capitão” que foram publicados por mais de meio século, inclusive no Brasil.

Os sobrinhos do capitão

 

Um saco de couro cheio de surpresas

Busch que morreu solteiro, procurou sem sucesso o amor materno em várias de suas companhias, uma delas Johanna Keßler, que era casada, com a qual manteve por anos uma intensa amizade. Fumante inveterado sofreu várias crises de envenenamento por nicotina. Na idade madura, sofria de crises de depressão, dores crônicas de estômago, falta de apetite e insônia. Todo o quadro pode ser descrito como doenças psicossomáticas provocadas pelo seu passado mal resolvido. Assim ele se define em sua autobiografia em “Von mir über mich” “De mim sobre mim”: “-Nenhuma coisa se parece tão pouco como um ser humano, como este saco de couro cheio de surpresas”.

 

Mein Lebenslauf ist bald erzählt

In stiller Ewigkeit verloren

Schlief ich, und nichts hat mir gefehlt,

Bis dass ich sichtbar ward geboren.“

 

“Minha carreira está logo contada

Na calma eternidade perdida

Eu durmo nada me faltou

Até que eu nasci.”*

 

Wilhelm Busch morreu em 1908 na casa de seu sobrinho, o padre Otto Nöldeke, por problemas cardíacos. Einstein expressou-se sobre Busch: “particularmente Busch escritor como um grande mestre da estilística sem igual na língua alemã.”

Por fim, lembrando das minhas traquinagens na infância chego à conclusão de que tinha um pouco de Max e Moritz dentro de mim. Quem não cometeu traquinagens que atire a primeira pedra.

 

Fonte:

Projekt Gutemberg

DeutscheNational Bibliothek

Zeno Bibliothek

Ruprecht-Karls-Universität Heldelberg Bibliothek

Wilhelm Busch – erotisch, komisch, gandenlos

Literaturkritik n° 9/Set 2003-Judentum und Antisemitismus.

Titel Magazine/Literatur und Mehr

Erzälung: Der Schmetterling von Wilhelm Busch.

Wilhelm Busch Biografie – Vom Mir über Mich

Karikaturen in Kontext/ Histo Soz-u-Kult

Von Robert Gernhardt: Kommentar zur Gesamtausgabe der Werke von Wilhelm Busch, nebst Klärung der Frage: War dieser Autor ein Antisemit

Wikipédia

Yorck

The Katzenjammer Kids

Quadro „Regenlandschaft, „Paisagem de chuva da fase realista, 22 x 26 cm. Neue Pinakothek, Munique.

Nota: O “Fligender Blätter” esta todo digitalizado e pode ser acessado na biblioteca de Heildeiberg.

*Traducao(modesta): Solange Ayres

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Solange Ayres